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País do futebol (e da má gestão): a Copa vem, o atraso fica

Com arquibancadas vazias, clubes endividados, campeonatos fracos e cartolas ultrapassados, o futebol brasileiro vive crise no ano em que receberá o Mundial

No Rio, imaginava-se que o retorno do Maracanã depois de quatro anos de reformas aumentaria a média de público do Estadual. Mas os preços abusivos dos ingressos e o desinteresse dos torcedores e das próprias equipes culminaram em um campeonato com estádios às moscas

Com a contagem regressiva para a Copa do Mundo, criou-se entre os brasileiros a ilusão de que o futebol nacional poderia se aproveitar do megaevento para, enfim, se modernizar e atrair grandes públicos às suas novas e belas arenas. A expectativa era de que grandes empresas investissem nos clubes e viabilizassem a chegada de craques renomados, que seriam capazes de elevar o interesse pelas competições nacionais a um nível semelhante ao das respeitadas ligas europeias. O que se viu nos primeiros meses de 2014, no entanto, foi exatamente o inverso. Grandes agremiações iniciaram a temporada sem patrocinadores na camisa – o mercado estava completamente voltado ao torneio organizado pela Fifa. Dentro de campo, o que se viu foi ainda pior. Graças às federações, que se superaram na incompetência na hora de criar as fórmulas dos Campeonatos Estaduais, os estádios ficaram quase sempre às moscas. O público deprimente de 357 pagantes em uma partida do clube mais popular do Brasil foi o retrato perfeito do fracasso da pátria de chuteiras às vésperas da Copa. As brigas no tapetão, a violência dos vândalos das torcidas organizadas e o baixo nível técnico das partidas desanimaram ainda mais o torcedor – que, como era de se prever, optou por assistir às partidas pela TV ao invés de torrar muito dinheiro com ingressos caros demais. No ano da Copa, portanto, a única novidade no país do futebol foram os novos estádios – só que muitos deles estão com obras atrasadas e custaram muito mais do que se previa.

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Relacionar o desinteresse dos patrocinadores à chegada da Copa parece ser um atalho adotado pelos clubes para esconder suas próprias falhas. Na verdade, apesar de alguns poucos exemplos positivos, a administração esportiva no país segue com os mesmos vícios do passado – e há poucas perspectivas de mudança (a eleição na CBF, por exemplo, terá candidato único, com a vitória por aclamação de um cartola à moda antiga, Marco Polo Del Nero). Nos clubes, a estrutura amadorística ainda é regra, o que torna muito mais difícil que alguma agremiação seja capaz de replicar os casos de sucesso do futebol europeu. De acordo com o especialista em gestão e marketing esportivo Amir Somoggi, as equipes nacionais perderam a chance, por pura incompetência, de usar o Mundial como uma forma de internacionalizar suas marcas. “É normal que a verba vá para a publicidade da Copa, isso sempre foi assim. Mas agora que a Copa é aqui, fica mais fácil justificar. Os clubes não souberam enxergar o evento como um aliado, e sim como uma desculpa. Eles só querem saber de patrocínio na camisa e não pensam em criar iniciativas mais abrangentes”, explica o especialista. Somoggi, que aponta o Real Madrid como a maior referência em gestão no planeta, condenou o método de trabalho das equipes de marketing dos clubes nacionais. “No Brasil, tudo é baseado no que acontece em campo. Eu vejo várias entrevistas de cartolas dizendo que ‘o melhor marketing é vencer’. Ok, amigo, mas e quando você não vence? Esse é o marketing mais absurdo do mundo.”

Sem o reforço financeiro dos grandes patrocinadores, os clubes deixaram de investir na contratação de astros que ajudam a atrair o público – nos últimos anos, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Seedorf e Alexandre Pato tiveram esse papel. A ida de Neymar para o Barcelona também foi bastante sentida, e não só empobreceu o nível técnico de nosso futebol como também esvaziou o interesse das grandes parceiras. O resultado disso se refletiu claramente nas arquibancadas. E o fracasso de bilheteria das primeiras competições do ano não é difícil de se explicar. Sobretudo depois da construção das arenas para a Copa, os preços dos ingressos subiram de maneira assustadora, sem que fossem acompanhados por atrativos adicionais aos torcedores. O Rio de Janeiro, que receberá a final do Mundial, foi o palco da situação mais constrangedora. Imaginava-se que o retorno do Maracanã ao Estadual depois de quatro anos de reformas aumentaria a média de público. Mas os preços abusivos dos ingressos (chegou-se a cobrar 100 reais pelos bilhetes mais baratos) e o desinteresse dos torcedores e das próprias equipes culminaram em um campeonato com estádios às moscas. No ano passado, o Estadual do Rio teve apenas a nona melhor média de público do Brasil (o Mineiro liderou a lista, com média 6.451 pagantes). Neste ano, a marca dos cariocas é ainda mais baixa, apesar da reabertura do que um dia já foi chamado de maior estádio do mundo.

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Médias de público dos principais Estaduais*
2014 2013 2012
Campeonato Carioca 2.361 2.422 3.058
Campeonato Paulista 5.275 6.217 6.122
Campeonato Mineiro 3.462 6.451 3.501

*Número de torcedores pagantes. Fonte: Pluri Consultoria

Apesar de o caso carioca ser mais preocupante, a maioria dos Estaduais teve médias de público baixíssimas. Com um regulamento incompreensível, o Paulistão não empolgou e, por muito pouco, não foi “coroado” com uma final entre Ituano e Penapolense. Com menos equipes, os campeonatos Gaúcho e Mineiro também não tiveram arquibancadas abarrotadas (principalmente devido ao foco de Cruzeiro, Atlético-MG e Grêmio na Libertadores), mas pelo menos serão concluídos com decisões entre os principais rivais locais, o que garantirá um salto de última hora nas médias de público e pelo menos alguma emoção. A grande exceção está do Nordeste, região que se cansou de seus estaduais modestíssimos e repetiu uma fórmula de sucesso do passado. O êxito absoluto da Copa do Nordeste, torneio envolvendo dezesseis equipes de sete estados (Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Paraíba e Alagoas), foi claramente notado nas arquibancadas. E a média de público, que atualmente é de 6.077 pagantes por jogo, deve subir ainda mais com as finais entre Ceará e Sport, dois dos clubes mais populares da região. Ainda assim, é muito, muito pouco para um país que, na cabeça dos estrangeiros, é sinônimo de futebol. Ao que parece, a Copa, com seus estádios lotados e prestígio inigualável, vai começar e terminar como uma breve exceção na rotina do torcedor brasileiro, ainda vítima dos maus hábitos e do despreparo da cartolagem.

Alemanha-2006, o exemplo que deveríamos ter seguido

Há oito anos, a Alemanha sediou sua segunda Copa do Mundo – e, apesar de não ter levantado a taça em campo, sagrou-se a grande campeã de organização e desenvolvimento do esporte em toda a história dos Mundiais. De lá para cá, o campeonato nacional, a Bundesliga, transformou-se num dos mais rentáveis e atraentes do planeta, com arenas novíssimas e lotadas em todas as partidas – a média de público em 2013 foi de incríveis 42.626 pagantes, a maior entre todas as ligas do mundo.

Se engana, porém, quem pensa que o desenvolvimento do futebol alemão se deu, feito passe de mágica, com a realização do Mundial que deu o tetracampeonato à Itália. “A Copa da Alemanha foi o fim, e não o começo. O processo, na verdade, começou muitos anos antes e foi apenas coroado com a realização do Mundial”, explica o consultor Amir Somoggi. Com especial atenção às categorias de base, os clubes alemães zeraram todas as suas dívidas, aperfeiçoaram sua gestão e só pegaram carona no sucesso da Copa de 2006 para dar um tremendo salto de qualidade.

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Somoggi elogia o desenvolvimento da Bundesliga não apenas no que diz respeito às receitas (em dez anos, a liga alemã saltou de 220 milhões de euros para 470 milhões de euros em faturamento com bilheteria), mas sobretudo na organização. “Houve a internacionalização da Bundesliga, um campeonato que antes tinha pouca visibilidade. Além disso, há uma total disciplina financeira. A liga não permite que os clubes estejam endividados. Os alemães não querem que o futebol fique à parte da sociedade, querem que os clubes sejam respeitados por sua organização. No Brasil, estamos no caminho contrário. Vemos uma CBF totalmente despreocupada com tudo isso. Falta uma liga que poderia regular a situação e, para piorar, temos clubes completamente endividados. Infelizmente, somos diametralmente opostos à Alemanha, mesmo com todo o potencial que temos”, lamentou o consultor.

Apesar de a realidade do nosso futebol não ser nada animadora, Somoggi acredita que o Brasil possa colher bons frutos no futuro, caso a Copa seja um sucesso. O especialista em gestão e marketing esportivo explica como a ligação entre uma seleção e sua torcida pode incentivar novas gerações a frequentar as arquibancadas com maior entusiasmo. “Os alemães aproveitaram muito as possibilidades que uma Copa oferece, sobretudo na questão da autoestima. O povo alemão abraçou o evento e sua seleção, e a torcida se empolgou com a Copa. As pesquisas mostram isso: eles amaram receber o evento. Quando a Copa acabou, os clubes se aproveitaram dessa animação e criaram muitas formas de faturar. O Brasil deveria se espelhar nisso.”

Em PLACAR: reportagem especial sobre o desenvolvimento da Bundesliga

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