Em carta anônima, jogador da Premier League assume ser gay
“A verdade é que eu ainda não acho que o futebol esteja pronto para o jogador sair do armário”, diz o autor
Trinta anos após o jogador de futebol inglês Justinus Fashanu assumir publicamente sua homossexualidade, revelação que enterraria de vez sua carreira na Premier League, um segundo atleta da prestigiada comitiva britânica revelou ser gay, em carta aberta e anônima ao tabloide The Sun. “Apenas meus familiares e um grupo seleto de amigos sabem da minha sexualidade. Não me sinto pronto para compartilhá-lo com minha equipe ou meu técnico”, escreve o jogador, que diz sofrer diariamente por ter que esconder sua orientação sexual e considerar impossível encontrar um parceiro de longo prazo devido à sua profissão. “A verdade é que eu ainda não acho que o futebol esteja pronto para o jogador sair do armário“, conclui o autor, que faz referência aos “cantos homofóbicos” de torcedores.
A decisão de publicar a carta foi apoiada pela Fundação Justinus Fashanu, gerida pela apresentadora e ativista Amal Fashanu, sobrinha do jogador que se suicidou em 1998, aos 37 anos, ao ser renegado por todos os grandes clubes da Inglaterra. Mudou-se para os Estados Unidos onde se tornou treinador de futebol no estado de Maryland. Lá, foi acusado de agredir sexualmente uma jovem de 17 anos. A história nunca foi confirmada, mas levou Fashanu voltar para a Inglaterra com receio de ser preso, dado que “atos homossexuais” eram ilegais no estado americano. Dois meses depois da denúncia, foi encontrado morto. “Percebi que já havia sido considerado culpado. (…) Senti que não teria um julgamento justo por conta da minha homossexualidade”, escreveu, em uma carta de despedida.
Depois de Fashanu, nenhum outro jogador da Premier League assumiu sua homossexualidade durante a carreira – conforme destaca o autor da carta. Revelações como a do americano Robbie Rogers, que já havia passado pelo Leed United, e a do meia alemão Thomas Hitzlsperger, só viriam depois das respectivas aposentadorias. Há duas semanas, o ex-jogador Thomas Beattie, aposentado em 2015, também expôs sua orientação sexual em um artigo no qual relembra o caso de Fashanu e diz que, para ele, ser “gay e jogador de futebol nunca foi uma opção”. Ao The Sun, a Fundação afirmou já ter ajudado sete jogadores, sendo dois da Premier League, que são secretamente gays ou bissexuais. Leia, abaixo, a íntegra da carta do jogador:
“Como uma criança, tudo que eu sempre quis ser era um jogador de futebol. Eu não estava interessado em me sair bem na escola. Em vez de fazer lição de casa, eu gastava cada minuto livre com uma bola. No final, valeu a pena. Ainda hoje eu tenho que me beliscar quando eu vou disputar uma partida aos fins de semana diante de dezenas de milhares de pessoas. No entanto, há algo que me diferencia da maioria dos outros jogadores da Premier League.
Eu sou gay.
Escrever isso é um grande passo para mim. Apenas meus familiares e um grupo seleto de amigos sabem da minha sexualidade. Não me sinto pronto para compartilhá-lo com minha equipe ou meu técnico.
Isso é difícil. Eu passo a maior parte da minha vida com esses caras e, quando entramos em campo, somos um time. Mas, ainda assim, algo dentro de mim torna impossível que eu seja aberto com eles sobre a minha sexualidade. Espero muito que um dia eu consiga dizer.
Desde os 19 anos eu soube que eu era gay. Como me sente tendo que viver assim? Dia a dia, pode ser um pesadelo absoluto. E está afetando cada vez mais a minha saúde mental.
Eu me sinto preso e meu medo é que divulgar a verdade sobre o que sou só vai piorar as coisas. Portanto, embora meu coração sempre me diga que preciso fazê-lo, minha cabeça sempre diz a mesma coisa: “Por que arriscar tudo?”
Tenho a sorte de ganhar um salário muito bom. Eu tenho um carro bonito, um guarda-roupa cheio de roupas de grife e posso comprar tudo o que eu quero para minha família e amigos. Mas uma coisa que me falta é companheirismo.
Estou em uma idade em que gostaria de estar em um relacionamento. Mas por causa do trabalho que faço, o nível de confiança em ter um parceiro de longo prazo deve ser extremamente alto. Portanto, no momento, evito qualquer tipo de relacionamento. Espero muito que em breve encontre alguém que eu ache que seja quem eu espero.
A verdade é que eu ainda não acho que o futebol esteja pronto para o jogador sair do armário. O jogo precisaria fazer mudanças radicais para que eu pudesse dar esse passo. A Associação Profissional de Jogadores diz que está pronta para ajudar um jogador a assumir e disse que oferecerá aconselhamento e apoio a quem precisar.
Se eu precisar de um conselheiro, posso ir e marcar uma sessão com ele sempre que quiser. O que aqueles que estão executando o jogo precisam fazer é educar fãs, jogadores, gerentes, agentes, donos de clubes (basicamente todos os envolvidos no jogo). Se eu der esse passo, gostaria de saber que seria apoiado em cada passo do jogo. Hoje, eu não sinto que seria apoiado.
Gostaria de não ter que viver minha vida dessa maneira. Mas a realidade é que ainda há uma enorme quantidade de preconceito no futebol.
Existem inúmeras vezes que ouvi cantos homofóbicos e comentários de torcedores dirigidos a ninguém em particular. Estranhamente, isso realmente não me incomoda durante as partidas. Estou muito concentrado em jogar. É quando eu volto para o avião ou para os treinos e tenho tempo para pensar que isso chega até mim. Da forma como as coisas estão, meu plano é continuar jogando enquanto eu me sentir capaz até me aposentar.
Foi ótimo no mês passado ver Thomas Beattie levantar a mão e admitir ser gay. Mas o fato de ele ter que esperar até a aposentadoria diz tudo o que você precisa saber. Os jogadores de futebol ainda estão com muito medo de dar o passo enquanto jogam.
No ano passado, recebi apoio da Fundação Justin Fashanu para lidar com o impacto que isso tudo tem sobre minha saúde mental. É difícil colocar em palavras o quanto a Fundação ajudou. Isso me fez sentir apoiado e compreendido, além de me dar a confiança para ser mais aberto e honesto comigo mesmo, especialmente. Sem esse apoio, eu realmente não sei onde estaria agora.
Sei que pode chegar ao ponto em que eu ache impossível continuar vivendo uma mentira. Se o fizer, meu plano é me aposentar cedo e sair. Eu poderia estar jogando fora anos de uma carreira lucrativa. Mas você não pode colocar um preço em sua paz de espírito. E não quero viver assim para sempre”