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Jogos de Tóquio: O último ato de Formiga pela seleção brasileira

Veterana garante que o time tem todas as condições de conquistar o inédito ouro olímpico, caminho para consolidar de uma vez por todas a modalidade no país

(Matéria publicada na edição de julho de PLACAR, já disponível em nossas plataformas para dispositivos iOS, Android e nas bancas de todo o país)

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Das surras que levava dos irmãos por jogar bola na rua até sua sétima participação em Jogos Olímpicos foi uma longa jornada. Miraildes Maciel Mota nasceu em Salvador, em 3 de março de 1978. Começou a jogar pelo São Paulo aos 15 anos. Ganhou o apelido de Formiga e estreou na seleção brasileira apenas um ano depois. Após quatro temporadas no Paris Saint-Germain, retornou neste ano ao Morumbi, coroando uma das mais fantásticas histórias do esporte. Nesta entrevista, ela relembra a longa trajetória, fala sobre preconceito e homossexualidade no futebol feminino e, claro, sobre mais uma Olimpíada, que disputará aos 43 anos.

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Qual sua expectativa para os Jogos de Tóquio? É possível ganhar o ouro. Batemos na trave duas vezes, mas espero ganhar agora, porque é minha última Olimpíada. Quero trazer esse ouro para o Brasil e mudar de vez o futebol feminino.

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Pia Sundhage é muito diferente dos outros técnicos que comandaram a seleção? Por trazer a mentalidade europeia, ela nos impõe outro estilo de jogo. Não que os profissionais brasileiros não tenham capacidade, mas Pia mescla a qualidade das brasileiras, que não podemos perder, com um estilo de jogo mais compacto. Daqui a dois anos estaremos em condições de bater de frente com todas as seleções.

Ainda há poucas treinadoras no futebol feminino no Brasil. Qual a importância de ter uma mulher à frente da seleção? É importante, principalmente, porque Pia foi jogadora. Com ela, sentimos total liberdade para conversar sobre tudo. Certos tipos de conversa ela vai entender melhor do que um homem.

O que você pensa sobre a ausência da Cristiane na convocação? Ter a camisa 11 e não vê-la vestida pela Cristiane é estranho. Para mim foi superdifícil. É uma coisa que não consigo entender, só respeitar. Nos encontramos depois da convocação e disse que a gente está indo para brigar por esse ouro por ela também.

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Esta Olimpíada é mesmo o último ato? Sim. Daqui a pouco o povo vai querer me tirar, então é melhor sair antes que isso aconteça.

Matéria com Formiga na PLACAR de julho -
Matéria com Formiga na PLACAR de julho – Reprodução/Placar

Em sua apresentação no São Paulo, você disse que vai parar quando o futebol feminino estiver no auge. Quanto falta para isso? Você imagina a gente ganhando esse ouro? O futebol feminino não vai desaparecer, como foi após as duas pratas. A gente achou que ia evoluir e parece que tiraram o futebol feminino do mapa. É doloroso lutar tanto em campo e as pessoas não valorizarem. Só quero respeito e reconhecimento. Chegando a esse ponto, será hora de parar.

Quanto o futebol feminino perdeu por causa da falta de incentivo ao longo dos anos? É impossível calcular. As pessoas literalmente esqueceram do futebol feminino. Você percebe quantos anos investimos para criar uma base?

Como está nossa estrutura em relação à de outros países? De 0 a 10, dou 5. Hoje tem o Brasileiro, mas acabou a Copa do Brasil. Por quê? Só com mais jogos e torneios o esporte vai evoluir.

Por que você decidiu voltar ao Brasil, então? Sou são-paulina. Para quem veio de lá do subúrbio de Salvador, do nada, buscando um sonho, esse time me abriu as portas e me deu uma estrutura top. Só tenho a agradecer. Inclusive por me aceitar de volta.

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O que mudou desde o início de sua carreira? Há mais campeonatos de base, o que me deixa muito feliz. Como o preconceito contra as meninas fez com que a gente perdesse tantos talentos no futebol feminino. Uma vez a seleção foi convidada a fazer um amistoso contra a Holanda, com o time sub-20. Não tínhamos atletas suficientes. Fizemos um catado, perguntando para as pessoas se conheciam meninas dessa idade para montar um time. Foi vergonhoso passar por uma situação dessa. Hoje a gente tem essa base.

Matéria com Formiga na PLACAR de julho -
Matéria com Formiga na PLACAR de julho – Reprodução/Placar

Como você se preparou para se tornar profissional? Na rua, como muitas outras. Jogando, deixando o tampão do dedo no asfalto. Essa foi minha base. Jogar com os meninos. Tinha muitas amigas, mas os pais não as deixavam jogar. E muitas também ficavam preocupadas com o preconceito, que era terrível.

Sofreu preconceito? Muito. Eu nem me importava com o que falavam, que eu era “mulher-macho”, que aquilo não era para mim. O mais difícil era com os meus irmãos. Eles só me deixavam jogar se estivessem presentes. Quando me encontravam jogando, eu apanhava horrores. Ainda assim, sabia que o esporte poderia me levar para um lugar bacana. Isso só me fortaleceu e me fez acreditar que teria uma chance de me tornar a pessoa que sou hoje. Para os meus vizinhos, eu não estava nem aí. Jogava bola e ainda chutava na grade deles para ficarem putos mesmo.

No futebol feminino profissional parece haver mais respeito. É isso mesmo? Sim. A gente já enfrentou muito preconceito e resistiu. Recentemente, eu e minha mulher, Erica, recebemos uma mensagem de um cara falando que ela estava errada por ser lésbica e casada com uma jogadora de futebol negra. Quanta gente ignorante! O futebol feminino está quebrando isso. Sei que muitas pessoas ainda têm medo de ser atacadas na rua. Mas a gente não pode continuar se escondendo. É lamentável estar no século XXI e ainda precisar pedir respeito.

Qual a importância de craques como você tomarem posição? Podemos influenciar as pessoas a se conscientizarem e respeitarem a orientação sexual dos outros. Às vezes a pessoa já nasce homossexual, como no meu caso. Às vezes a pessoa não tem informação e não sabe como lidar com isso. Influenciar para o lado certo é vital.

Pretende jogar até quando? Meu contrato com o São Paulo vai até o fim do ano que vem. Quero continuar em atividade até o fim de 2023. Se surgir uma chance de renovação, não vou dizer não.

Em 2023 tem Copa do Mundo… Eu sei, mas a ideia é ficar só no São Paulo. Na seleção, quem sabe eu possa ajudar as meninas de alguma forma, mas não jogando.

Nem se o São Paulo estiver bem e você voando? Não, já tá bom. Vou ficar só nos bastidores. Pretendo fazer os cursos da CBF, tanto de gestão quanto de treinadora. Só não posso ficar longe do futebol. Vou ver onde me encaixo melhor.

Qual é o segredo da longevidade? Eu brinco que é a água de coco, mas a genética e os cuidados que tomo fazem mais diferença. Temos de cuidar do corpo sempre.

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