Dé Aranha: A malandragem já era
Ídolo do Bangu, Vasco da Gama e Botafogo nos anos 60 e 70 revela por que resolveu narrar em livro histórias de tempos em que o futebol era muito diferente
Por que, aos 70 anos, o senhor decidiu contar em livro suas memórias do futebol? Queria homenagear os jogadores que fizeram parte da minha vida. O livro seria doado aos amigos, mas houve tantos pedidos que resolvi pôr à venda e dar os lucros a pessoas que cuidam de animais. Sou louco por bicho: em casa, tenho 25 gatos e um monte de cachorros. Foi emocionante rememorar as histórias e mostrar que vivíamos numa época diferente.
O senhor jogou gelo na perna de um adversário, areia nos olhos de goleiro, comeu o cartão vermelho de um juiz. Dé Aranha conseguiria sobreviver nos dias de árbitro de vídeo — o famigerado VAR? No futebol de hoje não há mais espaço para a irreverência e a malandragem dos meus tempos de jogador. Agora, eu era malandro porque tinha de sobreviver e dar uma boa condição de vida à minha família. Para mim, cada jogo era uma guerra, e na guerra vale tudo: tiro nas costas, emboscada. Se tivesse a chance de voltar no tempo, faria tudo outra vez. Talvez, numa proporção um pouco menor.
Jogadores de sua época passaram por dificuldades financeiras após aposentar-se. O senhor tem hoje uma vida razoável? Vivo sem luxo, mas minha situação financeira é boa. O exemplo veio de casa e do próprio mundo do futebol. Minha família morava de favor numa residência doada pelo clube em que meu pai havia jogado. Em dias de jogo, ela se transformava na bilheteria do estádio. Depois, presenciei a decadência do Garrincha. Os dirigentes corriam dele. Pensei: “Se fogem do Garrincha, não vão fugir de mim?”. Eu me formei em educação física e guardei dinheiro pensando no dia de amanhã.
Na atualidade, é mais difícil jogar futebol? Os jogadores de hoje são mais atletas que craques. Por isso jogam um futebol horroroso. Eu fui marrento, mas também atleta e craque. E não se pode mais ser irreverente. Não se pode nem comemorar um gol provocando a torcida adversária.
A morte recente de Eurico Miranda, cartola eterno do Vasco da Gama, marcou o fim de uma era? O futebol não comporta mais esse tipo de dirigente que se sente dono do clube. Joguei no Bangu, na época em que o presidente era o Castor de Andrade, ligado ao jogo do bicho. Ele fazia de tudo: comprava juiz, tirava jogador de clube adversário. Estamos no tempo do profissionalismo. Hoje é preciso pensar como uma empresa. A malandragem ficou para trás.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2019, edição nº 2630
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