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Mais dois brasileiros na NBA – fora das quadras

Felipe Eichenberger, do Denver Nuggets, e Alessandro Oliveira, do Brooklyn Nets, chegaram à elite do basquete mundial – mas no departamento médico

Thiago Splittter, do San Antonio Spurs, e Leandrinho, pelo Golden State Warriors, conquistaram o anel de campeão da NBA, a principal liga de basquete dos Estados Unidos e do mundo, respectivamente, em 2014 e há duas semanas, título que lendas como Reggie Miller, Karl Malone e Patrick Ewing jamais conseguiram. Outros brasileiros também conquistaram seu espaço dentro das quadras americanas, como Nenê Hilário e Anderson Varejão, ambos com mais de dez anos na liga, entre outros. Mas há também dois casos de brasileiros que alcançaram a elite do esporte longe dos holofotes, dando o suporte que os astros precisam para brilhar: Felipe Eichenberger, assistente de preparação física do Denver Nuggets, e Alessandro Oliveira, fisioterapeuta do Brooklyn Nets. A história de ambos se assemelha à de milhões de estrangeiros que trilham o sonho americano. Ainda bem jovens foram estudar em universidades americanas (com bolsas de estudo, graças à aptidão para esportes) e construíram suas carreiras por lá. Mas nada disso foi muito fácil.

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Felipe e Alessandro mal falavam inglês quando chegaram à América. O primeiro, natural de Ribeirão Preto (SP), já sonhava desde cedo com a NBA. Quando criança, jogava basquete em sua cidade natal. Com dois metros de altura, flertou com o profissionalismo em equipes de Jundiaí, Santo André e São José dos Campos, até que recebeu um convite para estudar e jogar na universidade de North Western, em Oklahoma, aos 18 anos. Felipe deixou tudo para trás e cursou Ciências do Esporte (semelhante à Educação Física no Brasil) e logo se destacou jogando pela faculdade. “Um amigo estudava lá e me convidou. Eu não sabia falar inglês. O meu amigo desistiu do basquete e hoje tem um restaurante na Paraíba.” Mas o futuro de Felipe não seria dentro de quadra. Após rodar por algumas cidades dos Estados Unidos, trabalhou na academia de Steve Hess, preparador físico do Denver Nuggets. Pouco depois, Hess o convidou para trabalhar na franquia americana, de onde Felipe não saiu mais. Ao ver de perto os craques, o jovem paulista percebeu que realmente não teria chance de trabalhar dentro de quadra. “Sempre que possível, bato uma bola com eles nos treinos, é muito legal. Antes eu pensava que poderia jogar na NBA, achava que os jogadores não eram tudo isso… Mas não dá, os caras são bons mesmo”, diverte-se Felipe, de 29 anos, auxiliar dos Nuggets desde 2010.

Alessandro Oliveira, paulistano do bairro do Interlagos, sempre quis ser jogador de futebol. Cresceu jogando no Clube Atlético Indiano e defendeu as categorias de base do Palmeiras e em clubes do interior, mas percebeu que no Brasil ficaria para escanteio. Assim como Felipe, foi para os Estados Unidos estudar – cursou Fisioterapia na Faculdade Carson Newman, no Tennessee. E, já iniciando um mestrado e rendido a uma nova paixão, o basquete, enviou um e-mail, no melhor estilo “cara-de-pau”, que mudaria sua vida. “Consegui o endereço do fisioterapeuta do Atlanta Hawks e mandei uma mensagem dizendo que adorava basquete e que gostaria de conhecer a estrutura do time. Meus amigos achavam que eu estava louco, que ele jamais responderia. Mas respondeu e, depois de umas visitas, me convidou para ser o estagiário e disse que não poderia me pagar no início, mas aceitei na hora”. Um ano depois, Alessandro estava contratado pela franquia de Atlanta, de onde só sairia quatro anos depois, por um proposta melhor do Brooklyn Nets, de Nova York.

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Ambos estão sempre em contato com grandes referências do esporte, mas garantem que não há lugar para estrelismo. “A relação com os jogadores demanda confiança e no início foi mais difícil. Demorou um tempo, mas hoje em dia nossa relação é ótima, eles dependem muito da comissão, estão sempre conosco. Ajuda também o fato de eu ser grandão, do tamanho deles”, conta Felipe. Alessandro não é tão alto, mas diz que ser brasileiro já lhe abriu portas. “O vestiário tem música, brincadeira, um jogando coisa no outro, falando besteira sobre o dia anterior. Nunca fui desrespeitado por ser estrangeiro, pelo contrário. Todo mundo adora o Brasil e os brasileiros.” Alessandro, inclusive, ganhou um apelido de uma das principais estrelas da liga, o veterano Kevin Garnett, que passou pelos Nets no ano passado. “Ele tinha duas babás brasileiras e ficava tentando falar português comigo. Sempre me cumprimentava com ‘bom dia’ e os jogadores achavam engraçado a sonoridade. E meu apelido virou ‘bom dia’ para vários jogadores.

No vídeo acima, treino dos Nuggets, com Felipe Eichenberg

Os brasileiros viajam com os times mesmo em jogos fora de casa – e cuidam, entre outras coisas, da recuperação e alimentação dos atletas. Felipe conta que o período mais puxado é a pré-temporada de outubro, período de treinos pesados, para colocar todos os grandalhões em forma. Quando a temporada começa, as equipes jogam quase todos os dias e a rotina é mais leve. “Em um dia normal de trabalho, vou para o clube às 7h30 e começo a preparar o treino do dia. Os jogadores e o treinador chegam por volta das 9h, fazem musculação, depois vão para a quadra e treinam até 12h30. Depois, alguns jogadores treinam arremessos e depois vão para casa.” Em dia de jogos em Denver, os atletas fazem treino leve na parte da manhã e voltam ao clube por volta das 16h (as partidas acontecem entre 19h e 20h, geralmente). Durante os jogos, Felipe fica atrás da quadra, cuidando da hidratação dos atletas, e curte o momento. “Dá para ver o jogo de perto. Kobe Bryant e LeBron James foram os que mais me impressionaram.”

Alessandro contou ter ficado em estado de choque no dia que viu Scottie Pippen, lendário companheiro de Michael Jordan no Chicago Bulls da década de 90, no vestiário, pela primeira vez. “Eu ficava no Brasil acordado na madrugada para ver aquele time do Pippen jogar. Quando o vi de perto eu ainda era estagiário, fiquei emocionado.” Felipe e Alessandro contam que não costumam controlar a dieta dos jogadores (homens de dois metros de altura precisam comer bastante para ter energia nas partidas) e nem seus hábitos noturnos. “Explicamos que se dormirem pouco isso vai afetar o rendimento. Eles são profissionais, mas são jovens, ganham milhões de dólares, têm bastante gente em volta, eles também precisam curtir a vida”, fala Alessandro.

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Ambos estão há mais de dez anos no país. Felipe teve uma filha recentemente com a namorada Carly Stark, americana, que trabalha em uma seguradora. Alessandro vive em Hoboken, na região de Nova Jersey, vizinha a Manhattan, com a mulher Alex Oliveira, profissional de marketing esportivo, e com o cachorro, Zé. Em uma liga que paga salários milionários a seus astros (o mais bem pago, LeBron James, recebeu 64,6 milhões de dólares, cerca de 200 milhões de reais, na última temporada), os profissionais da departamento médico também desfrutam de uma ótima qualidade de vida. Por isso, não planejam deixar os Estados Unidos tão cedo, mas dividem um sonho em comum: o de trabalhar na comissão da seleção brasileira de basquete.

Alessandro também gostaria de trabalhar na seleção de futebol e foi notícia da imprensa americana por um episódio que poderia ter sido trágico. Em fevereiro, Alessandro e mais dois integrantes de sua equipe socorreram Jim Sann, olheiro dos Nets, que sofria um ataque cardíaco durante um treinamento. O rápido atendimento salvou a vida de Sann, o que rendeu ao trio o prêmio anual a equipes de treinamento, o Joe O’Toole Athletic Trainer. “Graças a Deus deu tudo certo, salvar a vida dele foi o mais importante.” Meses depois, Alessandro foi convidado para trabalhar no All Star Game, o jogo das estrelas do basquete mundial.

Alessandro Oliveira

São Paulo (SP), 31 anos

Fisioterapeuta do Brooklyn Nets

Início nos EUA

“Quando cheguei, pouco falava inglês. Fiz uns cursos particulares, mas quando cheguei descobri que não falava nada. Dei sorte porque morei numa casa com americanos, escoceses e canadenses, então tive contato com todos os sotaques. Levei uns dois anos para realmente me adaptar. Pensei várias vezes em desistir, não é fácil estar longe da zona de conforto, dos amigos, da família.”

Paixão pelo basquete

“Assistia basquete na infância, mas antes minha vida era futebol, futebol e futebol. Uma vez fui ver Miami Heat x Boston Celtics e comecei a adorar o basquete. Antes de começar meu mestrado, fiz um estágio num time de Nova York, trabalhei com softbol e depois no time de basquete. O esporte nas faculdades nos EUA é muito forte e por isso decidi que era com isso que queria trabalhar.”

Estágio

“Depois daquele email para o Hawks, comecei ajudando só nos jogos em casa o fisioterapeuta da equipe visitante. No ano seguinte, o Wally Blase me chamou de novo, disse que poderia me pagar um pouquinho. E quando terminei o mestrado me ofereceram um trabalho fixo.”

Ídolo

“A maior surpresa foi quando o Scottie Pippen entrou no vestiário. Foi o único jpgador para quem pedi para tirar foto e ele foi muito gente fina comigo.”

Mudança

“No Hawks, eu não conseguiria crescer mais. E aí meu chefe sugeriu que fosse para outro lugar, num cargo maior, e procurei emprego em outros times. Na NBA todo mundo se conhece. Dei sorte que o treinador do Nets saiu e levou o fisioterapeuta com ele para o Milwaukee Bucks. Fiz a entrevista e fui aceito. Foi uma proposta muito boa, o Broklyn Nets é um time grande, tem uma estrutura excelente.”

Boleiros: futebol x basquete

“A maior diferença dos jogadores de basquete e futebol é que na NBA não tem concentração. Em jogos como mandante, os atletas dormem em casa. Eles estão livres, saem, jantam fora, encontram amigos, se divertem.”

Dieta

“Eles comem o que quiserem. Quando jogamos em casa, a dieta tem carne, peixe, frango, legumes, salada. Se o jogo é às 19h, comem entre 16h e 18h. E depois jantam após os jogos. Tem jogador que come mal, hambúrguer, pizza, e se não tem problema de peso pode comer.”

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Jogo das Estrelas

“Trabalhar no All Star Game foi fantástico. Bati um papo com o espanhol Pau Gasol. Quando falo que sou brasileiro, querem falar de futebol e de mulher. O Gasol adora futebol. Mas tem alguns jogadores que são mais reservados.”

Drama na quadra

“O nosso olheiro estava aqui no clube e teve um ataque cardíaco. Corremos e conseguimos fazer o procedimento rápido, massagem cardíaca, usamos o desfibrilador, chamamos a ambulância. Graças a Deus deu tudo certo. Salvar a vida dele foi muito mais importante que ganhar o prêmio. Ele tem dois filhos pequenos, perdeu a esposa recentemente.”

Futuro

Não penso em voltar no Brasil agora, casei no ano passado, minha esposa é americana, tenho um emprego bem legal, vivo bem. Adoro o Brasil, meus amigos estão todos aí, mas aqui é ótimo para viver, temos liberdade e segurança maior. Quem sabe se um dia vier uma proposta irrecusável do Brasil… Tenho um sonho muito grande de trabalhar na seleção brasileira, não só na de basquete, mas também na de futebol.”

Felipe Eichenberg

Ribeirão Preto (SP), 29 anos

Preparador físico do Denver Nuggets

Ritmo de trabalho

“Fazemos um trabalho bem forte de pré-temporada em outubro, no verão. Focamos em trabalhos de força, velocidade, explosão. É a época mais exigente. Fico responsável por medir a velocidade dos atletas, preparar os treinos. Depois, quando começa a temporada, tem jogo quase todo dia e nosso trabalho é mais de recuperação.”

Risco de lesões

“Uma das piores lesões para o atleta de basquete é a de joelho, porque demora para curar, ficam de seis a oito meses parados. Quando é assim, temos de fazer um bom trabalho psicológico também. E a lesão mais comum é a distenção muscular, que também é bem chata de tratar.”

Alimentação dos atletas

“Nós fornecemos a comida aos atletas e sugerimos alimentos com carboidrato integral, tentamos evitar frituras. Mas os deixamos livres para escolher. Não há rigor na dieta, porque eles são grandes e gastam muita energia, então podem comer pizza ou hambúrguer de vez em quando.”

Amizade dentro da equipe

“A relação com os jogadores demanda confiança e no início foi mais difícil. Demorou um tempo, no início o Nenê ajudou, e hoje a relação com todos é ótima. Não sei se eles saem à noite, porque faço parte da comissão técnica, não costumo sair com os atletas. Nossa relação é ótima, mas de trabalho.”

Bate-bola

“Sempre que posso, bato uma bola com eles nos treinos, é muito legal. Os caras são muito bons. Ninguém entra na NBA se não for muito talentoso, é muito trabalho envolvido.”

De camarote

“Durante as partidas eu fico atrás da cesta, cuido da hidratação dos atletas. Mais do que trabalho, o basquete é uma paixão e me sinto privilegiado.”

Basquete brasileiro

“Acompanho bastante o basquete do Brasil e acho que está havendo um crescimento extraordinário nos últimos anos. Cada vez mais há brasileiros na liga e o acordo entre a NBA e a NBB é muito legal para o país; e acho que a tendência é só melhorar.”

Rio-2016

“Com certeza o Brasil tem chances na Olimpíada do Rio. Os jogadores da NBA, Nenê, Leandrinho, Varejão, Spliter, estão sempre focados na seleção. Falo sempre com eles sobre olimpíada e eles abrem um sorriso. Acho que a estrutura no Brasil está melhorando e a seleção vai se dar bem.”

Nenê

“Quando o Nenê não foi para a seleção era porque ele realmente estava machucado. Sempre que ele estiver 100% com certeza vai representar o Brasil.”

Qualidade de vida

“Trabalhar na seleção brasileira seria um sonho. Também poderia trabalhar em outra equipe, mas a qualidade de vida em Denver é muito boa. Moro muito próximo ao ginásio do Nuggets, levo uma vida muito tranquila. Estou muito bem nos Estados Unidos”.

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