Série A: o alvo
Um dos donos do Clube Laguna, Gustavo Nabinger recorda aos risos de um relato que conta ter escutado dos próprios jogadores com quem trabalhou ao fim do último ano: "a melhor história é de um zagueiro nosso, que comprava Nutella e levava escondida para o café da manhã. Ele posicionava o pote no meio das pernas e passava no pão para comer".
O caso aparentemente simples, do defensor fissurado pelo doce, virou uma espécie de folclore na curta história da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) fundada por Nabinger e outros dois sócios - Rafael Eschiavi e Deia Nabinger -, há pouco mais de um ano.
A agremiação de Tibau do Sul, pequeno município de cerca de 15 000 habitantes do Rio Grande do Norte, é a primeira a adotar ao veganismo nas Américas. E Nutella, ao menos por lá, passa bem longe.
A pasta de avelã criada há décadas possui entre os sete ingredientes de sua receita atual o leite, um dos itens abolidos na filosofia vegana, que evita qualquer alimento ou matéria-prima de origem animal. Foi a única "fuga" registrada até aqui, conduzida com jogo de cintura pelos dirigentes do clube.
"No final do ano levamos alguns atletas para participar da Vegfest, uma feira vegana muito conhecida. Ele foi um dos escolhidos e falamos: 'agora você vai experimentar essa versão vegana'. Só soubemos no fim do ano desse caso. Entregaram ele, né? Mas levamos tudo numa boa", disse Nabinger, também treinador da equipe.
"Esse é um valor nosso, os atletas que chegam precisam saber e respeitar [o veganismo]. Do portão para fora, claro, não controlamos ninguém", completa.
O projeto do Laguna leva à risca o ideal de que é possível fazer futebol profissional - e em alto nível - sem o consumo de produtos animal, com sustentabilidade e jogando bonito. Há outra meta ainda mais audaciosa: chegar na elite do futebol nacional em apenas dez anos.
"O nosso objetivo é chegar na Série A do Campeonato Brasileiro em até dez anos, até 2032. Há o exemplo do Cuiabá, que subiu rapidamente de divisões", explica.
Não há nas seis refeições diárias oferecidas pelo clube (entenda melhor no capítulo Cardápio diário) absolutamente nada proveniente de animais. Itens como carnes, ovos ou derivados de leite são abolidos no dia a dia. A suplementação também vem toda de origem vegetal.
Os uniformes utilizados pelos atletas, confeccionados pela fornecedora Escudetto, são 100% poliéster e feitos de materiais inorgânicos - produzidos a partir de plástico e outros elementos sustentáveis. As aplicações, exceto o escudo do time, também possuem materiais sustentáveis.
"O veganismo é algo anterior ao clube. Sou vegano desde 2020, antes disso já era vegetariano desde 2003. A Deia, outra sócia, é vegana há seis anos e vegetariana há três. E o Rafael, também sócio, se tornou vegetariano no processo de construção da empresa. Então, não tinha como fazermos algo que não tivesse essa filosofia. Imagine servirmos 40 refeições diárias com carne e queijo? Não faz sentido para nós", explica o técnico e dirigente.
Na primeira competição profissional disputada, a segunda divisão potiguar, no segundo semestre de 2022, o acesso bateu na trave. O time terminou na segunda colocação, com 26 pontos, empatado com o Alecrim, mas com saldo de gols inferior. Só o primeiro colocado conseguia o acesso.
"Fomos vice com menos de um mês de treino e perdendo por saldo de gols. É um compromisso que eu tenho, de que a gente vai chegar na Série A com uma equipe que as pessoas gostem de ver, que parem para assistir", assegura Nabinger.
Esse ano o time tentará outra vez. Pelo projeto, é preciso pressa para chegar ao topo.