Futebol Z: as novas modalidades que atraem os jovens
Torcedores nascidos depois dos anos 2000 ainda gostam do jogo em si, mas se engajam cada vez mais em adaptações como Kings League, X1, futemesa e futevôlei
Texto publicado na PLACAR de julho de 2024, edição 1513
É divertido imaginar como Charles Miller reagiria se embarcasse em uma viagem no tempo de 130 anos, partindo de 1894, ano em que veio da Inglaterra para o Brasil com um livro de regras e algumas bolas no bagageiro do navio, até os dias atuais. Será que o “pai do futebol” em nosso país ficaria revoltado com os rumos que o jogo tomou? Ou enrolaria os fios do bigode orgulhoso em ver que o esporte se perpetuou e segue nos pés e na boca do povo, das mais variadas formas?
Por mais que os puristas torçam o nariz, é fato que nunca se consumiu tanto o “football” como hoie. As diversas modalidades que atraem a chamada Geração Z contemplam variações de um passatempo ainda muito apaixonante, mas que, sobretudo para os que nasceram depois dos anos 2000, talvez tenha ficado longo e previsível demais. Os 90 minutos (mais acréscimos), a baliza de 2,44 por 7,32 metros e o imenso gramado verde já não são mais obrigatórios para os torcedores.
Da necessidade de ver “tudo ao mesmo tempo agora” nasceram as partidas mais dinâmicas e com um quê de aleatoriedade no ar. O Futebol Z abarca os modernos campeonatos de futebol 7, futmesa, X1 e X2, além de impulsionar velhos conhecidos como o futevôlei. A paixão pelo time de coração ainda existe e é um compromisso religioso a cada quarta e domingo. Nesse meio-tempo, vale um pouco mais de graça, com jogos entre o dinâmico e o surpreendente.
PLACAR acompanhou de perto, a convite da organização, a primeira edição da Copa do Mundo da Kings League. Na Cidade do México, 32 equipes se reuniram para disputar partidas de futebol society com sete jogadores de cada lado e premiação de 1 milhão de dólares (mais de 5,3 milhões de reais) para o campeão. Até aí, nenhuma grande novidade, mas o evento idealizado pelo ex-jogador espanhol Gerard Piqué tem regras que fazem um gol valer a pontuação dobrada, uma carta secreta capaz de expulsar um jogador por determinado período e um dado que pode propor duelos individuais no meio da partida. Isso sem falar na materialização do ditado de que “pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube”. Na Kings League, são os ex-jogadores renomados e influenciadores da internet, os consagrados streamers, que cobram as penalidades.
No evento majoritariamente voltado para a geração que nasceu com a rede mundial de computadores em casa, a inovação é regra número 1. “A melhor carta secreta acho que é o coringa, porque você pode escolher qualquer uma. Aí você tem a possibilidade do pênalti, a suspensão de quatro minutos para a equipe rival, o gol dobrado, o shootout… Acho que tem uma boa variedade, e essas secret cards são elementos que se parecem mais com o videogame do que com a vida real, o que faz com que as pessoas gostem delas”, afirmou Piqué à PLACAR durante o evento.
Entre as estrelas da festa, estavam presentes o belga Eden Hazard, o italiano Francesco Totti, o mexicano Chicha-rito Hernández, o argentino Kun Agüe-ro e o brasileiro Falcão, o rei do futsal. Neymar e o sueco Zlatan Ibrahimovic, também envolvidos no projeto, não puderam comparecer. O curioso foi notar que, entre os jovens, esses jogadores não eram necessariamente mais tietados do que Céline Dept, Leb1ga, Rivers ou Ibai Llanos, que juntos somam 19 milhões de seguidores no Instagram. Entre os brasileiros, Allan Rodrigues, o Estagiário (370 000 seguidores na Twitch), comanda a Furia ao lado de Falcão; e Alexandre Borba Chiqueta, o Gaules (4,2 milhões), a G3X. “A Kings League tem tudo para atrair o público que não quer mais um jogo de uma hora e meia ou duas horas, quase sempre meio parado. Isso pode ajudar as pessoas a gostarem até mesmo do futebol no futuro”, afirma o Estagiário.
Dentro de campo, a G3X passou por todos os seus adversários, entre eles a Furia, para chegar à final contra os espanhóis da Porcinos, que levaram a melhor (5 a 3) diante de mais de 50 000 pessoas que encheram as arquibancadas do estádio Gigante de Aço, casa do Monterrey, um dos principais times “tradicionais” da liga mexicana. Com semifinal e final no mesmo dia, os brasileiros reclamaram que tiveram menos tempo de descanso em relação aos rivais. O brasileiro Kelvin Oliveira, o K9, com passagem pelas categorias de base do Cruzeiro, foi eleito o melhor jogador e terminou como artilheiro do torneio, com 13 gols. “O futebol 7 no Brasil tem um histórico, tem chamariz, mas a Kings League trouxe uma visibilidade ainda maior. Furou uma bolha gigantesca e chegou a muita gente que ainda não conhecia”, diz o canhoto de 28 anos, que faturou 50 000 dólares ao ser eleito o craque da competição. K9 atuou em 2023 na Série C do Brasileirão pelo São José, mas diz que não pretende mais voltar ao campo. “Só se for algo muito irrecusável.”
Outras novidades que mobilizam os jovens são o X1 e o X2. O jogo se propõe a explorar o que há de melhor na essência do futebol brasileiro: o drible. Em confronto contra um ou no máximo dois adversários, jogadores habilidosos cantarolam imageticamente a música “Lá Vai Pitomba”, de Luiz Gonzaga. “De pé em pé, a bola no gramado, vai de lado a lado e lá vai pitomba”, sempre com dribles rápidos e um chute forte para o gol (leia mais no quadro abaixo). A associação também está no jogo de “travinha”, praticado à beira do mar, ao longo dos 7 600 km de extensão do litoral brasileiro.
Essa não é a primeira vez que alguém tenta promover jogos de futebol com ex-jogadores ou artistas. Do Showbol de Masters (que surgiu na década de 1970) até iniciativas como o RockGol da MTV (1999 a 2001) e a Supercopa Desimpedidos (desde 2017, com bandas e influenciadores), passando pelo Desafio Brasil × Argentina de 1994 (com direito a Bebeto versus Maradona), foram várias as formas de emulação do esporte-rei. Agora, no entanto, há regras próprias e, graças à tecnologia, as novas modalidades crescem cada vez mais em audiência – só a multiplataforma da Kings League tem 36,9 milhões de visualizações nos canais da rede NWB, sempre com direito a muita pirotecnia.
“A receptividade está sendo muito positiva.
Vemos isso em números absolutos de audiência conectada, de engajamento e recursos de cada plataforma. Ficou claro que há um trabalho ainda a ser feito e temos campo para nos aprofundarmos mais”, acredita Antônio Abibe, CEO da rede que detém os canais Camisa 21 e Desimpedidos. Os projetos ainda embrionários visam ter no futuro uma consolidação parecida com as do futsal e do futebol areia, que cresceram nos últimos anos, sob o guarda-chuva da Fifa e das respectivas confederações nacionais.
Falem bem ou falem mal…
Gerard Piqué foi campeão da Copa do Mundo, da Champions League, da Premier League, de La Liga, do Mundial de Clubes e por aí vai. Aposentado do futebol desde 2022, o espanhol ex-Manchester United e Barcelona decidiu investir na Kings League ao lado do amigo e também ex-jogador Miguel Layún.
Os dois são os “reis” do maior torneio de futebol 7, ao ponto de criarem a própria Copa do Mundo. A justificativa para a empreitada de Piqué, 37 anos, bem que poderia ser dinheiro, mas só seria um pouco mais para alguém que fez fortuna em diversos ramos. O espanhol quer mesmo aproveitar a “resenha”, palavra em português que conhece da amizade com Neymar nos tempos de Barça, para se divertir com amigos e propor um novo jeito de consumir futebol.
“Acredito que, quando se tem um esporte tradicional e você muda o formato, há muitos conservadores que querem ficar com o que sempre viveram e não gostam das mudanças. Mas o mais importante no final é que se fale, que haja debate e pessoas que gostem e outras que não gostem”, afirma.
Aliado aos momentos alegres com outras lendas do futebol e youtubers famosos, o ex-zagueiro assiste às partidas de uma sala com ar-condicionado no escaldante verão do Hemisfério Norte, como se estivesse mesmo em um trono. De cabeça fresca, mostra-se acessível em sessões de fotos com os fãs e mostra que as preocupações com críticas e resultados ficaram no passado de atleta.
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