Lakers x Heat: o desfecho de uma temporada histórica
Em tempos de pandemia e de protestos contra o racismo, as finais da NBA 2020 são como a história desfilando diante de nossos olhos
A temporada da NBA de 2019/2020, cujas finais entre o Los Angeles Lakers e Miami Heat começam nessa quarta-feira, 30, às 22 horas de Brasília, foi a mais movimentada dos últimos anos – e, certamente, a mais inusitada, e não apenas por parte da disputa ter acontecido na “bolha” montada em Orlando, durante a pandemia do novo coronavírus. As expectativas eram bem altas depois de uma offseason elétrica: Giannis Antetokounmpo, do Milwaukee Bucks, vinha em busca de um título após ter sido nomeado o Most Valuable Player (MVP) do ano anterior; Kawhi Leonard deixou o atual campeão, o Toronto Raptors, para jogar com o astro Paul George nos Los Angeles Clippers. Já Lebron James conseguiu o ala-pivô Anthony Davis para ajudá-lo nos Lakers.
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Em 22 de outubro de 2019 a partida entre Raptors e Pelicans dava início à temporada. Porém, tristes notícias abalaram o mundo do basquete: no dia 1º de janeiro de 2020, David Stern, o ex-comissário da NBA, faleceu aos 77 anos devido a uma hemorragia intracerebral. Algum tempo depois, em 26 de janeiro, morreram Kobe Bryant aos 41 anos, e sua filha Gianna Bryant com apenas 13 anos, em um acidente de helicóptero. Em meio a inúmeras homenagens, os jogos continuaram – tristemente, mas prosseguiram. E então, em meados de março, o mundo parou depois da eclosão dos casos de Covid-19. O teste positivo do pivô Rudy Gobert, do Utah Jazz, em 11 de março, levou a NBA para um hiato indeterminado. E ao choro que cercava as perdas de Stern e Bryant, somou-se o imponderável de uma doença ainda desconhecida, assustadora.
Os meses seguintes foram repletos de dúvidas e debates sobre o que fazer a respeito do dos jogos restantes. A decisão foi anunciada em 4 de junho: as partidas seriam retomadas em 31 de julho, disputadas na Disney, nas quadras do ESPN Wide World of Sports, a tal “bolha”, hoje sobejamente conhecida e louvada.
O retorno, é natural, funcionaria de um modo diferente do habitual. Por ainda haver uma disputa próxima por uma vaga nos playoffs, foram levados à bolha 22 times, os 13 melhores da conferência oeste e 9 da conferência leste. Para decidir a última vaga nas eliminatórias, todos os times deveriam disputar 8 jogos. Caso o oitavo e o nono colocados tivessem uma diferença de 4 vitórias entre eles, um play-in teria de ser disputado: o nono colocado teria de ganhar duas vezes contra o oitavo para se classificar.
As medidas tomadas para a prevenção à Covid-19 na bolha foram extremamente efetivas. Qualquer jogador que entrasse nos hotéis da Disney teria de ficar isolado por duas semanas, e todos presentes eram testados diariamente. A bolha não teve nenhum caso da doença durante mais de cinco semanas. E, como a história não para, e vivemos tempos realmente interessantes e difíceis, deu-se o assassinato, em Minneapolis, do negro George Floyd, asfixiado pelo joelho de um policial branco – e os protestos que se espalharam pelos Estados Unidos chegaram também ao ginásio em Orlando.
Muitos jogadores decidiram gritar em alto e bom som contra a brutalidade, de mãos dadas com o humor da sociedade. A NBA chegou a um acordo no qual os jogadores poderiam escrever mensagens sociais na parte de trás de suas camisetas, e as quadras exibiriam estampados no chão os dizeres que se transformaram em lema: Black Lives Matters. E porque vidas negras importam, os atletas, numa decisão respeitada por todos, decidiram se ajoelhar durante o hino nacional americano, repetindo o gesto do jogador da NFL, Colin Kaepernick, ícone do gesto, o primeiro a executá-lo. As cenas de protesto antes dos jogos da NBA se repetiram, noite após noite, transmitidas pela televisão. Foram momentos que, muito provavelmente, estarão nos livros de história, emoldurados pelos receios que cercam a pandemia. Por isso tudo, o torneio precisa ser acompanhado com lupa especial, inédita. Não haverá outro momento de tanta intensidade. A NBA deu uma aula de como voltar aos esportes em meio a uma crise sanitária, administrando muito bem a disseminação do vírus e proporcionando o devido espaço de fala aos jogadores. Não é pouca coisa.
E dentro das quadras, depois da bola ao alto? Nada muito inesperado aconteceu durante os oito primeiros jogos na Disney, com exceção dos desacreditados Phoenix Suns, liderados pelo jovem Devin Booker, que mesmo com chances mínimas de classificação, terminaram invictos. Porém o esforço no final não foi suficiente, e quem se classificou para os playoffs foram os Portland Trail Blazers e o Orlando Magic. Os playoffs na bolha provaram que tudo poderia acontecer. Do lado oeste muitos esperavam um encontro entre Lakers e Clippers nas finais de conferência. Os Lakers passaram com tranquilidade nas séries contra Portland e Houston, ganhando as duas em cinco jogos.
Já os Clippers passaram por Dallas e um inspirado e jovem Luka Dončić em seis jogos e abriram uma vantagem de 3 a 1 na série seguinte contra os Nuggets. Estes vinham de cansativas sete partidas contra o Jazz, na qual conseguiram virar uma desvantagem de 3 a 1 e passar de fase. Ninguém esperava que repetissem o feito contra os favoritos Clippers, mas liderados por Jokic e Jamal Murray, eliminaram a dupla de Kawhi e Paul George, provando que os Nuggets estão no mapa como um time que briga por título nos próximos anos. Para um time já cansado depois de duas difíceis séries, contudo, os Lakers provaram ser grandes. Lebron e Anthony Davis lideraram o time de Los Angeles para sua primeira final desde 2010.
Na conferência leste, a primeira rodada não teve nenhum resultado que fosse fora do esperado. Já as semifinais quebraram qualquer expectativa: o Miami Heat, liderado por Jimmy Butler, eliminou facilmente o favorito Milwaukee Bucks, de Giannis Antetokounmpo, em cinco jogos. Nas finais de conferência, o Miami derrotou o jovem time dos Boston Celtics, que vinha de uma série de sete jogos contra o Toronto Raptors. Butler provou que é, sim, uma estrela e um líder na liga. Foi importantíssimo no time de Miami e contou com a ajuda do jovem Bam Adebayo, extraordinário em seu terceiro ano de NBA. O time também pôde contar com a ajuda de Duncan Robinson e Tyler Herro, duas ótimas surpresas no elenco, e a experiência do veterano Goran Dragić. O técnico Erik Spoelstra chega a sua quinta final, sendo a primeira sem Lebron James a seu lado.
Tudo somado, a excepcionalidade do momento que vivemos, a pandemia e os protestos, seria o caso de dizer: há muito tempo a NBA não vive finais tão cativantes como as que disputarão Miami Heat e Los Angeles Lakers. É a história do esporte desfilando diante de nossos olhos.