Disciplinado e paciente, Brasil mais ofensivo de Tite deixa boa impressão
Raphinha, Vinicius e companhia sofreram com falta de precisão em alguns lances, mas foram um tormento constante para a Sérvia, que nem sequer assustou
LUSAIL e SÃO PAULO – Vinicius Júnior foi o atleta mais festejado pela torcida ao ter seu nome anunciado no telão do estádio Lusail — empatado com Neymar. A presença da jovem estrela do Real Madrid no time titular já era esperada, pois foi testada em amistosos e nos últimos treinamentos, e deu uma cara ainda mais ofensiva ao Brasil de Tite. Em boa parte da carreira, o treinador gaúcho foi tratado como pragmático, conservador…. ou, em português claro: retranqueiro, uma pecha que há muito não lhe cabe, nem faria sentido para alguém que dirige a seleção brasileira, muito menos para quem forjou um time que levou apenas 19 gols e marcou 111 em 50 jogos no ciclo de 2018 até a estreia desta quinta-feira, 24. No triunfo sobre a Sérvia por 2 a 0, a formação mais ofensiva de Tite teve sua paciência e ousadia premiadas. E pode ficar ainda melhor, mesmo que com peças trocadas.
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O desenho de Tite era claro: Vini e Raphinha bem abertos, com Richarlison centralizado na frente, e Neymar flutuando entre as linhas. Paquetá, que foi escalado como segundo volante, mais recuado, ocupando o setor que era de Fred ao lado de Casemiro, podia se mandar quando a posse era brasileira. A Sérvia, no entanto, se fechou até mais do que o previsto e dificultou a missão brasileira, apesar de dez minutos iniciais de muita pressão e marcações encaixadas. O técnico Dragan Stojkovic, que na véspera ironizou a presença de quatro atacantes do Brasil (na prática eram três, pois Neymar atuou como meia) sacou do time seu principal atacante, Dusan Vlahovic, da Juventus, que não vinha 100% fisicamente, para preencher o meio-campo, um plano que funcionou.
Raphinha e Vinicius, os mais visados do novo esquema, começaram o jogo bastante elétricos. Logo em seu primeiro lance, o jovem revelado pelo Flamengo levantou a torcida ao se livrar marcação usando sua ginga, saindo da esquerda para a direita e se conectando com Raphinha. O atacante do Barcelona demonstrou afobação em alguns lances, mas foi fundamental para a sustentação defensiva. Por momentos, o Brasil atuou praticamente com uma linha de cinco atrás, com Raphinha fechando, acompanhando até o fim o ala sérvio Mladenovic, e Danilo muito próximo dos zagueiros.
Tite sempre repete que prefere atuar com laterais “construtores”, que fecham mais pelo meio, dando liberdade para seus pontas dribladores, mas a timidez de Danilo e, principalmente, Alex Sandro no ataque dificultou a missão de Richarlison na primeira etapa. Com os homens de frente encaixotados, algumas das melhores oportunidades na primeira parte saíram de passes mais longos e verticais de Thiago Silva e Casemiro, mas tanto Vinicius quanto Raphinha pecaram no toque final. Neymar sofreu com a truculência adversária, muitas vezes recuando demais para buscar jogo e prendendo a bola. Na prática, o primeiro tempo foi uma aula defensiva de ambos os times, cada um na sua proposta, já que o Brasil não sofreu perigo real, apesar do talento de Mitrovic e Tadic.
No ataque, o Brasil também se mostrou organizado, com um padrão evidente, mas faltou capricho e inspiração, muito em razão de uma compactação entre as linhas dos europeus. Na segunda etapa, Tite não quis desfazer o plano e foi premiado. Mais incisivo, com Neymar mais próximo dos atacantes, o Brasil logo conseguiu o objetivo. O gol de rebote, após jogada do camisa 10 e chute de Vini Jr, foi um alívio para Richarlison, até então quem mais sofria com o desenho tático. Saiu após a criatividade dos jogadores de frente, impulsionados pela aproximação e dinâmicas de ataque que abriram os espaços.
Alex Sandro teve alguns bons momentos na esquerda. Foi eficiente na defesa, inclusive nas bolas aéreas, o forte dos sérvios, e por pouco não marcou um golaço em chute que explodiu na trave, mas poderia ter avançado mais ao ataque, se aproveitando da marcação dobrada em Vinicius. Casemiro, o melhor em campo, impecável na marcação, também acertou o poste.
A queda física, somada à necessidade de sair para o ataque, tirou totalmente a Sérvia do jogo após o 2 a 0, e o Brasil se aproveitou, mesmo com as mudança forçadas por problemas físicos. Tite mandou Antony a campo pela esquerda, evidenciando que o canhoto do Manchester United é um concorrente tanto para Raphinha quanto para Vinicius. A promessa de mexer no time, se aproveitando da vitalidade de Gabriel Jesus, Gabriel Martinelli e Rodrygo, foi cumprida, e o placar poderia tranquilamente ter virado uma goleada. A maior preocupação agora é com a situação de Neymar, mas mesmo que o craque fique fora por alguns jogos ou por toda a Copa, o Brasil hoje tem padrão tático e peças de reposição que o mantêm como firme candidato ao título. A ousadia (com disciplina tática) tem tudo para dar certo.