Comentarista Neto é uma piada boa – e isso não é uma piada
Ex-jogador levou sua fanfarronice ao teatro em shows de comédia stand-up. E, ao rir de si mesmo e de seus desafetos, mostrou competência
Ouvir José Ferreira Neto falando bobagens é algo que os brasileiros se acostumaram a fazer por quase três décadas, primeiro nos tempos de jogador e depois nas cabines de rádio e TV. Aos 50 anos, o comentarista e apresentador da Band decidiu expandir sua zona de atuação: assumiu, de vez, a condição de humorista e montou uma série de dois shows de comédia stand-up, encerrada na madrugada deste sábado, em São Paulo. No palco, o ídolo do Corinthians demonstrou quase a mesma desenvoltura com que batia faltas e com a qual discute assuntos polêmicos na TV aberta. Seu show é engraçado, sobretudo porque Neto sabe rir de si mesmo. Sem, claro, esquecer seus incontáveis desafetos. “Estou um pouco triste porque não estou vendo o Bolsonaro na plateia”, ironizou logo no início o apresentador, que em entrevista à edição de VEJA desta semana, admitiu que não se incomoda em nada com os críticos.
Boa parte dos cerca de 300 presentes que lotaram o Teatro Bibi Ferreira, no centro de São Paulo, era formada por amigos do ex-jogador – durante o espetáculo, zombou do irmão, do médico, do advogado e até da terceira esposa, Sandra, que está grávida de seu quarto filho. “As outras duas mulheres já tomaram todo o meu dinheiro, você vai ter de ficar comigo para sempre, porque não vai sobrar nada de pensão.” Naturalmente, dentre os fãs de Neto, quase todos eram corintianos. No entanto, o apresentador não levou ao teatro o “clubismo” e as discussões voltadas para fanáticos, obrigatórias nos estúdios da Band, onde precisa garantir sua audiência diária. Até mesmo as expressões com arrastado sotaque caipira, como “diga-se de passagem (“bordão” que batiza o show)” foram contidos – ao contrário dos excessivos palavrões. As poucas provocações de torcida foram direcionadas à Ponte Preta, adversária do Corinthians na final do Paulistão, e sua rival desde a adolescência em Campinas. “Pior do que saber que a filha perdeu a virgindade, é saber que foi com um pontepretano”, disse, mais uma vez rindo da própria desgraça.
Neto tem bom timing para piadas. Fez troça de companheiros dos gramados e da TV, por vezes driblando possíveis processos. Ronaldo, por exemplo, foi tratado como “um ex-camisa 9 que fez muitos gols em Copas do Mundo e se envolveu com travestis”. “Não vou falar quem é, porque meu advogado proibiu”, ironizou. As experiências familiares, desde a infância difícil na pequena Santo Antônio de Posse (SP) até o estrelato na capital, também são destaque. Uma história sobre o infarto sofrido pelo pai levou mais de uma hora para ser concluída, interrompida a cada minuto por uma curiosa lembrança secundária – como o fato de Neto ter morado três meses em um motel de um amigo depois do divórcio. Também há espaço para sensatez, como nos momentos em que Neto contou ter um irmão presidiário que “errou feio e tem de pagar pelo que fez” e garantiu se arrepender de ter cuspido no rosto do árbitro José Aparecido de Oliveira, em 1991. “Fiz muita m… nessa vida.”
O show, que durou pouco mais de uma hora e meia – além dos outros 50 minutos em que Neto atendeu com simpatia os fãs que lhe pediram fotos e autógrafos –, tem, sim, um público-alvo bem definido, o que talvez seja a grande diferença entre seu stand-up e o de comediantes profissionais. É necessário gostar de futebol e conhecer um pouco da história do ex-jogador para rir do show. Neste caso, quem pagou 80 reais para ouvir o comentarista de futebol mais odiado do país, alcunha da qual chega quase a ser orgulhar, dificilmente se arrependerá. Neto pode até ser bobo, como disse recentemente seu desafeto Felipe Melo. Mas burro jamais. Como fez em quase 20 anos como profissional de TV, Neto conseguiu rapidamente se adaptar à nova função de humorista. E já cogita seguir carreira e rodar o Brasil com suas piadas. “A ideia era fazer só esses dois shows e ver no que dava. Aparentemente as pessoas gostaram, então pode ser que eu faça mais vezes…até porque quero ter mais filhos, então preciso ganhar mais dinheiro.”