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Na disputa por medalha, o nome do jogo é atitude

A quatro anos da Olimpíada no Rio, chegou a hora de entender que no pódio só cabem heróis dedicados e muito bem treinados – apesar do fenomenal estoicismo de atletas que trocam a vida pelo esporte, mas falham na hora da decisão

O medalhista de ouro Arthur Zanetti, campeão das argolas na ginástica artística, filho de uma analista contábil e do dono de uma mecânica industrial em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, há quatro anos repete diariamente a rotina de movimentos que o levou ao pódio em Londres. O atleta divide o quarto com o irmão. A parte de baixo do beliche é sua. Por imposição da carreira, ele precisa dormir cedo – o irmão, Victor, ao chegar mais tarde, põe uma toalha em cima da luminária para não incomodar o sono do jovem, que, aos 22 anos, virou herói. Herói depois de uma lesão no punho e uma cirurgia no ombro direito. Zanetti, pela vida absurdamente dedicada, é um exemplo do esforço, estoicismo e resistência de verdadeiros atletas olímpicos – como os da natação, para citar outro esporte, que passam horas e horas contando azulejos no fundo da piscina. São seres humanos excepcionais. Infelizmente, essa é uma condição que não basta quando chega a hora de uma Olimpíada. É preciso que eles saiam dos Jogos maiores do que quando entraram.

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Fabiana Murer, favorita ao pódio no salto com vara, saiu menor do que entrou. Culpa dela? Não, da natureza. “Comecei a correr e senti um vento forte”, disse, e em seguida justificou a desistência no terceiro salto: “Era até perigoso me machucar se tentasse”. A russa campeoníssima Yelena Isinbaeva não entendeu nem concorda com a decisão da brasileira: “Uma atleta do nível dela não desiste nunca”. Cesar Cielo é outro que saiu menor do que estava quando chegou. Foi ouro nos 50 metros em Pequim. Sai com o bronze de Londres. Atribuiu o desempenho abaixo do esperado ao fato de ter disputado a prova dos 100 metros dois dias antes. Se olhasse para o lado, Cielo procuraria outra explicação. O americano Michael Phelps, com duas dezenas de medalhas olímpicas, entrou e saiu da piscina mais vezes do que Cielo do ônibus da delegação. O russo Alexander Popov, campeão dos 50 e dos 100 metros no passado, explicou o desempenho de Cielo melhor do que o próprio brasileiro: “Prova olímpica é vencida pelo mais forte. Tinha gente mais forte do que Cielo na piscina”. Thiago Pereira, fenomenal prata nos 400 medley, deixou para trás Phelps e também o temor de se indispor com atletas da própria equipe. Disse Thiago: “Faltou um pouco de comprometimento das nadadoras brasileiras. Lá nos Estados Unidos, tem mulher que fica que nem a gente, não raspa nada e só raspa para melhorar na hora da prova. Aqui, como posso dizer, tem mais vaidade”. A medalha de ouro da desculpa mais esfarrapada da delegação brasileira vai para o cavaleiro José Roberto Reynoso: “A cultura europeia é voltada para o cavalo, no Brasil a pessoa é voltada a ter cachorro em casa”. Ou seja, as magníficas vitórias de cavaleiros brasileiros em Olimpíadas passadas só poderiam ser explicadas como manifestações de contracultura? Reynoso, então, só vencerá uma prova olímpica quando a cultura brasileira mudar de cachorro para cavalo? Claro que não.

Imagem do infográfico sobre a apresentação de Arthur Zanetti, ginasta que ganhou a medalha de ouro nas argolas em Londres 2012
Imagem do infográfico sobre a apresentação de Arthur Zanetti, ginasta que ganhou a medalha de ouro nas argolas em Londres 2012 VEJA

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Há dois tipos de atleta em uma Olimpíada: os que vão sabendo que podem ganhar uma medalha e os que sabem não ter chance alguma. Entre os vencedores, tudo se perdoa. Eles podem rir, chorar no pódio, fazer extravagâncias, ser exibicionistas como Usain Bolt e suas flechadas. Asseguram, enfim, seu lugar no panteão dos heróis olímpicos. Até sexta-feira passada, o Brasil contava com um total de 22 ouros desde a primeira participação do país em uma Olimpíada, em 1920. São três a menos do que os conquistados pela Grã-Bretanha só nos Jogos deste ano. O Brasil está longe de ser uma potência esportiva, mas, caminhando para sediar uma Olimpíada em 2016, está passando da hora de começar a selecionar e formar atletas vencedores – antes que se abra a guarda para explicações genéricas antropológicas e depreciativas dando conta de que “o brasileiro é alegre, expansivo, faz amigos com facilidade, mas não tem as virtudes necessárias para ser um campeão olímpico”. O ciclista belga Gijs van Hoecke, 15º lugar na categoria Omnium, saiu carregado de uma festa e foi repatriado, antes que a sociologia de botequim visse no comportamento dele a confirmação de que “esses belgas são bons mesmo é de copo”.

Ser derrotado não é desonra. Sofrer um acidente no treino em meio a uma prova faz parte do cotidiano de um atleta de alto nível. Mas os grandes campeões sempre sabem por que ganharam e por que perderam – e nunca põem a culpa em fenômenos sobre os quais não têm controle: o vento e a cultura do país. Com base na história das delegações que melhoraram sobremaneira o desempenho geral de uma Olimpíada para outra, tem-se como lição – e quase como uma regra – que o saldo positivo de um atleta, em especial na natação e no atletismo, que não ganhou medalha olímpica em um esporte individual se mede objetivamente pela sua conquista do melhor desempenho de sua carreira. Isso mostra que ele se superou. Chegou ao auge de seu potencial atual na Olimpíada, que é o palco adequado para essa demonstração. Bater um recorde nacional ou um recorde continental também dá a medida objetiva de um atleta que, mesmo de pescoço vazio, saiu dos Jogos tendo sido um honrado representante do espírito olímpico – citius, altius, fortius, os termos em latim para “mais rápido, mais alto, mais forte”.

Fazer seu melhor tempo, bater o recorde continental ou o nacional é uma demonstração de que o atleta chegou à Olimpíada ao cabo de uma programação racional de trabalho, que ele e seu treinador sabem em que ponto da carreira está o esportista e como ele se compara aos demais da sua categoria. Esse tipo de atleta, quando entrevistado depois da prova, não chora, não ri nervosamente – principalmente, dá respostas coerentes. O campeão olímpico Zanetti já foi muito criticado por exibir-se apenas nas argolas. Mas seu técnico, Marcos Goto, percebeu, desde os 7 anos de Arthur, que os braços curtos e as pernas finas eram ideais para a mais plástica das modalidades da ginástica. Nela eles ficaram, sempre buscando movimentos com maior dificuldade.

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O esforço de anos é recompensado, enfim, não necessariamente pelo pódio – mas pela superação de um resultado. Turistas olímpicos são os atletas – não abatidos por contusões e acidentes – eliminados antes das semifinais, que não batem recordes regionais nem nacionais. Nas entrevistas depois do fiasco, esse tipo de atleta se dá por satisfeito apenas por ter estado em uma Olimpíada. “A gente veio não para pegar medalha, mas experiência”, disse Fernando Saraiva, do halterofilismo. Deveria ter ido buscar sua melhor marca de todos os tempos. Fica a lição dos países que deram saltos espetaculares no desempenho geral: selecionar atletas olímpicos com espírito de superação constante – de si mesmos e dos competidores.

Temos muitos exemplos disso aqui mesmo no Brasil. Na Olimpíada de 2004, a seleção feminina de vôlei desperdiçou sete match points contra a Rússia, tomou a virada e perdeu a chance de chegar à final. Ficou o trauma. A revanche veio na semana passada, nas quartas de final de Londres, com uma vitória que abriria o caminho para a finalíssima contra os Estados Unidos. Depois de dar um desproporcional peixinho na quadra para quem é tão contido, o treinador José Roberto Guimarães, duas vezes vencedor olímpico (masculino em 1992, feminino em 2008), vibrou: “O campeão voltou”. Que nossos campeões voltem, apareçam, sejam descobertos, se façam descobrir e sejam apoiados em sua caminhada de glória.

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