Conhecido por ter registrado cinquenta anos da história política do país, ele foi um craque também ao redor da bola
O Rei aos 25 e Brito, aos 15: a primeira Leica na mão direita
Orlando Brito se transformou, ao longo de cinco décadas, no mais completo repórter fotográfico de um Brasil que acabara de mergulhar na ditadura militar e só voltaria à democracia 21 anos depois. Pelas lentes de Brito passaram todos os presidentes da República – de Castello Branco a Jair Bolsonaro. É possível contar a trajetória do país pelas lentes de Brito, entre o espanto e o incômodo, entre o sorriso aberto e a emoção delicada. A lista de fotografias marcantes é infindável. O soldado em guarda na frente do Congresso Nacional em 13 de dezembro de 1968, dia da promulgação do AI-5. A silhueta de Ulysses Guimarães e seu perfil inconfundível. João Figueiredo de terno e gravata, cercado de militares. Ernesto Geisel tomando banho de mar. A dança das cadeiras no gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto, com Figueiredo, o ministro Delfim Netto e os generais Newton Cruz e Golbery do Couto e Silva. Os primeiros passos de Lula na política. A intimidade de Collor, Itamar e FHC. As Diretas Já. Tancredo no caixão. Sarney ao pé de uma frondosa árvore nos jardins da Alvorada. Dilma, Temer.
Assine #PLACAR digital no app por apenas R$ 6,90/mês. Não perca!
Doutor Sócrates: personagem de predileção
Mas ele tinha especial apreço por uma foto feita dele – e não uma foto feita por ele. No autorretrato, registrado muito possivelmente por um colega, ele aparece ao lado de Pelé, em 1965, antes da partida amistosa entre o Santos e a seleção do Distrito Federal, disputado no calor árido do cerrado. O Rei do futebol veste o imaculado uniforme branco do time praiano. Brito tem a mão esquerda apoiada na cintura, como sempre fazia – em postura que manteria por toda a vida, como uma marca registrada. A mão direita segura uma máquina fotográfica, um gesto que também o acompanharia permanentemente. Pelé tinha 25 anos. Brito, 15. Ambos olham firme e cuidadosamente para a lente que os flagrava. Em fevereiro de 2015, cinquenta anos depois daquele clique, Brito publicou a imagem no Facebook com os detalhes da cena. “Minha primeira câmara, minha primeira Leica. Ainda a tenho. Hoje são nove Leicas, três já digitais. Uma M2, com tele 135mm, uma 50 e uma angular”.
Casagrande e Adilson Monteiro Alves, em 1984: tempo da democracia corintiana
O Brasil celebra as fotografias do poder feitas por Brito, inigualáveis, como uma enciclopédia das sístoles e diástoles da frágil democracia do país. Mas seu trabalho com futebol merece também ser louvado – e aquela primeira pose com Pelé era, de algum modo, indício do que viria. Pelé, aliás, que ele voltaria a fotografar na maturidade. Por saber onde estava a notícia, Brito gostava de acompanhar o Corinthians de Sócrates, Casagrande e da Democracia Corintiana – unindo duas pontas de seus interesses. Esteve na Copa do Mundo da Itália, em 1990, com fotos de jogos que gostava de fazer a partir das arquibancadas, lá onde não estavam os companheiros profissionais. Mas vibrou mesmo, no Mundial vencido pela Alemanha, com a vida ao redor, em um país fanático pelo calcio. Tive o privilégio de acompanhá-lo durante um mês nas andanças italianas.
Careca, em Brasil X Suécia, da Copa do Mundo de 1990. A partir das arquibancadas: fotografias feitas de ângulos insólitos
No Facebook, em 2012, Brito – que também gostava de escrever, e bem – comentou uma das fotos. Assim: “Em Turim, no norte da Itália, Nino Sforza sempre foi considerado o fã número um da Juventus. Diretor da torcida organizada ‘Primeiro Amor’ e com presença diária na histórica sacada da sede da entidade para elogiar os jogadores e falar mal dos dirigentes do clube. Todos os grandes clubes de futebol do mundo sentem a pressão das torcidas organizadas. Quem não conhece a garra da Gaviões da Fiel? Ou da Mancha Verde do Palmeiras, da Força Jovem do Vasco, da Raça Fla do Mengão? O Boca Juniors tem a barulhenta La 12, que empurra o time com rimas e tambores. No Manchester United, da Inglaterra, as duas principais são a Jibbers – formada pelos violentos hooligans – e a Red Army, mais pacífica. O Barcelona se orgulha de ter cinco milhões de fãs. No Real Madrid, a Ultras Sur volta e meia entra em conflito com a polícia, mas tem um lema de causar inveja aos mais fiéis gaúchos que acompanham o Grêmio onde o Grêmio estiver: imortais como o tempo, inalteráveis como a história. Já o Bayern de Munique… bem, o Bayern tem mais de duas mil agremiações espalhadas pela Alemanha. O PSG teve duas dessas organizações dissolvidas pelo governo francês porque iam para os estádios com faixas e gritos de guerra de viés racista’
E prosseguiu: ‘Mas é na Itália que as torcidas organizadas – as Associazione dei Tifosi – mais se ligam no destino do clube. A paixão está explícita logo no nome de cada grupo. A Santa Vitória, da Roma, influi na contratação de atletas. A Toca do Leão, do Milan, é tida como a mais fanática do mundo. Em demonstração de paixão, porém, nenhuma vence a Primeiro Amor, da Juve. Eu pude vê-la de perto, junto com meu colega de VEJA, Fábio Altman, na sede da Primo Amore, na Via Carmine, número 10, segundo andar. Foi lá que fotografei o agitado e cômico Nino Sforza”.
Orlando Brito era um craque. E sempre que nos encontrávamos – poucas vezes, nos últimos anos, infelizmente – ele lembrava daquele personagem fanático e antes mesmo de qualquer diálogo, dizia, puxando o sotaque: “Nino Sforrrrrrrrrrrrrza”.
O Primeiro Amor, torcida da Juventus de Turim: o fanatismo romântico de Nino Sforza, na varanda