Bruno Fratus: ‘O Brasil poderia ser uma potência olímpica’
Medalhista de prata no Mundial saiu em defesa de colegas e disse que o país precisa se inspirar na cultura esportiva americana
O carioca Bruno Fratus vive ótimo momento na carreira. Dono da terceira melhor marca de 2019 nos 50 metros nado livre, o nadador de 30 anos acabou de conquistar sua terceira medalha em Mundiais, foi o segundo colocado na prova mais rápida das piscinas em Gwangju, na Coreia do Sul. Prestes a embarcar para Lima, em busca de mais conquistas nos Jogos Pan-Americanos, Fratus também assumiu uma postura de liderança dentro da seleção brasileira de natação. Contestador e bem articulado, o brasileiro se diz disposto a participar do desenvolvimento do esporte no país e acredita que o Brasil deveria fomentar o esporte nas escolas para se tornar uma potência olímpica.
Das cinco medalhas que o Brasil conquistou nas piscinas de Gwangju, apenas a de Fratus foi em uma prova que integra o programa olímpico de Tóquio-2020. O velocista, no entanto, se incomodou com as críticas aos resultados dos colegas de raia e no início da semana usou suas redes sociais para desabafar contra quem desvaloriza medalhas conquistadas no Pan e em provas não olímpicas.
Procurado por VEJA, Bruno topou falar sobre as cobranças que os atletas brasileiros recebem e suas projeções para o futuro da modalidade, direto de Coral Springs, no estado americano da Flórida, onde vive.
A própria direção atual da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) mantém uma política de desvalorizar as provas não olímpicas, tanto que só custeou a viagem de atletas com chances em provas olímpicas. Considera isso um erro? Acredito que uma coisa não interfere na outra. Enquanto estas provas estiverem sendo disputadas, devemos levar os melhores atletas do país. Gosto muito do critério de índice técnico que vem sendo usado pela CBDA, acho que isso faz com que a seleção fique mais concentrada, todos lá têm uma certa chance de medalha. Mas sou a favor de ter atletas em todas as provas do campeonato. Sinceramente, e essa é uma posição pessoal minha, não creio que disputar uma prova não olímpica atrapalhe de alguma forma a preparação para a Olimpíada. São competições diferentes em um espaço de um ano. Não creio que seja um problema de foco e também não acho que os problemas serão resolvidos cortando provas não olímpicas, creio que o problema é bem mais profundo que isso. Vou defender meus companheiros com unhas e dentes. Somos uma família e não vou deixar ninguém dizer que uma medalha da Etiene Medeiros, do Nichola Santos, ou de outro colega é menos importante, vou defendê-los até o fim.
E qual é a real importância do Jogos Pan-Americanos? É uma vitrine muito grande para o esporte brasileiro, para a chegada de patrocinadores, é importante para a fomentação do esporte, ensinar a torcer pelo ídolo. Por isso é muito ruim esse “mas” nas manchetes: “Ganhou, mas é Pan” ou ” Ganhou, mas é prova não olímpica”. Isso gera uma desconfiança geral muito grande.
A CBDA vive hoje uma enorme crise, com diversos dirigentes acusados de corrupção e quase nenhum dinheiro em caixa. Acredita que haja luz no fim do túnel? Vejo gente muito bem-intencionada envolvida, pessoas trabalhando por amor ao esporte tanto na CBDA quanto no Comitê Olímpico Brasileiro. Foi o COB que conseguiu viabilizar toda a logística e preparação para este ciclo olímpico. Trabalhar com esporte é diferente de qualquer outro ramo. Na CBDA tem gente trabalhando há meses sem receber. É uma situação complicada, é chata, mas quando há gente tão comprometida, capaz de sacrificar seu tempo e dedicação em prol do esporte, sempre há luz no fim do túnel. E nós fazemos o nosso papel, que é nadar e passar uma imagem boa do esporte para tentar melhorar essa situação.
Como lida com as cobranças nas redes sociais? Eu acho engraçado quando você recebe uma mensagem de alguém te cobrando como se você tivesse obrigação de ganhar. Consigo entender quem te passa apoio e se emociona com o atleta que vai lá competir com a bandeira do país, seja na touca, no quimono, no uniforme, consigo entender quem se inspira nisso. Mas não entendo o que leva alguém a ir a uma rede social ofender, cobrar de forma pesada e negativa, porque o cara ganhou medalha no Mundial, mas não ganhou na Olimpíada.
Permita-me uma pequena provocação: apesar de ser algo comum e até compreensível em esportistas de elite, não crê que, de certa forma, ao sempre salientar que não está 100% satisfeito com seus resultados, você mesmo não contribuiu para o discurso de que só a medalha de ouro importa? Olha, agora você me pegou (risos). Pode ser que você tenha razão, mas é que eu sou chato mesmo, sou bem rígido comigo. Até por isso nada que eu leia nas redes sociais ou na imprensa vai me afetar mais do que meu próprio julgamento. Ninguém nunca vai conseguir ser mais duro comigo do que eu mesmo.
Acredita que o atleta brasileiro é valorizado por aqui? A chave é educar o torcedor. Uma coisa em que os Estados Unidos dão um baile no Brasil é a cultura olímpica. Tenho tatuado os aros olímpicos e já aconteceu de eu estar na fila do supermercado e as pessoas quererem me ceder lugar ou pagar minha conta por saber que eu sou um atleta olímpico. Existe respeito e admiração como no Brasil, mas sem cobrança, ninguém vai apontar o dedo por causa de um resultado ruim.
O que impede o Brasil de se tornar uma potência olímpica? Nunca é apenas um ponto que causa o problema. Dos vários diferenciais entre Brasil e EUA, um determinante é o número de praticantes do esporte. Há um abismo gigantesco. Se a gente cogita trazer mais medalhas, o primeiro passo seria a popularização do esporte, espalhar a natação pelo Brasil. Em termos de território, não somos tão diferentes dos EUA. Temos água para caramba, mar, rio, piscina… então, acho que um primeiro passo seria a popularização da natação. Porque a gente tem talento, tem qualidade, conhecimento, os melhores treinadores, nutricionistas, tudo. Poderíamos ser uma potência, o que falta é essa cultura esportiva. Se toda criança do nosso país praticasse esporte, não ia ter para Estados Unidos, Rússia, China, para ninguém.