CBF: os seis dias de caos no comando do futebol brasileiro
Como Marin trocou Mano por Felipão – apesar dos desencontros e reviravoltas
Para fechar com Felipão, Marin aceitou ceder autonomia total ao técnico, que ficará à vontade para indicar seus auxiliares. Eles deverão ser velhos conhecidos, como o assistente Murtosa e o preparador de goleiros Carlos Pracidelli
A troca de Mano Menezes por Luiz Felipe Scolari no comando da seleção brasileira de futebol começou a se desenhar há pouco mais de oito meses, em 12 de março de 2012, quando Ricardo Teixeira renunciou à presidência da CBF e abriu caminho para que José Maria Marin assumisse a função. Marin, que sucedeu Teixeira porque era o vice-presidente de maior idade entre os cinco ocupantes desse cargo (cada um representa uma região do país), tinha uma dívida de gratidão com outro cartola: Marco Polo Del Nero, o presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), responsável por sua indicação. E Del Nero, torcedor e dirigente muito ligado ao Palmeiras, já pretendia desde aquele momento trocar Mano por Felipão. Se nesses oito meses o processo transcorreu muito lentamente, nos últimos seis dias ele se resolveu de maneira repentina e inesperada – e em meio a reviravoltas e desencontros que ninguém previa. A conclusão, no entanto, foi justamente a que se esperava no momento em que a dupla formada por Marin e Del Nero subiu ao poder: a fritura do treinador escolhido por Teixeira e o retorno do técnico do penta, dez anos depois. Marin deverá tornar oficial a contratação de Felipão nesta quinta-feira, às 10h30, na sede da CBF, no Rio de Janeiro, menos de uma semana depois da demissão de Mano Menezes.
A queda do antigo treinador já tinha sido ensaiada por Marin em outras ocasiões: a primeira, logo depois que o cartola chegou à presidência da CBF, durante a série de amistosos preparatórios para a Olimpíada de Londres; a segunda, quando o Brasil perdeu o ouro olímpico para o México no Estádio de Wembley. Passados esses dois momentos críticos, acreditava-se que o presidente da CBF manteria Mano até a Copa das Confederações, em junho do ano que vem, por avaliar que essa seria uma última chance de convencê-lo de que a seleção seria capaz de chegar para o Mundial de 2014 com força sob seu comando. Marin, no entanto, perdeu a paciência nas últimas semanas, e se convenceu de vez sobre a demissão na noite da última quarta, na disputa da decisão do Superclássico das Américas, contra a Argentina, no Estádio La Bombonera, em Buenos Aires. A derrota para os argentinos no tempo normal – 2 a 1, com atuação muito fraca da seleção – irritou o dirigente, que foi embora antes mesmo da decisão por pênaltis e não viu o time erguer o troféu. Marin alegou que não queria perder seu voo de volta para o Brasil, mas a saída abrupta do cartola causou desconforto e desconfiança dentro da seleção. Mano Menezes e seu superior imediato, Andrés Sanchez, diretor de seleções, já notavam os primeiros sinais de uma possível troca de comando.
Pedra no sapato – A demissão foi selada na sexta-feira, em São Paulo, na sede da FPF, no bairro da Barra Funda, e não no escritório da CBF na Barra da Tijuca – algo sintomático do que aconteceria em seguida. Marin e Del Nero já tinham tomado a decisão. Chamaram Andrés e o comunicaram da saída de Mano, sem margem para que o diretor opinasse. Foi quando começou a série de desencontros nos discursos de Marin e Andrés, que tiveram um comportamento errático ao longo do processo. O chefe e o subordinado, que jamais entraram em sintonia, trocaram promessas de fidelidade – Marin fez um apelo pela permanência de Andrés, que respondeu garantindo que iria até 2014 no cargo. Conforme relato feito por Del Nero, o ex-presidente do Corinthians chegou a elogiar a “coragem” de Marin em demitir Mano. Na verdade, o presidente da CBF sempre desejou a saída de Andrés, mas não queria correr riscos – calculava que demitir o corintiano, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o faria perder ainda mais pontos com o governo Dilma, de quem tenta, sem grande sucesso, se aproximar desde que substituiu Teixeira. Andrés, por sua vez, se dividia entre a intenção de abandonar o barco – sem qualquer autonomia ou poder, tinha virado figura quase decorativa – e a vontade de simplesmente seguir como uma pedra no sapato de Marin.
O diretor de seleções começou a semana marcando uma entrevista coletiva para anunciar seu futuro, no início da tarde de segunda, no Rio, durante seminário que contou com a participação de Marin. A saída era dada como certa – ainda que, na noite de domingo, numa participação ao vivo num programa de TV, tivesse jurado que “não abandonaria a seleção neste momento”. Na hora de fazer o anúncio, Andrés deu um passo atrás e se limitou a dizer que a “tendência” era seu afastamento. No dia seguinte, terça, novo recuo: Andrés já falava em “acertar os ponteiros” com a CBF. A demissão foi finalmente anunciada por ele na manhã de quarta, por carta, no Rio. Ao mesmo tempo, em São Paulo, no canteiro de obras do Itaquerão, projeto costurado pessoalmente por Andrés, Marin também surpreendia ao anunciar que, ao invés de esperar até janeiro, como fora informado na sexta, a contratação do novo técnico aconteceria já na manhã de quinta. O roteiro teve mais uma página inesperada antes do acerto com Felipão: a operação da Polícia Federal que apreendeu documentos e computadores e recolheu depoimento de Marco Polo Del Nero, no início da manhã de terça. Grande patrocinador do retorno de Scolari, Del Nero poderia estragar os planos de Marin. Quando ficou claro que a operação não se referia à atuação de Del Nero como cartola, o caminho ficou aberto para a confirmação
Velhos conhecidos – O último obstáculo foi, curiosamente, um assunto com o qual Mano Menezes lidou com notável jogo de cintura, sobre o qual Marin jamais teve motivo para se queixar: a mania do cartola de desfilar seu poder sobre o treinador, cobrando, por exemplo, a entrega antecipada das listas de convocados para seu conhecimento prévio e tomando a iniciativa de conversar com jogadores cotados para uma vaga (Ronaldinho Gaúcho, que há muito não é convocado, foi um deles). Felipão, que no passado já havia sinalizado positivamente às sondagens feitas por pessoas próximas à CBF, avisou que exigia autonomia total, assim como em 2002 (quando não convocou Romário apesar da forte pressão popular e, segundo consta, da vontade de Ricardo Teixeira). Marin disse que topava (ainda que, para muitos, o presidente da CBF não tenha desistido de fazer sua vontade ser ouvida). Autorizou também a formação de uma comissão técnica composta por pessoas de confiança de Felipão, que ficará à vontade para indicar seus auxiliares. Eles deverão ser velhos conhecidos, como o assistente Murtosa e o preparador de goleiros Carlos Pracidelli. Outro candidato a integrar a comissão, Milton Cruz, consultor técnico do São Paulo, era outro alvo antigo de Marin – quando falava com Cruz, o cartola, que é ligado ao clube paulista, sempre prometia que o levaria à seleção. Mas Milton Cruz não deverá entrar no time de Felipão – é cotado para assumir a direção das categorias de base da CBF, cargo que antes era ocupado por Ney Franco, hoje técnico do próprio São Paulo.
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