Fifa se reúne com governo do Catar para discutir direitos trabalhistas
Desde que foi escolhido como sede do Mundial de 2022, país árabe convive com denúncias de exploração de trabalhadores na construção das arenas
Apouco mais de 250 dias do início da Copa do Mundo, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, se reuniu nesta terça-feira, 15, com o Ministro do Trabalho do Catar, Ali bin Samikh Al Marri, em Doha. Segundo a entidade, o objetivo era debater os “importantes avanços alcançados na área de bem-estar e direitos trabalhistas dos trabalhadores” desde que o país árabe foi escolhido como sede da Copa do Mundo deste ano, em 2010. A organização do Mundial convive, há muitos anos, com denúncias sobre exploração e trabalho análogo à escravidão na construção das arenas.
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Em seu comunicado, a Fifa diz que busca deixar um “legado social duradouro do principal evento do futebol no país anfitrião”. “Temos que reconhecer o importante progresso que foi alcançado no Catar na última década”, disse Infantino. “Reformas legislativas marcantes foram introduzidas e já trouxeram benefícios concretos para centenas de milhares de trabalhadores migrantes.”
“O Estado do Catar foi pioneiro na modernização das leis e regulamentos trabalhistas relativos ao bem-estar dos trabalhadores. Tais reformas são baseadas em uma estrutura legal e legislativa que continuará a ser aplicada após a Copa do Mundo”, completou Ali bin Samikh Al Marri.
A nova lei citada por eles aumentou o salário mínimo para 280.000 trabalhadores (13% da força de trabalho total). Além disso, desde maio de 2021, vigora uma legislação que proíbe o trabalho ao ar livre em temperaturas acima de 32,1°C, o que resultou no fechamento de 338 empresas que descumpriram a lei.
Ainda segundo o comunicado da Fifa, as reformas trabalhistas incluem novos regulamentos sobre pagamento de horas extras, rescisão e condições de emprego para trabalhadores domésticos, a criação de 14 novos Centros de Vistos do Catar em vários países de origem, bem como a criação de comitês conjuntos para facilitar a participação dos trabalhadores nas empresas em colaboração com BWI, ITF e UNI Global Union.
As discussões ocorrem após uma reunião realizada na segunda-feira, 14, na sede da Fifa com representantes da Anistia Internacional para discutir a situação dos trabalhadores migrantes no Catar.
Polêmicas sobre direitos humanos
Causou espanto, em dezembro de 2010, quando o suíço Joseph Blatter, então presidente da Fifa anunciou o pequeno emirado do Golfo Pérsico, com 2,8 milhões de habitantes e praticamente nenhuma tradição no futebol, como sede da Copa do Mundo de 2022, desbancando as candidaturas de Estados Unidos, Austrália, Japão e Coreia do Sul. Por razões políticas, econômicas e humanitárias, as contestações foram imediatas, na esteira dos escândalos de corrupção que derrubaram Blatter e sua turma.
Pela primeira vez na história, a Copa acontecerá no fim do ano, entre 21 de novembro e 18 de dezembro, para poupar os atletas e torcedores dos mais de 40 graus do verão, algo que nem mesmo os ultramodernos aparelhos de ar-condicionado instalados nos estádios seria capaz de minimizar.
Haverá, portanto, um caos ainda maior no calendário do futebol, mas quem na Fifa se importa? A Copa gera fortunas para a entidade (foram cerca de 6 bilhões de dólares de lucro na Rússia, em 2018, e 4,8 bilhões de dólares no Brasil, em 2014) e não haveria de ser diferente na terra governada pelo emir Tamim bin Hamad Al Thani e impulsionada economicamente pela exploração de petróleo.
Oficialmente, a organização diz ter gasto 6,5 bilhões de dólares na construção de oito estádios e centros de treinamento. Juntando todas as obras de infraestrutura, que incluem a implantação, do zero, de uma cidade para 200 000 habitantes — Lusail, onde antes havia apenas dunas e agora receberá uma final de Copa —, estima-se que o evento custará 200 bilhões de dólares. A nova linha de metrô com 37 estações levará todos os torcedores aos estádios. O modelo compacto da Copa propiciará um fato inédito: será possível assistir a mais de um jogo por dia das arquibancadas.
Até aí, tudo certo, não fosse um tenebroso contexto. O Catar sofre rejeição internacional devido ao histórico de infração dos direitos humanos, especialmente sobre as condições de trabalho de seus mais de 24 000 funcionários. A Anistia Internacional divulgou um relatório acusando a Fifa, seus patrocinadores e as construtoras responsáveis de exploração de imigrantes. Outro problema diz respeito ao fato de a homossexualidade ser um crime previsto por lei no país islâmico.
Nasser Al-Khater, presidente do comitê organizador, garantiu que a comunidade LGBTQIA+ será bem-vinda, mas deve se adequar aos costumes locais. “Eles poderão fazer o que qualquer outro ser humano faria. As demonstrações de afeto são desaprovadas e isso se aplica a todos os torcedores”, disse à emissora CNN, sem especificar qual seria o limite para os gestos de amor. “O Catar e seus vizinhos são muito conservadores e pedimos aos visitantes que nos respeitem. Temos certeza de que o farão, assim como respeitamos as diferentes culturas.” Suas declarações eram uma resposta a Josh Cavallo, atleta australiano gay que revelou ter receio de ir ao Catar.
A Copa é importante mecanismo de sportwashing, termo que define o uso do esporte como forma de melhorar a imagem de um país. O mesmo ocorre com o Paris Saint-Germain, clube mediano da França e transformado em potência ao ser adquirido em 2011 pela Qatar Sports Investment, subsidiária do fundo de riqueza soberano do emirado. De certa forma, os gols de Neymar, Messi e Mbappé ajudam a limpar a barra do Catar com o Ocidente.
Há quem ouse peitar os poderosos, como os grupos de ativistas com cartazes em eventos da Fifa. Outros são mais assertivos. A seleção da Dinamarca, já classificada para o torneio, anunciou um boicote comercial ao campeonato. A equipe não vai expor nenhum patrocínio e, no lugar, estampará mensagens humanitárias.