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‘Ganância’ e ‘crime’: fãs, jogadores e políticos criticam a Superliga

Primeiro-ministro britânico e presidente francês citam ataque ao princípio do mérito esportivo, enquanto ídolos condenam atitudes de seus próprios clubes

O que há alguns anos era tratado apenas como uma ideia pouco crível e com ares elitistas se materializou no último domingo 18, caindo como uma bomba no futebol europeu. Foi anunciada a criação da Superliga Europeia, um torneio com 15 clubes fixos e mais cinco convidados, sem rebaixamento, com o objetivo de substituir a Liga dos Campeões (e assim obter mais dinheiro com jogos, em tese, mais atraentes). Tão logo foi revelada, a medida foi duramente criticada por torcedores, clubes, atletas, ex-jogadores, federações e até mesmo importantes políticos europeus.

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Os fundadores da Superliga, que é chefiada por Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, são: o próprio clube espanhol, maior campeão europeu, os vizinhos Atlético de Madrid e Barcelona, os ingleses Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham e os italianos Inter de Milão, Juventus e Milan. Bayern de Munique, Borussia Dortmund e Paris Saint-Germain seriam os outros fundadores. O Dortmund, no entanto, anunciou nesta segunda-feira, 19, que tanto ele como o rival Bayern não farão parte do acordo, enquanto o clube francês ainda não se pronunciou.

A Uefa imediatamente repudiou a criação da Superliga e ameaçou excluir os atletas dos clubes envolvidos de seus torneios, como a Eurocopa, cuja próxima edição começa em junho. “Se isto acontecer, a Uefa, as ligas e também a Fifa e as federações filiadas, faremos de tudo para tentar barrar este ‘projeto cínico’, criado pelo egoísmo de alguns clubes quando o momento é solidariedade. Iremos considerar todas as medidas, tanto esportivas como judiciais, para evitar que isto aconteça. Como a Fifa já anunciou e as seis federações (continentais), os clubes serão banidos de participar de qualquer competição nacional, continental e internacional e seus jogadores serão proibidos de defenderem as seleções nacionais”, informou a Uefa.

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A Fifa foi mais branda. Também condenou a atitude, mas pediu que os clubes e federações busquem o melhor entendimento com base no diálogo.  Os clubes que compõe a Superliga, porém, já avisaram por carta que já entraram com medidas legais para impedir que Fifa e Uefa possam punir seus clubes e atletas. O “clube dos ricos”, no entanto, já enfrenta enorme rejeição, incluindo de importantes autoridades europeias.

O primeiro-ministro britânico Boris Johnson se posicionou, antes mesmo do anúncio oficial, deixando claro que o assunto extrapola a esfera esportiva. “Os planos para uma Superliga Europeia seriam muito prejudiciais para o futebol e apoiamos as autoridades do futebol na sua ação. Eles atacariam a essência do jogo nacional e preocupariam os torcedores de todo o país. Os clubes envolvidos devem responder aos seus fãs e à comunidade futebolística em geral antes de tomar qualquer outra medida”, escreveu Johnson. 

O presidente francês Emannuel Macron também se posicionou, parabenizando os clubes locais por não fazerem parte do projeto. “O presidente da República saúda a posição dos clubes franceses de se recusarem a participar de um projeto da Superliga do futebol europeu que ameaça o princípio da solidariedade e do mérito desportivo”, escreveu, em comunicado. “Os sonhos hegemônicos de uma oligarquia terão por consequência o desaparecimento de um sistema europeu que permitiu um desenvolvimento sem precedentes do futebol no continente.”

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Clubes acertados para a disputa da
Clubes acertados para a disputa da “Superliga” – UEFA/Getty Images

Torcedores dos clubes envolvidos, especialmente de Liverpool e Manchester United organizaram protestos. O estádio de Anfield, do Liverpool, amanheceu repleto de faixas como “Que vergonha” e “descanse em paz”. Os fãs dos dois maiores gigantes da Inglaterra se orgulham de suas raízes industriais e populares e constantemente protestam contra as medidas de seus donos americanos. O próprio técnico do Liverpool, Jürgen Klopp, já havia se posicionado contra a ideia da Superliga, há dois anos.

“Espero que nunca aconteça. Para mim, a Liga dos Campeões, em que você não joga sempre com as mesmas equipes, já é uma superliga. Por que criaríamos um sistema em que o Liverpool enfrentaria o Real Madrid dez anos seguidos? Quem quer isso?”, questionou Klopp, à época. Alex Ferguson, que dirigiu o Manchester United por 23 anos, também é contra. “Falar de uma Superliga é um afastamento dos 70 anos de futebol europeu de clubes. No meu tempo no United, jogamos quatro finais da Champions League e sempre foram as noites mais especiais.”

Gary Neville, ex-lateral do United e hoje comentarista, deu um dos discursos mais duros contra a intenção dos 12 clubes ricos. “Eu torço pelo Manchester United há 40 anos na minha vida e estou com nojo. Absolutamente enojado. Estou com nojo principalmente do Manchester United e Liverpool (…) Existem 100 anos de história neste país, de torcedores que viveram e amaram esses clubes. E eles precisam ser protegidos”, desabafou Neville. “A motivação é a ganância. Tirem todos os pontos deles amanhã. Ponha-os na parte de baixo da liga. E tire o dinheiro deles. Sério, é um crime. É um ato criminoso contra os fãs de futebol neste país.”

No Twitter, o presidente de La Liga, Javier Tebas, desabafou. “Finalmente os gurus de PowerPoint da Super Liga estão deixando a escuridão das 5h da manhã nos bares, intoxicados de egoísmo e falta de solidariedade. A Uefa, as Ligas Europeias e a La Liga têm se preparado, e eles terão a sua resposta”, disse o gestor da liga espanhola.

Em Portugal, país atual campeão da Eurocopa e com clubes tradicionais como Porto e Benfica (que ao contrário de Arsenal, Tottenham, City e PSG, já ergueram a Liga dos Campeões), a reação também foi amplamente negativa.

“A hipótese da criação de qualquer tipo de Superliga Europeia merece o meu completo desacordo e reprovação. Discordo porque viola todos os princípios do mérito desportivo. Tanto quanto sabemos, seria algo para os clubes que se entendem como privilegiados. Merece a minha reprovação porque o mundo está neste momento a enfrentar o seu maior desafio, pelo menos olhando ao último século, e a última coisa que precisamos é de egoísmo e ganância. A Superliga não terá qualquer tipo de apoio em Portugal e, na minha opinião, todas federações devem recusá-la de uma forma clara”, disse Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol.

O ex-jogador português Luís Figo, eleito o melhor jogador do mundo em 2001, também detonou a ideia encabeçada por Florentino Pérez, o homem que o levou ao Real Madrid. “Esta chamada ‘Superliga’ é tudo menos ‘Super’. “Esse movimento ganancioso e insensível significaria um desastre para as nossas bases, para o futebol feminino e para a comunidade futebolística em geral, apenas para servir aos proprietários interessados, que pararam de se preocupar com seus fãs há muito tempo e desrespeitaram totalmente o mérito esportivo. Trágico.”

Entre os atletas em atividade, já se posicionaram o meio-campista espanhol Ander Herrera, do Paris Saint-Germain, e o alemão Mesut Özil, do Fenerahce, e o zagueiro Miranda, do São Paulo, ídolo do Atlético de Madri.

“Sou apaixonado pelo futebol do povo, pelo futebol dos torcedores, do sonho de ver a equipe do meu coração competindo contra os grandes. Se essa super liga europeia avançar, esses sonhos vão acabar. Vão acabar as ilusões dos torcedores de times que não são gigantes de poderem ganhar em campo e disputar as melhores competições”, escreveu Herrera. “Amo o futebol e não posso ficar calado diante disso. Acredito em uma Champions League melhorada, mas não que os ricos roubem o que o povo criou, que não é outra coisa senão o esporte mais bonito do planeta”, continuou.

“As crianças crescem sonhando em ganhar a Copa do Mundo e a Liga dos Campeões – não uma Superliga. O prazer dos grandes jogos é que eles acontecem apenas uma ou duas vezes por ano, não todas as semanas. Realmente difícil de entender para todos os fãs de futebol”, tuitou Özil.

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