‘Desmoralizaram a Libertadores por dinheiro’, diz De León, ídolo do Grêmio
Ex-zagueiro uruguaio considera “angustiante” enfrentar o rival Inter na atual edição e relembra histórias curiosas sobre o primeiro título tricolor, em 1983
Se a Copa Libertadores da América ‘raiz’ tem uma cara, ela poderia ser a efígie de Hugo de León: barbuda, mal-encarada, e vencedora. Foi com o time dirigido por Valdir Espinosa, tendo no ataque um então novato rebelde chamado Renato Portaluppi e, na zaga, o uruguaio com cara de bucaneiro, que o Grêmio deu início a sua tradição “copeira”. A primeira conquista de Libertadores, a de 1983, sobre o Peñarol, no lendário Estádio Olímpico, ficou marcada pelo momento em que De León ergueu a taça enquanto o seu rosto era pintado de sangue, que escorria desde a sua testa.
Pouco importa que o ferimento tenha sido causado pelo próprio capitão gremista, em um acidente ao levantar o troféu – havia uma ponta de prego para fora, na base da taça, o que provocou a lesão. No imaginário gremista e sul-americano o que ficou foi De León simbolizando uma conquista de alma, um título que brotou da garra, do coração, da entrega em campo. “Aquele time de 83 criou uma linhagem de Libertadores ao Grêmio”, conta De León, hoje aos 62 anos, avô de quatro netos, e que encontrou no beach tennis um renascimento esportivo.
Quem circula pela Encol, uma das praças mais elegantes de Porto Alegre, tem no capitão de 1983 uma figurinha fácil entre sungas, raquetes e a areia das “canchas” da modalidade. “O beach tennis me deu outra vida. Tu nem precisa ser bom, me apresentou um novo convívio social, quando eu já estava recolhido em casa. Além de ser altamente competitivo. Quer me ver feliz, me convida para jogar na areia”, diverte-se a lenda gremista, que fixou residência em Porto Alegre e que volta e meia encara a ponte aérea para Montevidéu.
A sua imagem erguendo a taça da Libertadores, com o rosto ensanguentado, é uma das imagens icônicas da Copa. Também aquela imagem marcou a transformação do Grêmio em um clube de estatura mundial? Acabou sendo uma primeira imagem das grandes conquistas internacionais do Grêmio. Em seguida, ganhamos o único Mundial do Grêmio. Certamente aquela Libertadores colocou o clube em outro nível.
Qual a sua expectativa para o desempenho do Grêmio nesta edição? O Grêmio está acostumado à Libertadores, é um clube copeiro, adaptado a tudo no torneio. Tem conjunto e um grupo experiente. Aposto que o Grêmio chegue uma vez mais às fases decisivas, como vem ocorrendo nos últimos anos. E, dependendo do caminho na Libertadores, que consiga até o Tetra.
Qual foi seu maior jogo de Libertadores? A final com o Peñarol foi inesquecível, mas a partida com o Estudiantes, em La Plata, foi ao extremo. Pensamos que morreríamos naquela noite. Eram pelo menos 20 000 pessoas prontas para invadir o campo, empurrando o alambrado. Se eles invadissem, seria uma multidão contra 20, 22 pessoas. Passou tudo pela cabeça naquele momento. Mas não perdemos (depois de estar vencendo por 3 a 1, o Grêmio cedeu um empate consciente em 3 a 3, diante de apenas sete jogadores, para evitar uma tragédia).
Acha que este Flamengo de hoje pode estabelecer uma hegemonia no continente, como fez o Santos de Pelé, o São Paulo de Telê, o Boca Juniors de Bianchi (do início dos anos 2000)? Vamos ver se o Flamengo confirma. Potencial, ele tem. O Flamengo tem pelo menos 17 jogadores que podem ser titulares em qualquer equipe da América. Os demais clubes precisam encontrar uma maneira de ferir o Flamengo, de encontrar o seu ponto fraco, se é que há.
Acha que a arbitragem na Libertadores continua mais complicada ou melhorou com a tecnologia? O VAR veio para diminuir as injustiças, os erros grosseiros que mudavam as competições. O VAR beneficia mais o time pequeno. O grande tem condições de fazer mais gols, caso tenha um anulado. Tem tudo para corrigir as injustiças, antes, se mudava demais os rumos das partidas.
Qual o lugar mais inóspito em que você já jogou? Voltamos a La Plata (risos). Aquele alambrado sendo sacudido está na minha memória até hoje. Até a polícia nos ameaçava dentro de campo naquela noite. Aquela foi a pior noite da minha vida em uma Libertadores. Deus evitou uma tragédia naquela noite.
Sobre o modelo de final em jogo único, qual a sua opinião? A Libertadores virou uma competição econômica, feita para os times endinheirados. Ela perdeu a sua alma. O que vale é o dinheiro. Ela mudou quando o Brasil e a Argentina colocaram seis, sete clubes, e se não há o advento do cruzamento entre os clubes do mesmo país teríamos por décadas a fio sempre finais brasileiras ou argentinas, o que ocorreu recentemente, de novo. Isso chegou ao ridículo de termos mexicanos ricos jogando e não podendo ser campeões, por favor! Quem jogou a Libertadores antigamente sabe a dificuldade que era. Hoje, o dinheiro é quem manda.
Isso tirou as chances de títulos dos antigos multicampeões uruguaios, Peñarol e Nacional, ainda que o Peñarol tenha feito a final de 2011, perdendo para o Santos de Neymar? Um ano em décadas. Antes, se enfrentava apenas dois brasileiros e dois argentinos. Hoje, se enfrenta um exército. Por mais que o futebol uruguaio tente, as dificuldades para avançar, devido à falta de dinheiro, são enormes. Desmoralizaram a Libertadores por dinheiro. Não é à toa termos tantos dirigentes presos e ou denunciados.
Pela primeira vez na história teremos Grenais pela Libertadores. O que isso representa para o Rio Grande do Sul? Será angustiante (risos). Quem perder pode ficar fora já no começo, quem ficar pelo caminho ficará em situação dramática no ano. Mas será histórico para Porto Alegre.
Recentemente, perdemos Valdir Espinosa. O que ele representou na sua carreira? Espinosa e Ênio Andrade foram os meus dois grandes técnicos no Brasil. Me marcaram muito na carreira. Espinosa me fez o homem de confiança dele em campo, seguíamos à risca as suas determinações, nos levou à Libertadores e ao Mundial.