Cultura do jeitinho deixa país vulnerável a falhas em Copa
Ensaio geral do Mundial de 2014 começa em pouco mais de um mês e todas as sedes ainda têm pendências importantes, principalmente ao redor dos estádios
Em boa parte dos casos, os problemas não estão nas arenas, mas imediatamente ao seu redor: como todos os esforços foram concentrados na missão de erguer os estádios, faltou tempo e planejamento para melhorar o acesso aos locais de jogos e os próprios arredores
Há pouco mais de um ano, quando as obras para a Copa das Confederações ainda estavam muito distantes do fim, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, rejeitou qualquer tipo de preocupação com os atrasos, dizendo que “o brasileiro tem um jeito próprio de organizar e sempre entrega o que precisa”. E o jeitinho, de fato, foi a marca brasileira nos preparativos para o torneio, que começa em pouco mais do mês. A Fifa, por exemplo, precisou abrir mão dos prazos originais para entrega dos estádios. Joseph Blatter e Jérôme Valcke não tiveram alternativa: pelo cronograma inicial, nenhum estádio teria ficado pronto a tempo. Na reta final dos preparativos, já ficou claro que o Brasil deverá ter os seis estádios da competição prontos no dia da abertura, 15 de junho (o mais atrasado é justamente o da primeira partida, em Brasília). Igualmente evidente, no entanto, é o fato de nenhuma das sedes ter conseguido atingir o grau de preparação que se espera do palco de uma Copa. Resultado: por causa da cultura do jeitinho, o Brasil ficará muito mais exposto a possíveis falhas na organização, o que certamente aumentará as dúvidas sobre a chance de sucesso do próprio Mundial, no ano que vem. É uma pena: os grandes eventos esportivos que o país receberá até 2016 seriam uma oportunidade de ouro para aposentar a cultura do improviso e mostrar ao mundo um país mais dinâmico e organizado. É improvável que os visitantes levem essa impressão positiva da sétima maior economia do planeta.
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Num intervalo de uma semana, a reportagem do site de VEJA esteve em partidas disputadas em três sedes da Copa das Confederações. Não foi difícil constatar que o cenário ainda não é o ideal – e que o período que falta para o começo da competição não deverá ser o bastante para reduzir o risco de imprevistos e minimizar a margem de erro. Em boa parte dos casos, os problemas não estão nas arenas, mas imediatamente ao seu redor: como todos os esforços foram concentrados na missão de erguer os estádios, faltou tempo e planejamento para melhorar o acesso aos locais de jogos e os próprios arredores. Os aeroportos também continuam recebendo melhorias, assim como os projetos de mobilidade urbana, que miram só em 2014. Em quatro das seis arenas do torneio deste ano, os estádios reformados ao custo de centenas de milhões de reais são cercados por lamaçais, ruas ainda sem asfalto e vias inadequadas para o grande fluxo de torcedores esperado para os jogos de junho. Apenas o Mineirão, em Belo Horizonte, e a Arena Fonte Nova, em Salvador, têm situação menos problemática – e mesmo essas duas sedes ainda não conseguiram ensaiar um esquema de trânsito e transporte público eficaz para o evento. No evento-teste mais importante para os mineiros, por exemplo, um protesto fechou parte de uma avenida de BH antes do amistoso entre Brasil e Chile. Resultado: caos na chegada ao estádio.
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A vulnerabilidade das cidades-sede a problemas aparentemente banais, que podem acontecer em qualquer dia, com ou sem Copa, foi ilustrada também pelas imagens da cratera que surgiu bem em frente ao Maracanã no fim de semana, depois do rompimento de uma tubulação de água. O estádio, remodelado ao custo de cerca de 1 bilhão de reais, está lindo, mas quem passava diante dele no domingo via um rombo gigantesco no chão e operários cobertos de lama. O governo do Rio de Janeiro já promoveu um evento-teste há mais de uma semana – um amistoso, organizado ao custo de 1,6 milhão de reais, entre veteranos liderados por Ronaldo e Bebeto. A ausência de torcedores comuns não foi uma mera coincidência: com os arredores do estádio ainda mantidos como um grande canteiro de obras, só os trabalhadores envolvidos na reforma foram convidados para a festa. Equipamentos, materiais e entulho ainda ocupam grandes áreas da parte externa do complexo do Maracanã. O parque aquático vizinho ao estádio está parcialmente demolido, à espera de uma ordem judicial que autorize a destruição de todas as instalações. As áreas que cercam o estádio precisam ser entregues à Fifa nas semanas que antecedem o evento, para a montagem das estruturas temporárias que servem convidados, jornalistas e donos de ingressos VIP. Na noite de segunda, o governo cancelou o segundo evento-teste, que serviria de preparação para a estreia com público, em 2 de junho num amistoso entre Brasil e Inglaterra. O Rio não explicou o motivo do cancelamento.
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Prova maior de que obra rápida não é necessariamente obra correta está em Fortaleza, que ganhou a corrida informal entre as sedes e foi a primeira cidade a entregar seu estádio, o Castelão, que hoje já está completamente operacional e recebe partidas normalmente. As principais ruas de acesso à bela arena cearense ainda estão em reforma – e, ao que parece, ainda longe da conclusão dos trabalhos. A prefeitura, porém, garante que tudo ficará pronto até 15 de junho. Caso não fique, a experiência do visitante que chegar a uma das principais sedes tanto do torneio deste ano como do Mundial de 2014 pode ser decepcionante. O tempo médio de deslocamento de carro da Avenida Beira Mar, onde ficam os principais hotéis, até o estádio é longo, cerca de 45 minutos. As alternativas de transporte público (o VLT e o metrô) ainda estão sendo finalizados. Se dentro do estádio tudo parece estar em ordem, no lado de fora ainda há lama, tubos de concreto e entulho. De acordo com os relatos dos torcedores, Fortaleza ilustra bem outro aspecto importante da adaptação ao uso dos novos estádios: a necessidade de saber gerenciar essas novíssimas e modernas instalações. O público local reclama da baixa qualidade dos serviços prestados ao torcedor, como a falta de orientação – cada jogo tem um esquema diferente de acesso e venda de ingressos, por exemplo. Melhor mesmo que a Fifa considere a Copa das Confederações um grande ensaio para o Mundial do ano que vem. Afinal, pelo visto, haverá muitas falhas a resolver e muitos improvisos a corrigir.
No vídeo abaixo, os arredores do Castelão, em Fortaleza: