Elza Soares morre no mesmo dia que Garrincha, 39 anos depois
O romance teve início na Copa de 1962 e diversos capítulos, belos e trágicos, contados nas páginas de PLACAR
O Brasil perdeu uma de suas vozes mais marcantes nesta quinta-feira. Por coincidência, a cantora Elza Soares, de 91 anos, morreu no mesmo dia, 20 de janeiro, que seu companheiro mais conhecido, Mané Garrincha, com quem se casou em 1966 e teve um filho, morto ainda criança. O tórrido romance da “Crioula” e de “Neném”, como se chamavam, foi destaque em diversas reportagens de PLACAR. Tratava-se, afinal, de duas estrelas, uma da música e outra do esporte, duas das figuras mais queridas do país. A história, porém, foi marcada por dramas e tragédias até a morte do Anjo das Pernas Tortas, em 1983, há exatos 39 anos.
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A história de amor teve início no auge de Garrincha, no ano de 1962, meses antes da Copa do Mundo do Chile da qual o camisa 7 foi o grande protagonista. Na época, Garrincha era casado com Nair Marques, com quem teve oito filhos, enquanto Elza namorava o baterista Milton Banana, torcedor do Botafogo e fã de Mané. A paixão, porém, foi arrebatadora e ambos deixaram tudo para trás.
Eles se casaram em 1966, na embaixada da Bolívia, numa época em que a carreira do craque já estava em declínio – ao contrário da da cantora. Em abril de 1969, uma tragédia marcou a vida do casal. O carro pilotado por Garrincha bateu num caminhão na rodovia Presidente Dutra e sua sogra, Rosália Maria Gomes, morreu. Mané fora condenado a dois anos de prisão por homicídio culposo, mas acabou absolvido em 1971.
Abalado com a situação, em 1970, o casal se mudou para a Itália. Aos 33 anos, Garrincha sonhava em repetir o sucesso de compatriotas como Amarildo, Julinho Botelho e Mazola, mas chegara tarde demais: os times estavam proibidos de comprar jogadores estrangeiros, a menos que fossem descendentes de italianos.
A edição de 13 de março de 1970 de PLACAR acompanhou a rotina de Garrincha, já fora de forma, e de Elza, no esplendor de sua carreira como cantora, por Roma, na Itália. À época, sete quilos acima do peso, ele treinava com times locais e tentava cavar espaço em uma equipe da primeira divisão.
“A ilusão de Garrincha agora está em Roma, hospedada num hotel da Via Veneto, acompanhando os shows de Elza Soares no Teatro Sistina, imaginando uma camisa 7 e dribles sensacionais nos zagueiros italianos, além de gols e aplausos da torcida. Mas tudo fica destruído quando Garrincha entra em campo, como na semana passada, no estádio da Lazio: ele tropeça no seu peso, na falta de velocidade, na falta de raciocínio, e seus dribles sensacionais não passam de inúteis tentativas”, diz um trecho da reportagem.
“Eu não vou desistir”, afirmou Garrincha. “Tenho mais três anos de futebol e estou com o passe livre. Vou jogar assim que receber a primeira proposta”. Elza dava força ao marido: “Eu e o Neném viemos aqui para trabalhar: eu no teatro e ele no campo. O Neném vai arrumar um time e depois nós vamos alugar um apartamento bem bacana”. Apesar do apoio da esposa, a aventura na Itália não vingou. Garrincha só voltou a jogar profissionalmente em 1972, quando encerrou a carreira pelo Olaria, do Rio de Janeiro.
Em reportagem para a VEJA, em 1972, Geraldo Mayrink recordou a passagem pela Europa. “Manuel Francisco dos Santos conformou-se em ser companheiro de Elza Soares, que ganhava bem como cantora, e a fazer propaganda de café para o IBC, por 1.000 dólares mensais. Alguns o reconheciam como vendedor de café e se entristeciam, outros pensavam que ele era um vendedor qualquer e tratavam-no com grosseria. O Brindis, um time de terceira classe, tentou contratá-lo como consultor técnico, mas de novo a sua origem impediu a transação. Para piorar tudo recebia telefonemas anônimos e ameaçadores, em italiano, acusando-o de ter “traído o Brasil” e que ele, Elza e seus filhos seriam castigados. A polícia nada conseguiu apurar. Mudaram-se para Tor Vajanica, um balneário, e a vida continuou correndo devagar, com as raras alegrias de algum jogo beneficente entre velhos jogadores famosos, como o que fez em Milão no ano passado, ou então entre times improvisados com jogadores que vinham de todos os cantos do mundo.”
Em edição de março de 2001, Lemyr Martins, repórter de PLACAR por duas décadas, relembrou outra passagem de Garrincha e Elza, desta vez em 1971, em um jogo beneficente na Basiléia, na Suíça. Na ocasião, Lemyr apresentou Garrincha a Stanley Matthews, o mais famoso dos ponta-direitas ingleses, “Cavaleiro do Império Britânico e amigo da rainha”. “Cavaleiro da Rainha é… e isso dá grana?” questionou Garrincha. “Acho que não”, respondi, pego no contrapé.
Na manhã seguinte, durante um passeio de barco pelo rio Reno, Lemyr soube que Garrincha não pretendia cumprir contrato com o Red Star, um tima da segunda divisão francesa. Elza, então, explicou. “É um timeco. Imagine o cara ter que levar o material do jogo para lavar em casa. Eu, hein.?”, esbravejou Elza, que sempre foi um símbolo de mulher forte e independente.
O fim da relação e a morte de Garrinchinha
O casamento entre Elza e Garrincha durou 16 anos. Em edição especial sobre Garrincha, de junho de 1992, PLACAR narrou assim o fim da relação. “A lua-de-mel do início se transformou num relacionamento tumultuado devido aos desentendimentos em função da bebida, que geraram uma agressão à esposa e a consequente separação.” Em 1978, Garrincha casou-se novamente, com Vanderléa, viúva de outro ex-jogador, Jorginho Carvoeiro.
Garrincha morreria cinco anos depois, em 20 de janeiro de 1983, com lesões no fígado e pâncreas, resultado de seu alcoolismo. Três anos depois, novamente em circunstâncias trágicas, Elza Soares perdeu o filho que teve com Mané, apelidado de Garrinchinha, de apenas nove anos, afogado após um acidente de carro. Em mais uma coincidência mórbida, a tragédia foi destaque na edição de PLACAR de 20 de janeiro de 1986. Ao longo de toda a sua vida, Elza lamentou os problemas de Garrincha com a bebida que levaram ao fim da relação e tratou a memória do craque com carinho e respeito.