Entrevista que antecede a estreia contra a Suíça teve piadas, abraços e até aplausos ao treinador que mudou o ambiente da seleção brasileira
ROSTOV – “Me cai bem esse ‘Tité’. É bem diferente do Scolari, né?!”. A impressão de um jornalista espanhol, antes mesmo de a entrevista começar, dá o tom de quanto o ambiente da seleção brasileira se tornou mais leve depois que Adenor Leonardo Bachi assumiu o cargo. Tite é metódico, tem um discurso empolado e às vezes até enfadonho, mas também é carismático, respeitoso e sempre disponível. Tanto que até sua primeira coletiva “padrão Fifa” – geralmente algo frio e com normas rigorosas – ganhou momentos de descontração e troca de ideias. E terminou com selfies, abraços, desejos de boa sorte e até alguns tímidos aplausos. Como Tite adora repetir: não dá para controlar o resultado do jogo, no caso a estreia da Copa, diante da Suíça, neste domingo. Mas a energia que rodeia a seleção é a melhor possível.
O Brasil já começou quebrando o protocolo. Diferente do que ocorreu nas entrevistas pré-jogo de outras seleções, o time não mandou apenas o treinador e um atleta à coletiva; foi também o auxiliar técnico Cleber Xavier, braço-direito de Tite há 17 anos, uma prática que já vinha sendo adotada nas Eliminatórias e amistosos. E Cleber não foi um mero espectador, ao contrário: foi quem falou sobre importantes aspectos táticos – e ainda arrancou risos com piadas sobre o problema em seu microfone. Aspas fortes? Poucas, até porque o ambiente na seleção é de tamanha calmaria e ausência de surpresas, que não havia espaço para declarações bombásticas.
Se na coletiva de Portugal, o técnico Fernando Santos achou quase absurda a pergunta de um repórter que gostaria de saber a formação do time, na de Tite o questionamento nem sequer precisou ser feito. Todos já sabiam que o time seria o mesmo que brilhou nos últimos amistosos contra a Croácia e no jogo contra a Áustria, com Willian, Philippe Coutinho, Neymar e Gabriel Jesus na frente. O técnico abriu mão do tradicional mistério para confundir o adversário. “Esse time vai se mostrar em campo, ele se forja, se fortalece com os jogos. Hoje esse é o time da Copa, mais para frente eu não sei”, se limitou a dizer Tite.
A primeira pergunta foi espinhosa, sobre as declarações de coronel Nunes, o atrapalhado presidente da CBF. Tite disse apenas que estava focado em seu próprio trabalho. Diante da insistência do repórter, sorriu. “Não acho nada, não”, e partiu para a próxima pergunta. Voltou a sorrir outras vezes, como quando contou que não precisa de remédios para dormir – “fiz nove cirurgias, tenho aversão, tenho outras formas de administrar meus fantasminhas” – ou quando falou dos recados carinhosos que recebe – “Incentivo, mas com cobrança. ‘Pô, que legal, a seleção está bem, parabéns… mas olha, traz a taça para nós, hein.”
Até mesmo Marcelo, eleito o primeiro capitão no rodízio de braçadeiras na Copa, estava mais solto que de costume. E deu os méritos pelo bom momento aos chefes. “Já falei varias vezes que o professor e sua comissão mudaram a cara da seleção. Eles passam tudo mastigadinho, fica mais fácil entender o método.” Tite, porém, vacinado pelos altos e baixos da vida de treinador, fez questão de minimizar sua popularidade. “Não sou unanimidade e isso não me envaidece. Eu tenho respeito das pessoas, mas tem muita gente que não gosta do meu estilo, nem de mim, e tem outros que têm conflito pessoal comigo. Mas o respeito é legal sempre existir.”
Ao jornalista espanhol que o elogiou minutos antes, Tite foi honesto ao falar do empate entre Portugal e Espanha, no dia anterior. “Para ser sincero, eu só vi os gols. Eu poderia ser simpático e te dar uma resposta, mas não teria embasamento.” Quando o canhoto Marcelo contou que entrou no gramado da Arena Rostov com o pé direito, para dar sorte, Tite completou. “Eu entrei com o esquerdo, mas depois voltei e entrei de novo com o direito”. E Marcelo usou uma frase que diversas vezes já saiu da boca de Tite. “A sorte está do lado de quem trabalha.”
O treinador ressaltou que o resultado da estreia é menos importante do que muitas vezes o folclore do futebol faz parecer, com um dado do Centro de Pesquisa e Análise da CBF, mais uma vez para valorizar sua equipe. “O CPA trouxe uma característica diferente do que eu pensava. Não temos necessariamente de ganhar o primeiro jogo, temos é de ter um grande desempenho, porque a história das Copas mostra que com sete pontos, todos se classificaram, com seis também, e com cinco também. Não tem de haver desespero.”
Ao fim da entrevista, algo bastante incomum: Tite recebeu algumas palmas, provavelmente dos jornalistas estrangeiros. Ainda ganhou desejos de boa sorte, aos quais respondeu, olhando nos olhos do interlocutor, “Obrigado, preciso!”, e até um presente de um produtor de televisão. Cleber Xavier, por sua vez, trocou ideias sobre a formação da Suíça com os repórteres. Tudo muito aberto e leve. Como não se via há várias Copas.