Liga dos Campeões: Zidane e Simeone, eterna disputa entre classe e garra
Ídolos de Real Madrid e Atlético, francês e argentino impuseram em suas equipes as filosofias de jogo que os consagraram como atletas
A final da Liga dos Campeões da Europa de 2016, entre Real Madrid e Atlético de Madri, colocará frente a frente neste sábado, em Milão, dois velhos conhecidos com trajetórias semelhantes e estilos bastante distintos: Zinedine Zidane e Diego Pablo Simeone. O francês, carrasco do Brasil em duas Copas do Mundo, craque, dono de uma elegância poucas vezes vista em um campo de futebol. Quase na mesma faixa do gramado, o argentino se consagrou com outras características: marcação implacável e muita raça – ou grinta, como dizem os italianos, ou ainda huevos, como definem seus compatriotas, em uma expressão chula. Como jogadores, se enfrentaram diversas vezes, com vantagem para Simeone. Ambos se aposentaram em 2006, mas a classe de Zidane, técnico do Real Madrid, e a garra de Simeone, treinador do Atlético e bem mais experiente na nova carreira, se cruzarão neste sábado, personificadas em seus comandados, às 15h45 (horário de Brasília), no estádio San Siro, que espera receber 40.000 torcedores espanhois. A dois dias da final, somene agora o assunto da final espanhola começa a virar conversa entre os italianos, que parecem estar mais interessados na presença do português Cristiano Ronaldo em campo.
Zidane, 43 anos, e Simeone, 46, se diferenciam pela filosofia de jogo, mas também têm muito em comum. Contemporâneos, foram jogadores vitoriosos, capitães de suas seleções e ídolos nos clubes que hoje dirigem. Se conheceram na Itália, onde “Zizou” defendeu a Juventus (1996 a 2001) e “Cholo” atuou por Inter de Milão (1997 a 1999) e Lazio (1999 a 2003). Ainda se cruzaram justamente no clássico espanhol, em 2003. Simeone levou a melhor no confronto direto: em nove jogos somou quatro vitórias, três derrotas e dois empates. Estranhamente, entre um carrinho e outro, o argentino também marcou mais gols no duelo – dois, um a mais que o francês de origem argelina. Apesar dos números do confronto pessoal, Zidane, eleito três vezes o melhor jogador do mundo e protagonista do título mundial da França em 1998, entre diversos outros feitos, foi claramente superior a Simeone como jogador. Mas, há apenas cinco meses no cargo, larga bem atrás na função de treinador.
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Cholismo – Simeone iniciou a carreira de técnico logo depois de se aposentar, em 2006, no Racing, seu clube do coração. Anos depois, conquistou o Campeonato Argentino por Estudiantes e River Plate. Chegou ao Atlético de Madri em 2011, já muito querido pela torcida colchonera por seus feitos como atleta. O ex-volante atuou na equipe espanhola entre 1994 e 1997 e entre 2003 e 2005 e lá conquistou a liga espanhola de 1996 – feito que só se repetiria 18 anos depois, já com Simeone como técnico, desbancando os gigantes Real e Barcelona. Conquistou ainda a Liga Europa, a Copa do Rei, a Supercopa da Europa e chegou a duas decisões de Liga dos Campeões em três temporadas. Tornou-se ainda mais ídolo e impôs sua filosofia de jogo, batizada por parte da imprensa de “cholismo” – seu apelido, “Cholo”,se refere a mestiços do continente americano e foi dado ainda nos tempos de jogador, por causa de seu sobrenome idêntico ao de Carmelo “Cholo” Simeone, antigo ídolo do Boca Juniors, com quem não tem parentesco.
Primo pobre do Real Madrid, o Atlético atravessou temporadas conturbadas (chegou a ser rebaixado no início dos anos 2000) e muitas vezes se caracterizou pela aura de vítima e perfil quase depressivo. Tudo mudou com o retorno de Simeone, que impôs uma regra: o Atlético não teria medo de ninguém. “O esforço não se negocia” e “quando o coração e a mente estão unidas, tudo é possível” são alguns dos lemas repetidos à exaustão pelo jovem treinador. Mesmo com dificuldades para segurar seus melhores jogadores – em dois anos, deixaram o time Miranda, Diego Costa, Arda Turam e Courtois, entre outros -, o Alético manteve um padrão, baseado na marcação forte, compactação e eficiência nos contra-ataques. A sintonia entre elenco e treinador se faz notar: os jogadores correm feito loucos em busca da bola, enquanto Simeone dá um show de energia à beira do gramado. Foi com essa agressividade e coragem que o Atlético superou os favoritos Barcelona, do trio Messi-Suárez-Neymar, e o Bayern de Munique, de Pep Guardiola, para chegar à decisão deste sábado.
O clube da capital espanhola nem se importa mais com as críticas por “jogar feio”. O discurso já está ensaiado e na ponta da língua dos atletas: “Não somos os melhores, mas podemos vencer qualquer time”. Nem mesmo o trauma de dois anos atrás, diante do mesmo Real, parece desanimar a equipe. Em 2014, Simeone e o Atlético ficaram a alguns segundos de alcançar a glória máxima de suas vidas: o time chegou à final da Liga dos Campeões depois de 40 anos e vencia por 1 a 0 até os 48 minutos do segundo tempo, quando Sergio Ramos empatou para Real. Na prorrogação, o esgotado Atlético levou mais três gols e permaneceu sem nenhum título do torneio, enquanto o rival celebrava “La Décima”. Zidane estava naquela noite em Lisboa, como auxiliar do técnico italiano Carlo Ancelotti. Mas jamais poderia imaginar que chegaria a uma nova decisão, agora como treinador, em tão pouco tempo.
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Surpresa – Zidane deixou o cargo de auxiliar (era praticamente um estagiário de Ancelotti) justamente depois da decisão de 2014 e foi anunciado como técnico do Real Madrid Castilla, o time B da equipe mais vitoriosa da Europa. Não conseguiu resultados expressivos (26 vitórias, 17 empates e 14 derrotas), mas foi presenteado pelo destino. Na virada para 2016, o Real vivia uma terrível crise, com derrotas decepcionantes, incluindo um 4 a 0, em casa, para o Barcelona, e críticas abertas dos atletas ao treinador Rafa Benítez. O clima ficou insustentável e o presidente Florentino Pérez, antigo admirador de Zidane, decidiu apostar: sai o detestado Benítez e entra o ídolo “Zizou”. O ambiente mudou imediatamente no Santiago Bernabéu.
Zidane se define como um treinador de “poucas palavras” no vestiário. Apresenta suas ideias de forma clara e deixa que os craques – como Cristiano Ronaldo, que o adora – resolvam em campo. Barrou jogadores importantes, como James Rodríguez, mas jamais criticou um atleta publicamente. Com Zidane, o Real engatou uma sequência de bons resultados – incluindo uma vitória sobre o Barça em pleno Camp Nou -, chegou à final da Liga dos Campeões e por pouco não tomou do rival catalão o título nacional. Em 26 jogos, o Real de Zidane venceu 21, empatou três e perdeu dois. Uma das derrotas foi justamente para o Atlético de Simeone, no Bernabéu, com gol do também francês Antoine Griezmann, maior estrela do elenco atleticano.
Elogios – As equipes espanholas realizaram os treinamentos para a grande final ainda na Espanha. O Atlético chega a Milão nesta quinta, enquanto o Real desembarca na Itália apenas na sexta, quando as duas equipes farão o reconhecimento do gramado. Zidane e Simeone trocaram gentilezas nos últimos dias. “Antes de tudo, quero parabenizar Zidane por seu trabalho, foram meses fabulosos. Entrou em um momento difícil, os jogadores o apreciam e isso se transmite. O time recuperou o estímulo, a intensidade do ataque, é mais concreto, aproveita a velocidade de seus três atacantes. Ele deu tranquilidade ao plantel”, disse Simeone no fim de semana.
Nesta terça, Zidane devolveu o elogio. “Simeone tem tudo que um técnico deve ter. Conhece muito bem seus jogadores e sabe como deve armar um time. O Atlético não só defende bem, e um time completo.” O francês admitiu que, como treinador, ainda está em desvantagem. “Tenho muito a aprender e minha vontade é tremenda. Falta muito para eu me tornar um treinador, digamos, importante”, finalizou Zidane.