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Bola fora: por que ruiu a ideia de uma liga de futebol exclusiva na Europa

Evento foi cancelado em menos de três dias depois da enorme reação de torcedores, cartolas e políticos

O celebrado futebol europeu, com milhões de espectadores mundo afora e os mais fortes anunciantes, foi protagonista de um espetáculo grotesco na semana passada. Doze dos mais influentes clubes do continente, apertados com a crise causada pela pandemia, decidiram pôr em prática um antigo plano de formar uma Superliga Europeia, apartada da renomada Liga dos Campeões e somente com os clubes de elite. O objetivo era claro: dobrar suas receitas com cotas de televisão. Cerca de 48 horas depois do anúncio, feito no domingo 18, o projeto já tinha ido por água abaixo — e por lá deverá ficar.

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A Superliga naufragou de forma desonrosa não apenas devido à pressão da Fifa e da Uefa, entidades máximas do futebol mundial e europeu, que ameaçaram banir os clubes de torneios nacionais e internacionais, mas também por influência de políticos poderosos, como o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e o presidente francês Emmanuel Macron. Os maiores interessados também não gostaram da proposta: os atletas, ameaçados de não jogar mais por suas respectivas seleções se integrassem a Superliga, e os torcedores, sem os quais não há espetáculo.

Diz o slogan de uma famosa marca de cartões de crédito, coincidentemente uma das anunciantes da Champions League, que “há coisas que o dinheiro não compra”. Foi talvez com essa mentalidade que torcedores saíram às ruas, especialmente os ingleses, para protestar contra a medida, ainda que dela saíssem beneficiados. Foram às ruas, munidas de cartazes, as torcidas do Manchester United e do Chelsea, dois clubes com fãs até mesmo fora dos domínios britânicos. A Superliga já nasceu torta, por uma razão simples: dá um bico no mérito esportivo, na possibilidade de Davi derrubar Golias, de o pequeno vencer surpreendentemente o grande. O torneio seria formado por quinze equipes fixas, que de lá nunca sairiam qualquer que fosse seu desempenho, mais cinco outras convidadas, cujos critérios para a inclusão não foram explicados. “Não é esporte quando não há relação entre o esforço e o sucesso”, disse Pep Guardiola, técnico do Manchester City, para desespero de seus chefes árabes, donos do clube, que apoiaram a fracassada iniciativa. Jordan Henderson, o capitão do Liverpool, time ligado às massas, liderou uma reunião entre atletas de toda a Premier League, a liga de futebol inglesa, e formou uma posição unânime contra o projeto.

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A participação de americanos, donos do Liverpool, Arsenal e United, bem como do banco JP Morgan Chase, que investiria 3,5 bilhões de euros na empreitada — além dos moldes do torneio, sem rebaixamento —, logo gerou comparações com as bem-sucedidas NBA e NFL, ligas fechadas de basquete e futebol americano dos EUA. O paralelo é ruim, uma vez que o esporte lá se desenvolveu a partir do casamento entre as ligas profissionais e universitárias, e tem suas próprias formas de promover equilíbrio, com controle das contratações e reforços. Os times mais fracos têm preferência na escolha dos atletas jovens com melhor desempenho. No futebol não é assim.

Apesar do barulho, os cartolas que deflagraram a invenção mantêm alguma esperança de ressuscitar a empreitada. Florentino Pérez, magnata espanhol que preside tanto o Real Madrid quanto a Superliga, disse que o novo torneio seria a “salvação do futebol mundial”, pois o dinheiro injetado nos clubes grandes fluiria para os times mais modestos — uma consideração difícil de ser comprovada. Florentino, entretanto, faz duas colocações pertinentes, relacionadas ao aumento de custos e ao crescente desinteresse de jovens pelo futebol. De fato, uma pesquisa recente da Associação de Clubes Europeus mostrou que 40% dos entrevistados entre 16 e 24 anos não seguem o esporte — problema que não será resolvido apenas com uma liga fechada. Quanto aos custos, Karl Rummenigge, ex-artilheiro e presidente do Bayern de Munique, que se recusou a participar da iniciativa, foi certeiro: “A solução é reduzir despesas”. A Superliga não é a panaceia dos grandes clubes para salvar as estruturas bilionárias que eles mesmos criaram com contratações estelares ao longo dos anos. Na pandemia, essas estruturas desabaram, mas a reconstrução não passa pela criação de uma elite — e, sim, por um ajuste orçamentário. Bem-vindos à divisão dos mais pobres.

Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735

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