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Caso Westbrook e o racismo histórico na NBA

O melhor jogador da liga em 2017 sofreu preconceito durante jogo contra o Jazz, em Utah

Quando se fala em racismo, é comum pensar que é um desrespeito de uma maioria contra uma minoria oprimida. Na NBA, no entanto, nem os mais de 74% atletas negros (segundo levantamento feito pelo ativista Richard Lapchick, em 2015) e nem os jogadores de maior destaque escapam de alguns casos de racismo, problema que assola os Estados Unidos desde sua fundação. O armador Russell Westbrook, do Oklahoma City Thunder, foi ofendido por Shane Keisel, um torcedor do Utah Jazz, na última segunda-feira, 11, em Salt Lake City. As câmeras flagraram o ‘jogador mais valioso’ de 2017 xingando o fã da equipe adversária durante o jogo. “Vou f**** você e sua mulher”, dizia.

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Westbrook tem temperamento difícil e não aceita desaforos. A primeira reação poderia ser culpar o atleta por ofender o fã. Mas o armador de 30 anos esclareceu após a partida que sofreu racismo. “Um homem que estava com a mulher na arquibancada me disse: ‘Ajoelhe como estão acostumados a fazer’. Isso é completamente desrespeitoso. Acho que é racismo, é inapropriado. Não há nenhuma proteção aos jogadores. Há torcedores que vêm de todos os lugares do mundo para assistir ao jogo. E existem os que vêm apenas para me dizer coisas desrespeitosas, ofender minha família.”

O jogador do Thunder também disse que nunca faria nada contra uma mulher e que ofendeu a esposa do torcedor somente porque ela repetiu tudo o que o marido disse. “Faria exatamente o mesmo. Sempre irei lutar por mim e por minha família. Espero que todos façam o mesmo”. A NBA, um dia depois, multou o atleta em 25.000 dólares (cerca de 95.000 reais) pela discussão. O torcedor foi banido eternamente pelo Utah Jazz, não poderá mais entrar no ginásio. O clube adversário declarou ‘total apoio’ a Westbrook.

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A dona do Utah Jazz, Gail Miller Alex Goodlett/Getty Images

“Estou extremamente desapontada que um de nossos torcedores teve uma conduta deste tipo, não só com um convidado em nossa arena, mas também comigo, com minha família, nossa organização, nossos jogadores, e todos os torcedores na NBA. Isso nunca deveria acontecer. Não somos uma comunidade racista. Acreditamos em tratar as pessoas com cortesia e respeitar os seres humanos”, declarou Gail Miller, dona do Utah Jazz, durante o jogo contra o Minnesota Timberwolves, na última quinta.

A briga entre Westbrook e o torcedor originou uma série de comentários de jogadores sobre os torcedores de Utah. “Já disse antes, o Utah Jazz tem os fãs mais racistas da NBA”, disse Matt Barnes, ex-atleta. “Como um negro vivendo em uma comunidade que amo e jogando em uma equipe que me dá a oportunidade de viver meus sonhos, esse incidente me atinge muito. Racismo e discurso de ódio machucam a todos e não é a primeira vez que isto acontece em nossa arena. Utah é acolhedora e o último incidente não é um indicativo da nossa torcida”, disse Donovan Mitchell, ala-armador do Jazz.

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Westbrook já passou por outros dois incidentes jogando na Vivint Smart Home Arena, em Utah: no ano passado, foi ofendido por um torcedor enquanto saía de quadra e derrubou seu celular. Em outro jogo, foi chamado de “boy” – termo pejorativo usado antigamente para ofender negros. O torcedor também foi banido pelo Utah, na última sexta.

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O racismo na NBA

Na década de 70, a NBA não era tão poderosa como hoje, inclusive, era um fracasso nos Estados Unidos. O motivo? ‘Era coisa de negro’, como conta David Halberstam no livro Michael Jordan – A História de um Campeão e o Mundo que Ele Criou, Editora 34, 448 páginas, publicado em 1999. “Na esquizofrênica sociedade americana, o jogo profissional era considerado uma coisa de marginal. Era visto como coisa para negros, no qual a maioria dos jogadores estavam envolvidos com drogas”. Halberstam detalha a trajetória de David Stern, antigo comissário da NBA, para conseguir patrocinadores para a liga, assim como a tradicional NFL conseguia. Stern encontrava dificuldades porque os empresários não queriam a imagem de suas companhias atreladas à América negra.

A NBA começou a mudar, segundo Halberstam, por causa do basquete universitário, extremamente popular e transmitido nacionalmente à época porque, apesar da maioria de jogadores negros, a impressão de que eles viviam dentro de uma hierarquia branca atraía o interesse. A rivalidade entre Magic Johnson, da Universidade de Michigan, e Larry Bird, de Indiana, no torneio universitário foi um sucesso e a entrada deles na NBA levou uma grande audiência, que posteriormente pegou carona na gloriosa carreira de Michael Jordan, o maior jogador da história. Desde então, a NBA passou pelo processo de globalização e hoje conta com superestrelas que lutam contra a discriminação, como LeBron James e Stephen Curry, e grandes treinadores, como Gregg Popovich e Steve Kerr lutam por causas sociais.

Obstáculos

O crescimento da NBA ainda esbarra em alguns casos de racismo, como o de Donald Sterling, antigo dono do Los Angeles Clippers, banido para sempre da liga. O empresário, em 2014, recriminou sua então namorada, V. Stiviano, por postar uma foto ao lado de Magic Johnson, em suas redes sociais. “Fico muito incomodado vendo você querer aparecer ao lado de pessoas negras. Por que você faz isso? Você pode dormir (com negros), pode fazer o que quiser. A única coisa que peço é que não divulgue isso. E não traga aos meus jogos”, reclamou Sterling, em telefonema divulgado pelo site americano TMZ. Adam Silver, comissário da NBA, repudiou Sterling, que foi multado em 2,5 milhões de dólares (mais de 9,5 milhões de reais, na cotação atual) e obrigado a vender o Los Angeles Clippers.

Outro caso recente envolveu LeBron James e Kevin Durant, dois dos maiores jogadores da liga atualmente, e a apresentadora do programa americano Fox News, Laura Ingraham. Em entrevista ao programa Uninterrupted, no YouTube, em janeiro de 2018, James e Durant criticaram o presidente Donald Trump. “O emprego número 1 da América, a pessoa mais importante é alguém que não entende a população e realmente não liga para o povo”, disse James. “No basquete, aprendi que tudo é sobre liderança. Você precisa encorajar as pessoas para criar um bom time. Sinto que nosso time, como um país, não é treinado por um bom técnico”, comentou Durant. A entrevista foi duramente criticada por Laura Ingraham, que afirmou que James e Durant deveriam apenas ‘calar a boca e driblar’.

LeBron James lançou a campanha “Mais que um atleta” depois das declarações de Laura Ingraham Hypebeast/YouTube/Reprodução

A NBA tenta há anos ‘driblar’ os casos de racismo de uma vez e deixar seus jogadores cada vez mais livres para comentar sobre questões políticas e raciais. Sob comando de Adam Silver, a liga investe pesado em ações sociais como o Black History Month (mês da história negra), em fevereiro, ou o dia de Martin Luther King, na terceira segunda-feira de janeiro, com uma rodada de jogos importantes e homenagens de cada franquia a um dos maiores símbolos da história afro-americana. Nos novos tempos da NBA, os problemas  são debatidos em vez de serem empurrados para debaixo do tapete.

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