Como atletas e dirigentes se organizarão com o adiamento da Olimpíada
O coronavírus mudou os rumos dos Jogos de Tóquio e trouxe incertezas para o evento em 2021
“Seria como fazer uma prova sem poder estudar ou ir às aulas.” A metáfora, do nadador carioca Bruno Fratus, dono da quarta melhor marca dos 50 metros nado livre em 2019, era atalho para entender a angústia dos atletas às vésperas de o Comitê Olímpico Internacional e o governo japonês adiarem a Olimpíada de Tóquio para 2021. Realizá-la agora, entre 24 de julho e 9 de agosto deste ano, seria uma imprudência, quase uma desumanidade. O motivo: os esportistas de alto rendimento encontram-se como nós — confinados em casa, sem um claro prognóstico de quando poderão voltar à normalidade. Por mais que tentassem fazer uma adaptação aqui e ali, a alternativa do “home office”, para eles, é mero truque psicológico.
A correta e difícil decisão de adiar os Jogos é prova de que, até a pandemia do coronavírus ser controlada, nada mais importa, nada mesmo — nem a beleza de uma Olimpíada. “Apesar da comemoração dos atletas, ninguém ganhou”, diz o ex-jogador de vôlei Bernard Rajzman, medalhista de prata nos Jogos de Los Angeles-1984 e membro do COI desde 2013. “Haverá prejuízos em diversas esferas.” Nas próximas semanas, os organizadores japoneses e demais entidades (federações e comitês nacionais) deverão fazer mais do que apenas contabilizar perdas. Precisarão apresentar um plano de ação para a realização dos Jogos, em algum momento do ano que vem.
A contagem regressiva, que estava em menos de 120 dias até o acendimento da pira olímpica no Estádio Olímpico de Tóquio, foi, evidentemente, ampliada — e tem de ser definida com precisão, de modo que permita a atletas e dirigentes a construção de um calendário que culmine no pódio. Estima-se que o torneio ocorra entre abril e setembro de 2021. O gabinete do primeiro-ministro Shinzo Abe vê com simpatia a possibilidade de a competição acontecer no período da primavera, ou seja, daqui a exatos doze meses, justamente quando as flores de cerejeira, as sakuras, desabrocham e dão um charme especial à capital do país. Mas é, por ora, apenas uma intenção, quase um sonho distante. Antes, será necessário decidir como se preencherá metade das vagas ainda abertas, por meio de seletivas e torneios eliminatórios. E sabe-se lá quando poderão ser disputados. “Para chegarem em ótima forma e diminuir as possíveis diferenças entre países que vencerão o surto primeiro, seria ideal que cada atleta tivesse no mínimo doze meses de preparação”, diz Irineu Loturco, diretor-técnico do Núcleo de Alto Rendimento Esportivo (NAR), de São Paulo.
Há outro nó: os mais de 6 000 esportistas já classificados (entre eles 178 brasileiros) terão a ida a Tóquio garantida ou ficarão sujeitos a novos critérios de classificação? Pior: existe sempre a chance de uma lesão inesperada tirar dos campos, quadras e pistas alguém que está hoje no auge da forma, e que teria plenas condições de participar do evento caso ele fosse realizado neste ano.
Tudo somado, o nome do jogo é “data”. Não haverá acordo para o novo cronograma sem a anuência das emissoras de televisão, em especial a americana NBC, a galinha de ovos de ouro do COI — três quartos das receitas nascem de acordos comerciais pelos direitos de transmissão. Isso significa que, mais que agradar aos atletas, o momento escolhido terá de ser costurado com quem dá as cartas. Toda Olimpíada, a do Rio, inclusive, em 2016, ocorre em um período de duas semanas em que os Estados Unidos, e também a Europa, estão em seca de eventos esportivos. Em abril, por exemplo, usualmente são disputadas as finais da NBA, a liga americana de basquete, além da fase decisiva dos campeonatos europeus de futebol.
O esforço só terá valido a pena se os Jogos puderem ser realizados em segurança, seja para os atletas e visitantes, seja para o povo japonês. Por enquanto, o presidente do COI, o alemão Thomas Bach, prefere o discurso esperançoso de que a Olimpíada de Tóquio será a recompensa mundial pela vitória sobre a Covid-19. “A chama olímpica pode ser a luz no fim deste longo túnel pelo qual atravessa a humanidade”, disse, emocionado. Ainda não foi definido, talvez por ser cedo demais, se Tóquio-2021 fará com que os Jogos posteriores sejam também postergados por um ano, algo que equivaleria a alterar o calendário gregoriano. Desde sempre, ao menos desde 1896, quando houve a primeira Olimpíada da era moderna em Atenas, nós nos habituamos a contar a vida de quatro em quatro anos, sempre pares. Em tempo: os organizadores decidiram manter o nome, Tóquio-2020, mesmo tendo sido empurrado para a frente. É gesto de respeito atrelado ao histórico orgulho japonês, mas tem uma explicação econômica — não há como jogar fora o arsenal de suvenires temáticos já produzidos, tampouco redesenhar toda a programação visual da grande festa deste ano bissexto perdido.
Com reportagem de Luiz Felipe Castro
Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição nº 2680