A sina de Ceni, amado no Morumbi e detestado pelos rivais
Gloriosa carreira do ídolo tricolor não foi marcada só por alegrias e admiração. Ao longo de 23 anos, Rogério também acumulou confusões e desafetos
Rogério Ceni jamais passa despercebido. O ídolo do São Paulo que pendurará luvas e chuteiras nesta sexta-feira é daquelas figuras que provocam os mais antagônicos sentimentos em seus espectadores. A personalidade forte, a inteligência e a retórica incomum do goleiro-artilheiro muitas vezes foram confundidas com arrogância. E, inegavelmente, muitas vezes Rogério foi, sim, prepotente – e, sobretudo, irritante para os rivais. Tal qual um Cristiano Ronaldo das traves, o paranaense de Pato Branco sabia que era diferente dos outros, dentro e fora de campo. Um goleiro que defende e também marca gols (alguns belíssimos e decisivos), um líder em conquistas históricas, um exemplo raríssimo de fidelidade a uma camisa. E também um jogador vaidoso e, por vezes, rabugento, com um ar de dono da razão – mas sempre com bons argumentos e habilidade para se expressar. Em 23 anos de carreira profissional, Rogério Ceni cumpriu seu destino com perfeição: foi amado por sua torcida e odiado por todas as outras, quase na mesma proporção.
Os feitos do capitão Ceni, o ‘mito’ são-paulino
A fama de “chato” – popularizada com o vazamento de um desabafo do narrador Milton Leite durante uma transmissão – acompanha o atleta vindo do Sinop, do Mato Grosso, desde os primeiros anos de profissão. Não necessariamente por ser uma pessoa desagradável, mas principalmente por sua seriedade e profissionalismo – outras características que Rogério possuía acima da média. Treinadores e companheiros sempre destacaram a intensidade com a qual Rogério se entregou ao São Paulo e à profissão. Mas, por vezes, sua personalidade também lhe causou problemas, tanto no clube quanto na seleção brasileira – onde não conseguiu repetir as façanhas do Morumbi. Pela equipe nacional, Rogério viveu uma das primeiras confusões de sua carreira ao se negar a raspar o cabelo como fizeram todos os outros companheiros na Copa das Confederações de 1997. A contragosto, teve que abrir mãos dos fios – que ainda eram bem mais vastos na época – e, segundo ele próprio, ficou sem clima na equipe dirigida por Zagallo.
Os desentendimentos com treinadores se repetiram ao longo das quase duas décadas seguintes: Ney Franco foi a figura mais emblemática entre aqueles que caíram na armadilha de bater de frente com a figura mais influente do elenco. Rivais também entraram em rota de colisão com o goleiro-artilheiro, como os igualmente controversos Valdivia e Neymar. Em outro quebra-pau público, quando teve sua honestidade desafiada por uma jornalista, Rogério entrou de sola: “invadiu” um programa de TV ao vivo pelo telefone e prometeu processá-la. Cumpriu e ganhou a ação. Houve ainda o momento mais temido dos goleiros e apreciado pelos rivais: o frango. Humanamente, Rogério falhou muitas vezes ao longo de seus 1237 jogos pelo São Paulo e, em algumas delas, não assumiu o erro. Provavelmente por orgulho. O mesmo orgulho que impede os rivais de admitir: todos gostariam de ter um Rogério Ceni, com seus defeitos e virtudes, em seu time.
http://www.youtube.com/embed/G7YL5SrLpx8?rel=0
Desastre no Camp Nou
Em abril de 1999, Rogério ganhou uma nova e excelente chance na seleção, em amistoso festivo diante do Barcelona, no centenário do clube catalão. O goleiro, no entanto, viveu um dos piores momentos de sua carreira no Camp Nou: falhou nos dois gols do Barça no empate em 2 a 2, e, em seguida, culpou a chuva e a falta de sorte pelos gols — fato que desagradou o técnico Vanderlei Luxemburgo e aumentou ainda mais sua rejeição com os torcedores não são-paulinos da seleção.
http://www.youtube.com/embed/OnSkFnFjsSs?rel=0
“Você vai ter que provar”
O caso do suposto contrato forjado continuou perseguindo Rogério. Em 2006, vivendo uma das melhores fases de sua carreira, foi surpreendido pela declaração da jornalista Milly Lacombe, então no SporTV. “Eu não consigo olhar pro Rogério e deixar de lembrar de quando ele forjou a assinatura do Arsenal…”, acusou, sem provas, a jornalista (clique aqui para ver este trecho). Para o azar de Milly, Rogério estava vendo o programa e não perdoou. Ligou pedindo para entrar no ar e, em um dos maiores barracos da TV brasileira, prometeu processá-la por acusá-lo sem provas. Ganhou a ação anos depois.
http://www.youtube.com/embed/mlLH9qUT7h8?rel=0
“Não têm estádio”
Rogério, apesar de uma figura tão controversa, não era muito afeito a troca de farpas via imprensa. Foram raras as vezes em que provocou os rivais nos microfones. Mas em uma delas, o goleiro não perdeu a chance de alfinetar os corintianos, perguntado sobre mais uma festa da torcida rival no Morumbi, pouco antes do fim do Brasileirão de 2005. “Eles não têm estádio, né?! Têm que gritar aqui mesmo”, alfinetou, numa época em que o Itaquerão ainda não passava de um sonho para o rival.