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“Não sei quem é o melhor”, afirma Rafael Nadal

Dono de vinte títulos Grand Slam, o tenista diz ser preciso esperar o fim de sua carreira para se decidir o lugar que ocupará entre as lendas do esporte

O tenista Rafael Nadal é o que se pode chamar de sujeito boa praça. Enquanto o sérvio Novak Djokovic desprezava as normas de segurança em 2020, saindo sem máscara mesmo depois de testar positivo para o novo coronavírus, o espanhol Nadal lamentava o número de mortes e as vidas destruídas pela Covid-19. Apesar da longa e bem-sucedida trajetória, não coleciona inimigos, mas apenas rivalidades, algo raro em se tratando de esporte de alto nível.

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Aos 34 anos, ele está no topo: no ano passado, venceu o torneio de Roland Garros pela décima terceira vez, um recorde. Mais do que isso:  ergueu o vigésimo troféu de Grand Slam – assim são chamados os quatro principais torneios de tênis do mundo –, igualando-se a outra lenda, o suíço Roger Federer. Os três – Nadal, Djokovic e Federer – disputam passo a passo, ou raquete a raquete, o cetro de melhor tenista de todos os tempos.

Nadal diz que é preciso esperar o encerramento das carreiras para que se faça um prognóstico definitivo, mas ele sabe que está no páreo, e muitos o consideram favorito ao posto de maior da história. Em sua primeira entrevista para um veículo brasileiro depois da conquista de Roland Garros, ele falou a VEJA sobre as conquistas e os adversários, o impacto da pandemia na vida privada e no esporte e revelou como quer ser lembrado para a posteridade. 

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No último dia 17, o espanhol perdeu de virada para Stefanos Tsitsipas, sexto no ranking global, nas quartas de final do Australian Open, um dos grandes torneios mundiais.

No ano passado, você venceu o torneio de Roland Garros pela décima terceira vez, conquistando também o seu vigésimo Grand Slam. O que foi diferente desta vez? Estávamos em um ano muito difícil por causa da pandemia, e não achei que as coisas seriam tão boas quanto foram. Vencer o Roland Garros pela décima terceira vez, e em condições tão diferentes das normais, tornou tudo ainda mais especial.

Alguns especialistas dizem que você é o melhor tenista da atualidade e outros vão mais longe, cravando que é o maior de todos os tempos. O que pensa dessas avaliações? Não acho que de maneira alguma caiba a mim fazer um comentário desse tipo. As pessoas gostam de especular, e por isso fazem essas comparações. Quando a minha carreira acabar, teremos tempo suficiente para relembrar minhas conquistas e entender o lugar que ocupo na história do tênis. Nunca pensei que ganharia tantos títulos quanto ganhei, então sou muito grato e feliz por tudo que conquistei na carreira. Não preciso entrar na discussão sobre quem é o melhor.

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Como é a rivalidade com Roger Federer e Novak Djokovic, seus principais rivais na disputa pela coroa de maior tenista da história? Tenho ótimo relacionamento com Roger e Novak. Somos rivais apenas durante as nossas partidas. A briga ocorre somente na quadra de tênis.

Djokovic foi criticado por sua conduta imprudente durante a pandemia, saindo sem máscara mesmo depois de ser contaminado. O que você acha desse tipo de comportamento? Prefiro falar da forma como eu vivi os últimos meses do que julgar o que os outros fazem. Foi muito difícil ver tudo que estava acontecendo no mundo e mais especificamente perto de mim. Passamos por um lockdown bastante rigoroso, vimos milhares de mortes. Foram mais de 50 mil apenas entre abril e junho na Espanha. Eu não tinha força para fazer nada, só conseguia me preocupar com a situação. Acredito que, como certos países não tiveram epidemias tão agressivas da Covid-19, algumas pessoas podem ter se sentido mais relaxadas.

A pandemia trará mudanças permanentes no universo do tênis? Estamos passando por uma segunda onda do coronavírus na Europa e temos jogado tênis a portas fechadas, sem público. Isso é muito triste. Mas pelo menos temos sorte de poder jogar. Há pessoas por aí com trabalhos normais e que estão sofrendo por se expor ao risco. A prioridade é tomar controle da situação da saúde. Espero que todos possamos sair bem, e em breve, desse cenário.

De que forma a crise do coronavírus afetou a rotina de treinamentos? Afetou especialmente durante o lockdown. Eu não podia e, insisto, nem queria fazer nada, estava muito mal. Depois de conseguirmos retomar parte de nossas vidas, voltei a treinar a uma intensidade menor e sempre com a prevenção em mente, tentando evitar lesões. Foi um processo lento e que teve de ser cumprido passo a passo. Mas definitivamente afetou a forma como eu treinei, além de mudar o calendário dos jogos. Estávamos treinando sem saber quando seria a próxima competição, o que torna tudo muito complexo, já que não tínhamos uma meta clara.

Como a falta de espectadores durante os jogos mudou o seu desempenho? Em termos de resultados, como joguei apenas algumas partidas, não vi uma diferença tão grande. Mas a sensação de jogar na frente dos fãs é muito especial. Nesse aspecto, foi muito estranho e triste. Dito isso, acredito que me saí bem em Roland Garros. Consegui me adaptar à nova situação.

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Você evita dar declarações sobre política. Isso não pode ser considerado um distanciamento da realidade, um desinteresse por temas relevantes? Estou obviamente ciente da situação política e converso muito sobre o assunto com meus amigos e minha equipe. Sou informado e tenho minhas opiniões pessoais, assim como qualquer outro cidadão. Mas também sei que, se eu começar a falar de política, muito do que disser será tirado do contexto. Isso me deixaria muito desconfortável. Então, opto por não falar sobre política em público, ainda que acredite que tenha o direito a me expressar.

Jogar uma partida contra um atleta com crenças diferentes das suas faz diferença na quadra? Definitivamente, não. Eu jogo contra o oponente e tento dar o meu melhor para vencer. Mas a forma como ele pensa ou age em sua vida pessoal não me afeta em nenhum sentido.

Alguns especialistas afirmam que o tempo tem agido como combustível em sua carreira. Você concorda com essa avaliação? Não sei dizer. Obviamente, eu tive de mudar, me adaptar e aperfeiçoar as minhas habilidades. No tênis, sempre há espaço para melhorar. Com o passar dos anos, vem mais sabedoria e experiência, mas, ao mesmo tempo, o lado físico é diferente, o que faz com que tenhamos de repensar a intensidade dos treinos e as partidas. Já vi isso acontecer repetidas vezes no tênis. No fim das contas, o importante é se manter saudável pelo maior tempo possível.

Sente mais dor para jogar do que há alguns anos? Há muitos incômodos físicos? Honestamente, não lembro de já ter jogado alguma vez sem sentir dor. Nos últimos anos, tenho sentido dor com maior frequência, e é preciso aprender a viver com isso, contanto que ela não o impeça de jogar. Precisei mudar muita coisa no meu jogo e no meu treino. Alterei rotinas, treinei menos horas do que gostaria, melhorei meu saque e meu posicionamento. Tudo evolui, de um jeito ou de outro.

Você tem muitos hábitos e rituais que aparecem durante a partida. É uma pessoa supersticiosa? Não sou uma pessoa supersticiosa. A função desse comportamento é fornecer um tipo de ordem a mim mesmo, por meio de um procedimento que mantém a minha mente focada. Fora da quadra, não sou uma pessoa organizada. Durante o jogo, procuro essa ordem por meio desses rituais.

Mais de uma vez, você disse que não gosta da fama, embora ela o acompanhe em quase toda a sua carreira. Por que pensa dessa maneira? Não disse especificamente que não gosto de ser famoso. O que eu costumo falar é que a fama não afeta a mim ou ao meu comportamento. É verdade que sou uma pessoa reservada. Estou acostumado a uma vida em Mallorca, onde posso ser uma pessoa comum, apenas um homem com sua família e amigos. Estou ciente das vantagens e desvantagens da fama, mas tento viver uma vida normal.

Qual foi o jogo mais importante da sua vida até agora? Tive muita sorte de participar de diversas partidas importantes na minha vida. Seria muito difícil apontar apenas um entre tantos jogos de peso, fossem eles derrotas ou vitórias.

O que o difere dos demais jogadores de tênis? É apenas o talento e dedicação ou algo que pode ser chamado de força interior? Não sei como responder isso. Talvez seja melhor outra pessoa falar por mim. Só sei que tento sempre me esforçar ao máximo, seja durante o treino ou na partida. Eu amo a competição, tenho paixão pelo esporte e acredito em seus valores.

O Brasil tem pouca tradição no tênis. Uma das exceções é Gustavo Kuerten, o Guga, que foi tricampeão de Roland Garros. O que pensa dele? Conheço bem o Guga e tudo o que ele representa para o tênis, não só no Brasil ou na América Latina, mas no mundo inteiro. Meu técnico e amigo, Carlos Moya, também era bastante próximo dele. Guga é um nome gigantesco para o nosso esporte. Pessoalmente, não tenho muitos ídolos do tênis. Mas com certeza ele representa muito para os fãs de tênis e para os brasileiros.

Você jogou futebol até os 12 anos, mas acabou optando pelo tênis. Se tivesse feito a escolha oposta,  com a bola nos pés, onde estaria agora? O tênis foi uma decisão natural para mim. Até que eu era decente no futebol, mas não tão bom quanto no tênis, onde já começava a me destacar. Além disso, tive a influência do meu tio Toni, meu técnico da época, que me incentivou a deixar o futebol. Caso tivesse feito a escolha contrária, não sei se estaria entre os melhores. Provavelmente, teria jogado profissionalmente, talvez em um clube de alto nível, mas nunca se sabe onde tudo vai parar. Acho que fiz a opção correta.

Aos 34 anos, é natural que se comece a especular a respeito da sua aposentadoria. Você tem ideia de quando irá pendurar as raquetes? Não tenho. Contanto que eu esteja saudável e apto a competir, pretendo aproveitar a minha vida no tênis e sempre dar 100%. É assim que eu vejo o esporte.

Como gostaria de ser lembrado como atleta, daqui a alguns anos? O mais importante é ser lembrado como uma boa pessoa. No fim das contas, é o mais relevante. As vitórias, os títulos e os momentos marcantes são importantes, mas tudo passa. A pessoa que você foi é o que permanece para sempre.

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