Clairefontaine: o ‘castelo’ por trás da renovação de talentos da França
Federação francesa mantém 13 academias de futebol para jovens talentos do país; a principal sede serve como CT da seleção e lapidou craques como Mbappé
DOHA – A seleção francesa está a um passo de igualar uma marca que já dura seis décadas. Caso vença a Argentina de Lionel Messi na decisão de domingo, 18, no Lusail, a equipe se juntará à Itália de 1938 e ao Brasil de 1962 no grupo de bicampeões consecutivos das Copas do Mundo. Mesmo sem ser brilhante, a França conseguiu manter o seu padrão de jogo no Catar e ainda apresentou ao mundo novos talentos. A fonte parece inesgotável: mesmo depois de perder ao menos seis jogadores importantes por lesão, incluindo o atual dono da Bola de Ouro, Karim Benzema, a equipe dirigida por Didier Deschamps seguiu forte e competitiva. Por trás desta renovação de pé de obra está um projeto altamente bem sucedido, o Institut National du Football de Clairefontaine, onde foram forjados prodígios como Kylian Mbappé.
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Clairefontaine, como é chamado, é um complexo de futebol de 56 hectares, localizado a 64 quilômetros de Paris. Idealizado por Fernand Sastre, presidente da Federação Francesa de Futebol (FFF) de 1972 a 1984, foi inaugurado em 1988, dez anos antes de a seleção conquistar sua primeira Copa, jogando em casa. Desde então, o time chegou a mais três finais. Não é coincidência. A academia, cujo ponto mais luxuoso é um castelo do século XVII que serve de alojamento apenas para a equipe principal, é o lar de todas as categorias da seleção francesa. Mas o que realmente diferencia Clairefointaine de outros quartéis generais das seleções, como a Granja Comary, da CBF, em Teresópolis (RJ), por exemplo, é a qualidade de seu projeto de captação de jovens.
O local é um das 13 academias mantidas e supervisionadas pela FFF em regiões distintas do país. Clairefontaine é a principal, pois atende à região de Île-de-France, que inclui Paris e é considerada a mais rica em talentos. É ali onde treinam e ficam alojados, de segunda a sexta-feira, os melhores atletas entre 13 e 15 anos, selecionados pelos treinadores da federação que viajam o país em busca de potenciais craques.
Antes de a Copa do Catar começar, os atletas da seleção posaram com as camisas de suas primeiras equipes. Mbappé, por exemplo, estava com o uniforme do AS Bondy, um time amador dos arredores de Paris, onde foi descoberto e posteriormente levado a Clairefontaine. O astro do PSG e os ex-atacantes Thierry Henry e Nicolás Anelka, são os alunos mais famosos de Clairefontaine, mas por ali passaram centenas de atletas que se tornaram profissionais de grande nível. Mbappé chegou aos 13 anos. Aos 17, pôde entrar pela primeira vez no castelo, a aspiração de todos, ao ganhar a primeira chance na equipe principal.
Mas o que Clairefontaine tem de especial? Para Christian Karembeu, volante campeão mundial em 1998, de passagem marcante pelo Real Madrid, não se trata apenas do CT principal, mas de todo o projeto nacional de captação. “Esta é uma missão de muito tempo, as academias se proliferaram em todas as partes da França. A riqueza é a mescla de talentos, sempre que um menino de qualidade é identificado, ele passa a ser educado dentro de nossa filosofia”, diz o ex-jogador de 52 anos, depois de participar de um evento de lendas da Fifa, em Doha.
Na academia, os 23 melhores atletas selecionados anualmente recebem treinamento com todo o acompanhamento físico, técnico e nutricional e dispõem de instalações de primeira linha, sem qualquer custo para as suas famílias. Os garotos dormem por lá de segunda a sexta, com acompanhamento escolar, e aos finais de semana retornam para a casa dos pais. Depois, aos 15 anos, já com a mentalidade desenvolvida, a maioria delas passa a integrar a base de grandes clubes e seguem seu caminho, visando um dia poder entrar no sonhado castelo.
A campanha no Catar deixa ainda mais evidente a qualidade do projeto, que já serve de inspiração para vizinhos. Foi com base no modelo da FFF que a federação inglesa também inaugurou o centro de St. George’s Park, CT da seleção desde 2012, que já vem dando frutos tanto na seleção masculina quanto feminina. Bélgica, Turquia, Letônia, e Estados Unidos, também seguem a mesma abordagem, segundo reportagem do diário Washington Post. Um projeto semelhante no Marrocos, a Academia Mohammed VI, fundada em 2009, em Salé, foi responsável por formar uma grande revelação da Copa, Azzedine Ounahi, que hoje atua no Angers, da França.
“É muito lisonjeiro e gratificante que outros países venham e vejam”, afirmou ao jornal americano o técnico Didier Deschamps. “Não estamos aqui para fechar portas.” A França espera bordar o tricampeonato em sua camisa no próximo domingo, mas, ao menos em Clairefontaine, já é certo que novas estrelas surgirão nos próximos anos.