O Dia da Infâmia
Era tudo verdade, desgraçadamente, uma farsa protagonizada por um time de mentira Todos sabemos que tragédias um dia podem acontecer na nossa vida. Elas são sempre ligadas a uma perda. De um grande amor, do emprego, de dinheiro, de saúde, de uma pessoa querida. É melhor nem enumerá-las, para não sofrer. Se a tragédia ocorre, […]
Era tudo verdade, desgraçadamente, uma farsa protagonizada por um time de mentira
Todos sabemos que tragédias um dia podem acontecer na nossa vida. Elas são sempre ligadas a uma perda. De um grande amor, do emprego, de dinheiro, de saúde, de uma pessoa querida. É melhor nem enumerá-las, para não sofrer. Se a tragédia ocorre, porém, restará no futuro, depois que de alguma forma for cicatrizada, o sentimento de que ela talvez estivesse traçada no destino e fosse inevitável. Mas há certas coisas nas quais nunca pensamos, nem nos nossos sonhos, nem nos nossos pesadelos, nem nas loucuras que às vezes tomam conta por instantes de nossa mente, porque são simplesmente inimagináveis.
No futebol, que ao menos durante uma Copa do Mundo, a cada quatro anos, também é parte de nossa vida, achamos que, sim, quem sabe, nosso time pode ser derrotado, tomar uma surra, perder para um adversário fraco, dar um vexame.
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Só que nunca alguém, nem mesmo em um delírio momentâneo, iria supor o que houve na terça-feira, 8 de julho de 2014, no Mineirão – uma data que permanecerá nas nossas mais dolorosas memórias até o fim dos tempos. Foi a mais inacreditável, imprevisível e impensável debacle em um século de seleção brasileira. Não, dizer isso é pouco. Foi mais. Foi provavelmente a mais inexplicável catástrofe já protagonizada por qualquer equipe de nível internacional como a nossa desde que os ingleses codificaram as regras do jogo, em 1863.
Parecia ficção, ficção científica, filme de terror. E não era. Vivemos dezoito minutos do mais puro horror, entre o primeiro e o quinto gol da Alemanha. Quando Müller fez 1 a 0, ouviu-se no estádio, por instantes, um silêncio de Brasil e Uruguai em 1950 que soou como o prelúdio do que viria a seguir. O time visivelmente entrou em choque. Ficou perplexo, abobalhado, inerte, entregue.
Era apenas um gol, desvantagem considerável diante de um rival tão poderoso, organizado e competente, embora ainda assim só isso: um gol, algo que poderia ser perfeitamente revertido. Desde que tivéssemos no banco um estrategista, um comandante digno desse nome, um líder no gramado, jogadores adultos, gente com sangue-frio e bravura, atletas capazes de dar a volta por cima, e não – ressalvadas umas poucas exceções – um amontoado de homens infantilizados, com os nervos à flor da pele, rendidos após o baque com o qual não contavam.
Até aquele gol, a Copa vinha sendo para nós uma sucessão de sobressaltos e ilusões. A estreia contra a Croácia começou com um infeliz gol contra e se transformou em vitória graças a um pênalti simulado. Mas haveríamos de melhorar. Era apenas o início. Vieram o empate com o México, que poderia ter ganho, e os 4 a 1 diante da fraca seleção de Camarões.
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Nas previsões, pegaríamos pela ordem Holanda ou Espanha e a seguir Uruguai, Itália ou Inglaterra. Apareceram à nossa frente os surpreendentes Chile e Colômbia. A sorte nos ajudou diante dos chilenos. Com os colombianos, surgiu a primeira tragédia, representada pela perda de Neymar, da qual não nos recuperaríamos – pelo lado técnico e, sobretudo, emocional -, compensada pelo resultado afinal positivo.
A despeito disso, o comandante não abriu mão da autossuficiência, e seus comandados, entre lágrimas e prantos compulsivos, não mostraram capacidade de amadurecimento e superação.
Aí então aquele gol de Müller trouxe o pânico, o apagão coletivo. Veio o segundo, veio o terceiro, veio o quarto, veio o quinto – e os outros dois do segundo tempo.
Alemanha 7 a 1 Brasil? Na nossa casa? Diante de nós? Estávamos acordados? Nos beliscamos para despertar? Era esse o escrete que tinha a mão na taça? Que conquistaria o hexacampeonato, com suas estrelas milionárias, celebridades da bola, craques maravilhosos que iriam deixar o mundo aos seus pés?
Foi além, muito além da imaginação. Estamos humilhados, cobertos de vergonha. Era tudo verdade, desgraçadamente, uma farsa protagonizada por um time de mentira.
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