Na festa da Fifa, conflitos e escândalo assombram Blatter
Cartola abriu Congresso da entidade, na terça, sob cobranças dos europeus e na mira de críticas duras por causa da vitória do Catar como país-sede de 2022
“A Fifa tem um presidente, o senhor é o responsável e não deveria se candidatar de novo. Não é bom para a Fifa”, disse o presidente da federação holandesa ao cartola suíço
Diante de manifestações, protestos e greves – e pressionado por dirigentes insatisfeitos do continente mais poderoso do futebol internacional -, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, pediu uma trégua: ao abrir o Congresso anual da entidade, na noite de terça-feira, em São Paulo, o cartola suíço afirmou que todos os confrontos deveriam ser suspensos durante a Copa do Mundo. Blatter lançou o pedido dizendo que “este mundo perturbado” precisa das “emoções do futebol”. O Congresso foi totalmente esvaziado pela classe política brasileira, que deixou a Fifa praticamente sozinha em seu maior evento político do ano. Os cartolas europeus, porém, compareceram em peso – e aumentaram a pressão sobre Blatter ao cobrar publicamente que ele não concorra a mais um mandato na Fifa.
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O clima de crise interna na Fifa, os protestos e a ausência das autoridades políticas e até mesmo de craques do passado abafavam a trilha sonora de samba da festa montada pelos organizadores. Blatter, por sua vez, pediu que os convidados apenas aproveitassem a Copa e que deixassem “as discussões” para outro dia. O cartola pediu “respeito” e sugeriu que, durante o evento, “todas as atividades beligerantes parem para ver o futebol”. Na Fifa, as manifestações no Brasil são vistas como a maior ameaça à Copa. A greve dos metroviários em São Paulo, nos últimos dias, deixou a entidade alarmada e o temor é de que novos protestos ocorram a partir desta quarta-feira. Em uma mensagem enviada pela presidente Dilma Rousseff, o governo brasileiro garantiu que “o Brasil está pronto para a Copa das Copas”.
O único representante do governo federal, porém, foi Aldo Rebelo, ministro do Esporte. Apesar de o Mundial acontecer em doze sedes, só o governador do Distrito Federal, Agnello Queiroz, esteve presente. As baixas no lado do futebol também foram importantes: entre os ex-craques brasileiros, Ronaldo era um dos poucos presentes. Rebelo repetiu o mantra do governo de que a Copa deixará um legado de infraestrutura para a população. Além de ter deixado o presidente da Fifa na mão (ela havia confirmado presença no evento), Dilma ainda fez uma cobrança pública ao cartola através do discurso lido por Aldo – segundo a presidente, é preciso coibir a naturalização de jogadores brasileiros para atuar em outras seleções. “Isso já causa preocupação e merece atenção do presidente Blatter”, dizia a mensagem de Dilma.
Rebelião – Apresentada por Fernanda Lima, que já participou de diversos eventos oficiais da Fifa e ficou famosa no exterior por causa do sorteio dos grupos da Copa, no fim do ano passado, a cerimônia aconteceu horas depois de um momento de extrema tensão para Blatter. Antes do Congresso, cada uma das seis confederações continentais fazem reuniões internas, com discursos do presidente da Fifa. A recepção no encontro da Uefa, porém, foi marcada por críticas abertas e diretas a Blatter. Se a campanha de Blatter para pedir um voto de confiança aos demais dirigentes rumo a um quinto mandato parecia ser mera formalidade, as denúncias de corrupção na escolha do Catar como sede da Copa de 2022 fizeram com que os integrantes da Uefa pedissem a saída de Blatter do poder. O mandato dele acaba no ano que vem.
O primeiro a se manifestar foi o presidente da Federação Holandesa de Futebol (KNVB), que pediu publicamente para que o suíço de 78 anos deixe o cargo depois de completar o mandato atual – o suíço prometia não concorrer a outra reeleição. O vice-presidente da Federação Inglesa, David Gill, fez a mesma cobrança logo depois. “O senhor Blatter nos disse ao microfone que tinha mudado de ideia, como todo ser humano tem direito de fazer. Ele confirmou que tinha falado que este seria seu último mandato, mas acabou mudando de ideia”, disse o holandês Van Praag depois da reunião da Uefa. “Eu disse: ‘Gosto muito do senhor, o senhor conhece a minha esposa, não é nada pessoal, mas a reputação da Fifa vem sendo sempre associada à corrupção. A Fifa tem um presidente, o senhor é responsável e não deveria se candidatar de novo, não é bom para a Fifa’”, relatou o holandês.
Van Praag também revelou que o clima no encontro fechado foi nervoso. “Não participei da reunião da Confederação Africana nem da Confederação Asiática, mas posso garantir que ele não foi ovacionado aqui na Uefa”, disse o holandês. “Ele achou que eu tinha pedido para ele renunciar, mas não foram essas as minhas palavras.” Já David Gill se disse “decepcionado” com o fato de o suíço ter voltado atrás na decisão de deixar o cargo em 2015. “Acho que precisamos ter um debate abrangente e honesto sobre o que a Fifa precisa para encarar o futuro”, pediu o vice-presidente da Federação Inglesa. Blatter tem justificado sua permanência no cargo dizendo que o capitão não pode deixar o navio na tempestade. “Mas não há tempestade no futebol, há tempestade na Fifa”, criticou Gianni Infantino, secretário-geral da Uefa, depois da reunião da entidade. Apesar da fortíssima pressão europeia, Blatter pretende anunciar oficialmente nesta quarta que concorrerá à reeleição.
(Com Estadão Conteúdo e agência France-Presse)