Opinião: Uma vergonha do tamanho da Conmebol
América de Cali e Atlético-MG foram obrigados a jogar, enquanto cenas de guerra ocorriam no entorno do estádio na Colômbia
O resultado da partida não interessa. As condições que América de Cali e Atlético Mineiro foram obrigados a enfrentar na noite desta quinta-feira, 13, são passíveis de demissão sumária de todos os responsáveis imediatamente. Enquanto os atletas sofriam dentro de campo por causa do gás lacrimogêneo que vinha do confronto entre manifestantes e policiais fora do estádio, onde estavam os dirigentes da Conmebol? Talvez ingerindo um bom vinho em frente à televisão para mais uma noite de Libertadores.
Os envolvidos sabiam dos riscos de se realizar a partida na Colômbia. O país passa por uma crise desde o início do mês por causa dos protestos motivados pela revolta da população com a reforma tributária no país. Os manifestantes já haviam avisado: “sem paz, sem futebol”. A Conmebol não quis saber. Garantiu a realização do confronto e a segurança do evento. Garantiu? O som das bombas do lado de fora do estádio Romelio Martínez, em Barranquilla, ecoou pelos microfones da transmissão da Fox Sports durante todo o tempo. E a segurança das pessoas do lado de fora? Sabemos que não interessa – 2018, ano em que a final foi parar em Madri, ainda está vivo na lembrança.
Sem apoio, os jogadores tentaram uma solução. A Associação Colombiana de Futebolistas Profissionais (Acolfutpro, na sigla em espanhol) divulgou uma nota horas antes do jogo, após uma reunião entre os capitães das equipes do país, em que praticamente implorava para a Confederação nacional paralisar o futebol até que os conflitos se resolvam. Obviamente, sem sucesso.
O levante foi para dentro de campo, em uma cena que já é uma das mais simbólicas da história da Libertadores. Com o relógio marcando mais de 60 minutos do primeiro tempo, após a enésima paralisação do árbitro Andrés Cunha – outro culpado, diga-se, por não ter coragem de encerrar a partida apesar dos pedidos dos dois times –, os defensores do América de Cali tocavam a bola, parados, apenas esperando o apito final. Os atleticanos imóveis – Hulk ao lado de Cuca na linha lateral reclamando com o quarto árbitro. Ao fundo, o barulho da guerra.
No estádio ao fundo, uma partida de Libertadores acontece normalmente. Do lado de fora, a barbárie. Não há como separar uma coisa da outra. Mais uma vergonha na conta da Conmebol. E não foi por falta de aviso. pic.twitter.com/VnRXHWxGJt
— Alexandre Senechal (@alesenechal) May 14, 2021
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Infelizmente não foi o suficiente para encerrar o jogo. Ahh, o jogo… Terminou 1 a 1 no primeiro tempo. E nada do bom senso prevalecer e o árbitro uruguaio Andrés Cunha acabar com o constrangimento. As paradas para hidratação e para que os jogadores pudessem lavar os rostos continuaram “normalmente”.
Noves fora, Hulk foi bem jogando novamente como falso 9 e parecia ser o único com físico suficiente para correr – Keno, coitado, abandonou a jogada várias vezes por causa dos efeitos do gás lacrimogêneo. Arana, outro destaque, e Vargas, com um golaço, garantiram o 3 a 1 e a classificação do Atlético para as oitavas de final da Libertadores.
Mas e daí? Como garantir a segurança das duas delegações para deixar o estádio? Como garantir que nenhuma tragédia vai acontecer até os atleticanos voltarem para o Brasil? Nada disso interessa para quem mais deveria se importar com a qualidade de seu maior produto.
E a barbárie continua. A Conmebol não aprendeu nada com 2018, quando a maior final da história entre os gigantes River Plate e Boca Juniors foi parar na Espanha, porque as autoridades não tiveram competência de dar condições de segurança para a partida.
A Colômbia é uma das sedes da Copa América, que está programada para começar exatamente daqui a um mês. Já vimos este filme no Brasil em 2013: a Copa das Confederações dos protestos e da violência. A América do Sul é mestre em protagonizar inúmeros desses casos. O de hoje, infelizmente, não deve ser o último.