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50 anos do Tri: Brasil! IL! IL! IL!… Nos vemos em meio século!

Às vésperas de voltar ao Século XXI, o Comentarista do Futuro sorve últimas tequilas de alumbramento após testemunhar terceiro título mundial do Brasil

Cidade do México, 21 de junho de 1970

“É triiii! É triii! É triiii!”, foi só o que consegui gritar após esse jogo épico, já no vestiário, abraçado a um Pelé suado e de cuecas e a um tal Carlos Eduardo, com calça boca-de-sino, que depois me falou do seu sonho em ser narrador de futebol. O sobrenome não lembro. Galvão alguma coisa. Juntos éramos apenas dois dos “90 milhões em ação”. O Rei, que já tinha acertado de tudo nesse Mundial, até uma cotovelada num uruguaio, agora deu cabeçada e soco certeiros, mas este último no ar, cristalizando uma imagem que acompanhará todos vocês, queridos torcedores dos anos 70, para sempre.

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Na cabeça e no coração, pois será perigosa a sua publicação. Poucos anos antes de 2020, de onde vim, o autor da fotografia mais marcante deste gesto do Rei, colhida após tento na estreia do Brasil nesta Copa, levou uma “baba” da Globo pelo fato de ter reproduzido o flagrante em seus veículos de imprensa sem autorização. Por precaução, inclusive, caros editores da PLACAR, recomendo não ilustrar o texto com essa tela expressionista (ao menos a que leve a assinatura desse artista). Mas sobre o jogo não faltarão, nos próximos 50 anos, quadros gravados na memória afetiva dos amantes da bola. Em especial o tento do “Capita”, o derradeiro nesse Brasil 4 x 1 Itália. A mais perfeita pintura do futebol.

Carlos Alberto Torres comemora o gol que fechou a goleada do Brasil sobre a Itália na final da Copa do Mundo de 1970
Carlos Alberto Torres comemora o gol que fechou a goleada do Brasil sobre a Itália na final da Copa do Mundo de 1970 Lemyr Martins/Placar

A única nota triste desta tarde de domingo foi ter que sair de Guadalajara e despencar para a capital mexicana. Tentei mexer meus pauzinhos na Fifa mas descobri que o João Havelange só será eleito presidente em 1974. Sacanagem… Foram 550 quilômetros! Eu vim de “busão”, sete horas de asfalto. Mas o Azteca fez a viagem valer a pena. Que estádio! Teremos uma segunda final de Copa aqui! Até 2020, só o Maraca terá tamanha distinção. Ontem a temperatura aqui não era exatamente aquela ideal para o esporte bretão, mas dei sorte de encontrar, do lado de fora do estádio, alguns daqueles amigos que fiz no México e já citei nessas resenhas sobre minha jornada na máquina do tempo: José Cuervo, que ontem me apresentou seu irmão gêmeo (mais clarinho…), a Marguerita, Paloma… É mole? Ou melhor: é guacamole?

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O clássico gesto do soco no ar de Pelé, registrado pelo fotógrafo Lemyr Martins, em versão colorizada Reprodução/Placar

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E que beleza foi poder ver assim, de perto e na íntegra, esse nosso Brasil tricampeão mundial. Um time que joga pra frente e não gasta passes laterais. E em homenagem a esse estilo do escrete também hoje não desperdiçarei palavras para registrar o minuto a minuto desse certame. No próximo século teremos um treco chamado Twitter, uma pandemia que, como outros sistemas de comunicação, nunca saberemos ao certo se vai aproximar ou afastar as pessoas. Seja como for, chamaremos essas coisas de “rede social”. Inicialmente, o “tuíter” permitirá que enviemos mensagens de apenas 140 toques, ou caracteres, pra todos entenderem. Depois, talvez pressionado por locutores de turfe, aumentará essa linha defensiva para 280 letrinhas. Vou mostrar a vocês como é:

Menos de 2 minutos de jogo, perigoso chute italiano. Félix! Ainda descubro quem fez a fama de mau desta “jovem guarda” nacional (32, um garoto, sob a ótica de 2020). Antes dos 5, troco do Brasil. Adivinha de quem? Everaldo, claro. Amo! Até os 15, o famoso “lá e cá”, a Itália mais perigosa.

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Pronto: 280 toques. Poderia “tuitar”, se possível já fosse. Aposto que você foi conferir… Gorjeios assim serão aos milhões. Com um detalhe: eu tentaria redigir de uma forma que convencesse a todos que sou um tipo inteligente. Mas gênio mesmo foi Pelé, que, aos 17 minutos, quase 18, subiu o Monte Branco (o ponto mais alto da Itália. Vai estudar, bambino!!) e de cocuruto fez Brasil 1 a 0. Detalhe: em todas as finais de Copa pós-Guerra pra cá, quem saiu na frente no placar terminou derrotado. Na nossa história particular, inclusive, foi assim em 1950, quando largamos na frente e levamos o troco, assim como em 58 e 62, mas aí fomos nós que viramos. Mal presságio? Que nada… Abrimos o placar e vencemos. Mas é importante deixar aqui um alerta aos demais países. Ao menos até 2020, acontecerão mais duas finais de Copa em que a Seleção que vai abrir o placar terminará derrotada… Façam suas apostas.

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As seleções da Itália e do Brasil antes do início da decisão da Copa do Mundo do México-1970
As seleções da Itália e do Brasil antes do início da decisão da Copa do Mundo do México-1970 Lemyr Martins/Placar

Foi uma aula de futebol. Todos os conceitos e esquemas táticos já criados puderam ser vistos ontem no escrete canarinho. E também muitos que ainda serão criados no futuro. Eu vi o Brasil fazendo ponto futuro, “overlapping”, WM, 4-3-3, carrossel, o escambau… Recapitulando: 30 minutos da etapa inicial, a seleção toca a bola, criando algo que no futuro será chamado de “Tiki-taka”, ou “Tic-tac”. Brasil ainda girando a pelota. Everaldo, claro, é o maestro. Meia cancha, lado esquerdo da nossa defesa, ele e Gérson ensaiam uma tabelinha… Everaldo erra. Acontece.

Aos 31, Brito corta um lance de gol para os italianos. Que Copa faz esse Brito, outro injustiçado pelo tempo, como Félix, o Papel. Já 44 minutos da primeira etapa: cartão amarelo para Riva, o brasileiro, não este xará italiano, farsante como pizza de chocolate. Aos 44 e pouco… Gol de Pelé! Mas o juiz invalida. Diz que já tinha acabado o primeiro tempo. Aí só mandando um: “´É brin-ca-dei-raaaaa!” (usei este bordão ao visitar a concentração e Gérson, nosso Canhotinha, adorou!). Fossem validados os gols e assinalados os pênaltis em Pelé em 70, vaticino, chegaríamos em 2020, de onde venho, como o país do maior artilheiro da história dos Mundiais. Aviso que até estaremos nesta posição no futuro, com um atacante de nome Ronaldo, mas por curto período, logo superados por uma jamanta de nome Klose, que será uma espécie de Dadá Maravilha alemão. E aproveitando as raízes anglo-saxônicas deste cidadão: Close! Fechem-se os panos sobre este assunto.

Eu quero saber é de taça na mão, meu filho! Ainda sobre o gol mal anulado do Pelé, preciso contar: sentado ali no Azteca, petiscando tortillas e saboreando na memória os cachorros-quentes da Geneal do Maraca, lembrei que, em alguns anos, seremos vítimas de outra arbitrariedade idêntica. Anotem e me cobrem: Copa de 78, Zico, nosso 10, já falei dele aos senhores e senhoras, dará uma cabeçada desempatando um incômodo 1 x 1 com a Suécia, e um juizinho lá também acudirá as braçolas indicando fim de papo. Dizendo que apitou antes do gol. Ah, para com isso… Cadê o Mario Vianna? Depois não venham dizer que o Brasil é ajudado pela Fifa nas Copas… Isso é papo de argentino.

Pelé e Tostão na final entre Brasil e Itália, no Estádio Azteca, na Copa do México-1970
Pelé e Tostão na final entre Brasil e Itália, no Estádio Azteca, na Copa do México-1970 Lemyr Martins/Placar

No Azteca, a partida seguia sob controle, mas é mister registrar aqui um lance nunca depois na história desse país relevado – e revelado: aos 32, o jovem Clodoaldo recebe a bola pela lateral-direita, ainda no nosso campo, e devolve num gesto que agora descubro ter sido premonitório: de calcanhar! Estava ali anunciado, embora nenhum dos 107 412 torcedores no estádio soubesse, o desastre que se avizinhava: minutos depois ele cochila e, pimba!, empate dos mozzarellas. De onde eu estava no estádio, deu pra ouvir o berro indignado do Geraldo José de Almeida, narrador: “Que-que é isso, minha gente???” Geraldo está aqui com o Armando e outros globais – o Galvão não. Era brincadeira. Mas em 74 ele fará sua primeira Copa do Mundo como locutor. Sei lá porque mas na minha cabeça veio a voz do Luís Roberto, outro talento da locução nos anos 2020: “Sabe de quem? Sabe de quem?”… Boninsegna. Sim, ele mesmo, dois gols contra a Alemanha na semifinal e agora esse. O sujeito é muito melhor que uma simples mozzarella. Calabresa com cebola!

Mas voltemos à análise sobre Clodô. Ninguém aqui na Cidade do México ainda conhece mas, no futuro, definiremos atitudes de “excesso de confiança” no futebol com apenas cinco letras: MARRA. E teremos filósofos dissertando sobre o tema em campo, anotem: Neymar, por exemplo, e Romário, o Platão do conceito. Ah, já ia me esquecendo, Renato Gaúcho, o Aristóteles… Preciso ainda dar o spoiler de que Clodoaldo não se candidatará a entrar para o Museu do Futebol – sim, teremos isso – sozinho, caso algum dia viermos a criar uma “Sala das grandes pisadas na bola do Brasil em Copas”. No Mundial da Espanha, 82, um exímio “volante” (nota do editor: no futuro será esse o nome dos “Clodoaldos”, jogadores que serão cabeças “de área” e não “de bagre”), atleta do Atlético Mineiro (alô, tio Pedrinho! O Galo será campeão brasileiro ano que vem, 71! Depois não mais…), vai dar um “mole” muito parecido e entregar de bandeja um gol pra Itália no próximo embate que teremos contra esses mafiosos… Putz… Vou ter que contar aqui este ato da ópera…

Palco da tragédia: Sarriá, Itália. O melhor Brasil que surgirá após este triunfo do México estará jogando em ritmo de samba – mas samba mesmo, de estirpe bem melhor do que “Voa Canarinho, Voa…”, um pagode de quinta que um de nossos laterais vai lançar dias antes do Mundial. Preciso dizer, porém, que o futebol deste lateral pagodeiro estará em outro patamar: no campo dos Cartolas, Zé Kétis… Mas a parte B desse samba desafina feio pra nós. Preparem-se para este momento, amigos, pois será aquele em que mais vou chorar nos próximos 50 anos como torcedor, um legítimo “Pacheco”… Ah, não! Esse vocês terão que aguardar alguns anos pra conhecer. Assim como a campanha do dedinho “número um” e as tantas melodias que ainda serão criadas para embalar Copas. Alô, Som Livre! Aviso que nunca mais teremos uma toada patriótica em Mundiais como esse “90 milhões em ação”. Mas teremos tarantelas em ode a Paolo Rossi. Melhor voltarmos ao Azteca, segundo tempo…

O clima era tenso. Afinal, essa Itália também sabe jogar, mesmo tendo feito uma campanha “maomeno”, empatando em 0 x 0 até com Israel, que no futebol não chega a ser uma potência, com diz ser entre os Exércitos. Para os próximos anos, só crescerá a tal ideia de que a Itália é aquela seleção “que não se pode deixar chegar”. Mas quando o jogo está duro, quem aparece reproduzindo suas jogadas geniais? Gérson! Não é à toa que este careca ganhou o apelido de Papagaio, tantas vezes ele repete lançamentos e tiros certeiros. Ou será porque ele fala muito? Deve ser, pois no futuro será estrela nos campos do rádio. Por falar nisso: “Tem peixe na rede!”, gritou Waldir Amaral, se levantando nas Tribunas (esse nome cairá em desuso, engraçado…).

Tostão comemora gol do Brasil na final contra a Itália, no Estádio Azteca, na Copa do Mundo de 1970
Tostão comemora gol do Brasil na final contra a Itália, no Estádio Azteca, na Copa do Mundo de 1970 Lemyr Martins/Placar

Depois foi aquele baile que todos vimos – eu, agora, mais do que ninguém, pois sou o único a ter assistido no contexto de 70 e depois em 2020, nas comemorações dos 50 anos desta final. E vos digo: o futebol era mesmo diferente. A rede era de barbante preto, capitão não usava faixa no braço (o Facchetti, na final, tinha) e nosso goleiro não gostava de luvas (Félix estreou as dele no jogo). E fechamos “o mundial dos mundiais” com chave-de-ouro, aquele lance já enaltecido aqui, que tem início lá atrás, com uma sequência de dribles do Clodoaldo. Um lance assim, perfeito, não se repetirá jamais. E Itália na final de Copa com a gente só mais uma vez, por favor! E desde que cumpram uma condição: escalem o Baggio, um futuro camisa 10 deles que será exímio cobrador de pênaltis. Quando chegar este dia, botem o homem pra jogar! Ah, Baresi e Massaro também… Não erram um…

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