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Copa, imigração e globalização: a escolha de Diego Costa

O atacante nascido no Brasil e lapidado na Espanha é disputado pelas duas seleções antes de um Mundial que trará ao país uma legião de naturalizados

Os brasileiros já reforçaram equipes como Catar, Polônia, Japão e Croácia – além da própria Espanha, que já contou com o paulista Marcos Senna e o carioca Donato. Hoje, também conta com Thiago Alcântara (cujo irmão, Rafael, optou pelo Brasil)

Estádio do Maracanã, 13 de julho de 2014, Brasil x Espanha, final da Copa do Mundo. O atacante Diego Costa, nascido em Lagarto, cidade do interior de Sergipe, confirma a fama de artilheiro e marca o gol que decide o jogo e o torneio. O árbitro apita o fim de jogo e a festa começa – não no Rio de Janeiro, mas em Madri, Barcelona, Bilbao e Valência. Essa trágica possibilidade – toc-toc-toc – pode começar a se concretizar nas próximas semanas, quando as duas seleções anunciam suas listas de convocados para a rodada de amistosos internacionais de novembro. Diego Costa, 25 anos, artilheiro do Campeonato Espanhol, tem dupla nacionalidade e pode ser chamado tanto por Luiz Felipe Scolari como por Vicente Del Bosque, o treinador da atual campeã europeia e mundial. O jogador do Atlético de Madrid já foi lembrado por Felipão e vestiu a camisa da seleção brasileira em março, contra Rússia e Itália. Como essas partidas não foram oficiais, o atleta ainda pode optar pela segunda pátria, a Espanha, onde reside desde os 19 anos. Tanto os cartolas espanhóis como os brasileiros fazem um intenso lobby para conseguir convencer o jogador. E essa rivalidade, acirrada pelo fato de Brasil e Espanha serem as duas principais favoritas à conquista do Mundial, também reacende o debate em torno de uma das questões mais controversas do universo esportivo. É justo e legítimo que uma seleção aliste um atleta nascido em outro país, reforçando sua equipe artificialmente – e, às vezes, até desfalcando um adversário direto?

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No caso de Diego Costa, a escolha não é simples. Seu caminho até Madri foi traçado dentro do mais típico modelo de movimento migratório: nascido na pobreza, cruzou fronteiras em busca da prosperidade. Diego jamais chegou a jogar numa equipe profissional brasileira. Ainda adolescente, trocou Lagarto por São Paulo para tentar a sorte no futebol. Morava com os tios e ganhava 400 reais por mês num clube semiamador (ironicamente, chamado Barcelona EC). Quase desistiu para trabalhar no comércio popular da Rua 25 de Março. Foi quando um olheiro português viu o atacante em ação e fez o convite que mudaria toda a trajetória de Diego. Em 2006, aos 17 anos, ele embarcou para a Europa e iniciou sua carreira como atleta profissional. Começou no Braga e passou pelo Penafiel. Chegou à Espanha, onde defendeu Celta de Vigo, Albacete, Valladolid e Rayo Vallecano antes de explodir de vez no Atlético. No mês passado, fez o gol da vitória de sua equipe no clássico da capital, contra o Real Madrid, quebrando um jejum de 14 anos sem triunfos do Atlético no Estádio Santiago Bernabéu. Está à frente de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo entre os maiores goleadores da temporada. Mercurial e aguerrido, é um touro bravo em campo – e, não por coincidência, acabou atraindo a simpatia do torcedor espanhol, que enxerga no jogo do brasileiro uma volta ao passado de sua seleção, anterior ao estilo refinado e cerebral de Xavi, Iniesta e companhia. Diego Costa não dá pedaladas nem lambretas: é um matador, forte e objetivo, como Emílio Butragueño, velho ídolo da Fúria – e nada como Neymar ou Ronaldinho Gaúcho, por exemplo.

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Isso não quer dizer, é claro, que Diego Costa não tenha lugar na seleção brasileira. Pelo contrário: depois do último amistoso, em que Lucas e Alexandre Pato foram reprovados, há pelo menos uma vaga em aberto entre os atacantes de Felipão. E Diego parece ser a opção perfeita para aproveitar essa brecha, já que é um dos raros atletas capazes de fazer tanto o papel de centroavante como o de segundo atacante. O problema é que ele também cairia como uma luva na escalação titular da Espanha – um time recheado de talento no meio (além de Xavi e Iniesta, há Mata, Fábregas e David Silva, entre outros) mas com opções modestas na frente (os discretos Negredo e Soldado têm ocupado o setor). Del Bosque acredita que Diego Costa resolverá seus problemas no ataque e prometeu procurar o jogador para uma conversa. Felipão esconde suas cartas, mas dá pistas de que monitora a situação de perto. A disputa pode ir parar na Fifa, já que a CBF crê que Diego não deveria ser liberado para vestir a camisa vermelha. Pela legislação esportiva atual, entretanto, não haveria impedimento jurídico para o brasileiro, já que o atleta vive há mais de cinco anos na Espanha e nunca participou de nenhuma competição da Fifa, como a Copa das Confederações (para a qual não foi convocado por Felipão) ou as Eliminatórias (que o Brasil não disputou). Em meio a tantas pressões e palpites, apenas uma opinião não foi ouvida publicamente: a do próprio Diego Costa, que terá de fazer sua opção – e logo – levando em conta não só sua chance de jogar uma Copa do Mundo como também a identificação com o país de origem e a adaptação (que, segundo consta, é excelente) à nação que o acolheu.

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Irmãos e rivais – A presença de jogadores “importados”, principalmente em seleções europeias, não é nenhuma novidade: a própria Espanha chegou a municiar sua equipe com dois dos maiores craques do século passado, o húngaro Ferenc Puskás e o argentino Alfredo Di Stéfano. Ambos tinham defendido as seleções de seus países antes da troca (Puskás já tinha até jogado uma Copa, e Di Stéfano havia vestido também as cores da Colômbia). O caso do húngaro foi influenciado diretamente pela guerra ideológica do pós-guerra: Puskás, ex-major do Exército Vermelho, foi proibido de voltar a Budapeste depois de assinar contrato com o Real Madrid, o time do ditador Francisco Franco. Muito mais comum, no entanto, era a troca de camisas por motivos financeiros – ou mesmo porque um atleta simplesmente não tinha a menor chance de ser convocado por seu país de origem, um motivo que faz do Brasil no principal fornecedor de atletas naturalizados da história do futebol. Como a concorrência para chegar à seleção pentacampeã é duríssima, os brasileiros já reforçaram equipes como Catar, Polônia, Japão e Croácia – além da própria Espanha, que já contou com o paulista Marcos Senna e o carioca Donato. Mais emblemático do atual momento do futebol internacional (e do próprio mundo globalizado) é o exemplo do meia Thiago Alcântara. Filho do ex-volante Mazinho, ele nasceu na Itália (enquanto o pai jogava no Lecce), morou no Brasil (onde treinou pelo Flamengo) e se formou como atleta na Espanha (como cria do Barcelona). Thiago poderia escolher qualquer uma das três seleções. Por afinidades esportivas e identificação pessoal, escolheu a Espanha.

Curiosamente, o irmão mais novo de Thiago, Rafael Alcântara, hoje jogador do Celta, fez uma opção diferente – aliás, seguiu o caminho oposto ao de Diego Costa e tantos outros. Formado na base do Barcelona, ele participou da seleção espanhola nas categorias Sub-16, Sub-17 e Sub-19. Quando chegou à Sub-20, porém, decidiu servir à seleção pela qual seu pai foi tetracampeão mundial. “Eu sempre me senti mais brasileiro do que ele”, disse Rafael sobre Thiago. “Eu sempre visitava os meus amigos no Brasil. Acho que foi por isso que sempre tive mais identificação com o país. O meu irmão, talvez por não vir muito para cá, não sentia a mesma coisa.” A decisão de Rafael foi muito mais fácil que a de Adnan Januzaj, 18 anos, meia do Manchester United. Apontado como uma das grandes joias do futebol europeu, Januzaj ainda não revelou qual seleção defenderá – e tem nada menos que sete opções. O jovem craque nasceu na Bélgica. Os avós são da Turquia, o pai é kosovar-albanês e a mãe, croata. Como o Kosovo, sua primeira opção, ainda não tem uma seleção independente, Januzaj também poderia fazer a improvável opção pela Sérvia, país que ainda não aceita a separação do território de onde seus pais escaparam por causa da guerra. Os ingleses tentam convencê-lo a jogar por sua seleção, já que ele mora em Manchester desde 2011. O jovem craque, contudo, não descarta dispensar uma das equipes mais tradicionais do planeta para vestir a camisa da nanica Albânia – para agradar ao pai e mostrar que valoriza as origens da família.

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Por incrível que pareça, o caminho mais natural, pelo menos na teoria, é o único que parece ter sido totalmente fechado: Januzaj, nascido em Bruxelas, não quer jogar pela Bélgica. O técnico da seleção, o ex-atacante Marc Wilmots, reclamou do lobby das concorrentes para contar com o jogador e avisou que não vai participar de “negociações” para atrair o atleta. O pai do meia ficou irritado e disse que a equipe de Wilmots está fora da jogada. A Bélgica, porém, já tem talento importado de sobra. Depois de não conseguir a classificação para os últimos dois Mundiais, o país retorna à Copa em 2014, e como cabeça-de-chave (está em quinto lugar no ranking da Fifa). Tudo graças a uma geração que mistura atletas de famílias belgas a filhos de imigrantes das mais variadas nações. Fellaini, Bakkali e Chadli são descendentes de marroquinos. O pai de Witsel é da Martinica; o de Dembelé, do Mali. Mirallas tem origem espanhola e Benteke e Lukaku são de famílias que fugiram da ditadura de Mobutu no antigo Zaire. Graças à integração dos filhos de imigrantes, a seleção belga deu um salto notável de qualidade. Outra seleção que mais parece um anúncio da Benetton é a Suíça, sétima colocada no ranking da Fifa, logo à frente de Holanda, Itália, Inglaterra e Brasil. Costa do Marfim, Cabo Verde, Chile, Espanha, Nigéria, Tunísia e Turquia estão representados na equipe. A base da equipe suíça, porém, é a turma dos filhos de refugiados das guerras que destroçaram a antiga Iugoslávia. Macedônios, kosovares, croatas e bósnios formam um contingente de doze atletas dentro do grupo que classificou a Suíça para a Copa.

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Mercado do passaporte – Como não poderia deixar de ser, essas seleções “globalizadas” também têm seus detratores – inclusive entre os próprios atletas. Em meio às notícias sobre os casos de Diego Costa e Adnan Januzaj, o meia Jack Wilshere, do Arsenal, disse que “só ingleses deveriam jogar pela seleção inglesa”. A declaração não pegou bem, principalmente em função da forte presença dos filhos de imigrantes no esporte britânico. Na Olimpíada de Londres-2012, os principais destaques da delegação da casa foram Jessica Ennis, filha de um jamaicano, e Mo Farah, que nasceu na Somália. Campeão mundial e olímpico dos 10.000 metros, Farah se considera um inglês legítimo – e o atleta, torcedor do Arsenal, disse ter entendido bem o que Wilshere quis dizer. “Um adulto não deve trocar de nacionalidade só para competir”, resumiu. De fato, essas trocas oportunistas, negociadas como transações comerciais corriqueiras, merecem ser combatidas pelas entidades esportivas. Alarmado com uma onda de naturalizações de brasileiros na década passada, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, afirmou, em 2007: “Se não cuidarmos desse problema, haverá uma invasão de brasileiros, não só na Europa, mas também na Ásia e na África. Nas Copas de 2014 ou 2018, teremos umas dezesseis equipes cheias de brasileiros”. O “mercado” da naturalização esfriou, mas o Mundial do Brasil será disputado, de fato, por equipes multinacionais – não só com brasileiros que trocaram de camisa, mas também com grandes legiões da África e do Leste Europeu. Resta saber qual será a cor da camisa de Diego Costa.

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