A volta de Danilo, o craque do Corinthians sem pinta de boleiro
Ídolo de corintianos – e também de tricolores – fala sobre lesão gravíssima, glórias da carreira e frustração com seleção. E, aos 37, rejeita aposentadoria
Apesar do frio intenso no centro de treinamento do Corinthians, Danilo chegou de bermuda e chinelo, exibindo as marcas da primeira e única lesão grave de sua carreira. O veterano de 37 anos, campeão por onde passou, está há nove meses sem jogar por causa das fraturas na tíbia e na fíbula sofridas em um treino, em agosto do ano passado. Em fase final de recuperação, o sempre discreto Danilo garantiu, com arrastado sotaque mineiro: jamais pensou em desistir, apesar de ter sofrido até risco de amputação da perna. Em entrevista exclusiva, o meio-campista que deu 24 voltas olímpicas na carreira relembrou suas glórias, a passagem pelo São Paulo, a frustração por jamais ter sido lembrado para a seleção brasileira e detalhou seu estilo de vida, fora do padrão dos “boleiros”.
Danilo vai fazer 38 anos em junho e voltou a treinar no gramado em abril, mas ainda não tem data para estar à disposição do técnico Fabio Carille. No ano passado, logo após se lesionar, teve seu contrato renovado até dezembro de 2017. E espera retribuir o apoio do clube, sem pensar em aposentadoria. “Nunca perdi a vontade de jogar, sempre pensei em me recuperar, voltar bem e dar a volta por cima. Venho todo dia trabalhar pensando nisso.”
Nascido em São Gotardo (MG) e criado na vizinha Ibiá, Danilo é um caipira convicto, daqueles que não dispensa música sertaneja e uma boa pescaria com os amigos. E se adaptou bem à agitada capital paulista, onde vive com a mulher Mirian e os três filhos. Foge da imagem de “boleirão”: não tem assessor pessoal, é recatado nas redes sociais, fala pouco sobre religião, usa chuteira preta (ou, no máximo, branca) e não tem grandes vaidades. “Esse é meu jeito e não vejo por que mudar.”
Danilo não acredita que seu estilo tenha relação com o fato de jamais ter sido convocado para a seleção brasileira. “A concorrência é forte, na minha posição sempre há jogadores de qualidade, arrebentando na Europa…” E admite uma ponta de frustração. “Só vai faltar a seleção quando eu parar.” Ídolo também no Goiás, no Kashima Antlers, e no São Paulo, Danilo é respeitoso ao falar do tradicional adversário. “Ninguém vai apagar minha história por lá. Recebo quase a mesma quantidade de pedidos para tirar fotos com são-paulinos e corintianos”, diz, antes de explicar por que faltou à despedida de Rogério Ceni, em 2015. “Não cairia bem.”
O meia canhoto é chamado de “Zida” pelos companheiros de clube, um acrônimo do apelido “Zidanilo”, que admite gostar. “Agradeço aos torcedores, mas cada um tem seu tamanho. O Zidane jogou demais”. E eleva o tom de voz quando o assunto é lentidão em campo. “Se tiver um jogador rápido no meio-campo, para dar lançamento, um passe diferente, ele não vai dar conta. Na posição que jogo, não preciso ser veloz, preciso ser inteligente.”
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A seguir, a entrevista completa com Danilo:
Como está a sua recuperação? Hoje me sinto muito bem, melhorando dia a dia. Foi uma lesão muito complicada, tem de ter paciência. Um dia evolui bem, no outro mais ou menos. Em breve espero estar de volta.
O doutor Joaquim Grava chegou a dizer que você correu o risco de amputar a perna. É verdade, foi uma lesão muito séria, fíbula, tíbia, artéria, pegou um nervo. Talvez se estivesse em algum lugar longe, não tivéssemos as condições que temos aqui perto, poderia ter acontecido alguma coisa pior.
Esta foi a única lesão grave de sua carreira. Como foi ter de passar por isso já veterano? Tem de superar, ter cabeça boa. Nunca tive problema de joelho ou feito cirurgia, e aconteceu agora na fase final da carreira. Mas acho que nada é por acaso. Sempre pensei em me recuperar. Venho todo dia trabalhar pensando nisso.
A renovação de contrato com você lesionado o surpreendeu? Não. O Corinthians me dá toda a estrutura, e conheço bem o clube, a diretoria. Acho que se fosse outro jogador, fariam a mesma coisa.
Já se sente um ídolo do clube? Não tenho essa noção, mas sei que futebol é história, e o que fica marcado são as conquistas. Participei de momentos decisivos, sou um dos jogadores que mais atua todo ano. Essa história nunca será apagada.
Você foi decisivo em vários jogos. Acredita em sorte ou é tudo mérito? Acho que é trabalho, porque só sorte não adianta. É a colocação em campo, acreditar na jogada que ninguém espera. Tenho de agradecer a Deus por estar sempre no lugar certo na hora certa.
Qual o gol mais marcante no Corinthians? Foi contra o Santos no Pacaembu (na semifinal da Libertadores de 2012). Estava 1 a 0 para o Santos e eles pressionado. Se não fizéssemos o gol naquele momento, seria difícil segurar o time deles com Neymar e Ganso. Aquele gol saiu na hora certa, porque a partir dele nossa equipe cresceu e não deixou o Santos jogar.
Você também tem uma história vitoriosa no São Paulo. Como é a relação na rua com o torcedor tricolor? Já chegou a ser repreendido? Não. Nunca falei mal de clube nenhum, respeito todo mundo. Tenho uma história lá que ninguém vai apagar, foi uma passagem muito boa, fomos campeões de tudo. Recebo quase a mesma quantidade de pedidos para tirar fotos com são-paulinos e corintianos
Por que não foi à despedida do Rogério Ceni com os campeões mundiais de 2005? Se eu não estivesse no Corinthians, com certeza eu iria. Lógico que queria estar lá, o Rogério foi um companheiro meu de muito tempo. Mas em janeiro ia me apresentar no Corinthians, não cairia bem. Ele entendeu, sabemos que a rivalidade é muito grande e, no fim, deu tudo certo.
Você tem um perfil diferente da maioria dos “boleiros”. Acha que isso pode ter te prejudicado na carreira? Não, acho que isso me ajudou. Esse é o meu jeito, desde que eu saí da minha cidade, Ibiá (MG), eu sou assim e não vejo por que mudar só porque virei jogador.
Costuma voltar a Ibiá? O que gosta de fazer por lá nos momentos de lazer? Meus pais ainda moram lá e sempre volto nas férias, para rever família, amigos. Vamos pescar na beira do rio. Aqui ficamos nessa correria de jogos. Também vou a Goiânia, onde tenho casa – vou morar lá quando encerrar a carreira.
Como foi a experiência nos três anos em que atuou no Kashima Antlers? Foi um período muito bom. O time não era campeão havia seis anos, e depois que eu e o Oswaldo de Oliveira (treinador) chegamos, conseguimos ganhar tudo. A torcida fazia festa, ninguém brigava, ganhando ou perdendo todo mundo respeitava, o torcedor aplaudia, era exemplar. Aprendi pouco do idioma, porque tinha intérprete, então relaxei, só me virava com o básico. Tenho saudades até hoje.
Chegou a ter propostas da Europa? Tinha esse objetivo? Nunca tive proposta do exterior além do Japão. Claro que eu gostaria de ter jogado uma Liga dos Campeões, é o sonho de todos. Sou muito agradecido com a carreira que eu tive.
Apesar de todas as conquistas, você também nunca recebeu uma chance na seleção brasileira. Isso te magoa?Seleção depende muito de momento. Em 2005, por exemplo, eu estava muito bem, mas outros jogadores da minha posição também estavam, como Ronaldinho, Kaká, Alex… Então era difícil. Só vai faltar a seleção quando eu parar, mas futebol é assim. Estou tranquilo e tento seguir minha vida normal.
Acha que esse seu jeito simples, pouco midiático, pode ter te prejudicado nas convocações? Não vejo por esse lado. A concorrência é forte, na minha posição sempre tem jogadores de qualidade.
Acha que faltam jogadores com sua característica no Brasil? Sim. O futebol hoje é só marcação, tem time que joga sem nenhum meia, só com volante e atacante. Hoje, se o jogador não marca ele não joga. Gosto de jogador de qualidade, que bate diferente na bola, segura a bola, faz o time respirar. Como manter a posse de bola sem meias?
Como é a sua relação com os meninos da base? Procuro ajudar sempre, mas o mais importante é ter muita vontade de jogar, com humildade, pés no chão. Quando eles veem um jogador mais velho que treina, rala, isso serve de espelho. Ninguém joga só com nome.
Hoje vemos jogadores alongando bem a carreira. O que proporcionou essa longevidade e até quando você pretende jogar? Penso jogo a jogo, ano a ano, é difícil prever. Sou um atleta que treina muito e isso me ajuda, porque futebol é sequência. E também depende da cabeça, tem de gostar de treinar, concentrar. Muitos jogadores desta faixa etária não querem mais passar por isso e aí, sim, acho que é a hora de parar.
Você pensa em ser treinador? Não, não. A princípio não penso nisso, só em voltar bem e jogar.