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Brasileiros recebem milhões para tentar levar a China à Copa do Mundo

O jogador Elkeson, que deixou de ser brasileiro para jogar na seleção asiática, faz parte do esforço de Xi Jinping para seu país participar do torneio

Quando ainda era vice-presidente, em 2011, o poderoso Xi Jinping, líder máximo da China que se diz um fã de futebol, anunciou três objetivos: classificar o país para uma Copa do Mundo, vencê-la e sediá-la. Tratava-se, pelo menos em parte, de uma questão de orgulho nacional. Na única vez que a modesta seleção participou do torneio, em 2002, acabou eliminada na fase de grupos, com três derrotas em três jogos (um deles contra o Brasil, por 4 a 0), sem marcar um único gol, vergonha inominável para uma nação que se acostumou ao alto do pódio na busca por medalhas em Olimpíadas. Xi mandou, Xi consegue. Embora se considere nula a chance de erguer o caneco, a equipe atual tem, de fato, possibilidade de se classificar para a Copa de 2022, no Catar, graças a uma estratégia muito usada por quem não tem tradição, mas quer fazer bonito em campo — recrutar estrangeiros talentosos, geralmente já perto da aposentadoria e atraídos por salários milionários. Desta vez, porém, a mudança tem sido drástica. Como a Fifa exige que quem não nasceu no país se naturalize para atuar na seleção, e como a China não reconhece a dupla cidadania, jogadores de várias partes do mundo, do Brasil inclusive, estão trocando de passaporte. E de nome também.

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Foi assim que Aloísio “Boi bandido”, ex-atacante do São Paulo, virou Luo Guofu; Ricardo Goulart, ex-Cruzeiro, agora atende por Gao Late; e Elkeson, ex-Botafogo — por sinal o artilheiro da seleção chinesa, com dois gols na partida de estreia, em setembro, e outro no segundo jogo, um mês depois —, foi rebatizado Ai Kesen (repare no esforço para manter alguma semelhança com os nomes originais). “Se o meu projeto é jogar na seleção chinesa, quero tudo o que isso envolve: classificar e disputar a Copa do Mundo. É um sonho que espero realizar”, diz Goulart, paulista de São José dos Campos que hoje leva um vidão — amplamente exibido no Instagram — na próspera Guangzhou, sede do Guangzhou Evergrande, time que tem como proprietário principal o gigante de varejo on-line Alibaba.

Desde que a China instituiu a política de naturalização de jogadores, no ano passado, onze estrangeiros já se tornaram chineses, dos quais cinco brasileiros (dos catorze que atuam no país) — além dos três citados, também Alan Carvalho (Alan), ex-Fluminense, e Fernandinho (Fei Nanduo), ex-Flamengo. Todos eles estão há pelo menos cinco anos na China, atendendo à exigência da Fifa de que os naturalizados tenham “fortes ligações” com a nação adotiva. A facilidade oferecida aos atletas do futebol é raríssima. A legislação chinesa praticamente só concede cidadania a quem tem pai ou mãe nascido no país, assim mesmo com restrições, um total de indivíduos que, no censo de 2010, mal chegava a 1 500.

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Embora a qualidade dentro de campo ainda seja duvidosa, ou ruim mesmo, a China tem desempenhado papel de destaque no mercado internacional do futebol, tanto pelos salários milionários quanto pelo peso das contratações: para cooptar os brasileiros Oscar e Hulk, antes no inglês Chelsea e no russo Zenit São Petersburgo, respectivamente, os chineses investiram mais de 130 milhões de dólares (não, os dois não chegarão à seleção chinesa, por já terem atuado na brasileira). Como o governo não quer depender para sempre de estrangeiros, vem tomando medidas rigorosas para incentivar jovens talentos locais. Cada time, ao comprar um atleta de fora, é obrigado a doar quantia igual a um fundo de desenvolvimento do futebol juvenil. Além disso, o número de estrangeiros escalados para uma partida deve ser igual ou menor do que o de jogadores chineses abaixo dos 23 anos. Mas muita bola ainda vai rolar antes que essas providências deem resultado. “O nível continua fraquíssimo. Tem partida que lembra futebol de várzea e poucos conseguem se destacar. São os estrangeiros que dão uma levantada nos times”, entrega um jogador que não quer se identificar por estar renegociando contrato.

Entre os torcedores, as opiniões se dividem e chovem críticas nas redes sociais, muitas de tom racista, contra os “novos chineses” que, segundo elas, não têm amor à camisa e só querem saber de dinheiro. “É uma injustiça, porque os estrangeiros servem a seus clubes com distinção e respeito”, diz Jonathan Sullivan, diretor do Observatório do Futebol Chinês, da Universidade de Nottin­gham, na Inglaterra. “Mas em uma era de nacionalismo crescente vê-los com o uniforme da seleção, cantando o hino nacional, parece um acinte para muitos chineses.” Donos da bola, Gao Late e Ai Kesen fazem de conta que não é com eles.

Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711

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