Publicidade
Publicidade

A base do ‘soccer’ vem forte? O que explica sucesso dos EUA no sub-20

Pela 4ª edição consecutiva, seleção americana está nas quartas de final da Copa do Mundo sub-20. PLACAR ouviu especialistas sobre a evolução da modalidade

Não é segredo para ninguém que o futebol não está entre as modalidades mais populares dos Estados Unidos. À frente do “soccer”, estão beisebol, futebol americano, basquete e outras modalidades, especialmente entre o público masculino. Entretanto, nos últimos anos, o esporte bretão vem ganhando mais terreno na Terra do Tio Sam, com direito a resultados mais expressivos nas seleções de base e a projeção de um futuro próspero.

Publicidade

Os Estados Unidos jogam pela quarta vez consecutiva as quartas finais de uma Copa do Mundo sub-20, neste domingo, 4. O jogo contra o Uruguai é a chance americana de já ao menos igualar a melhor campanha na competição da história e dar sequência a uma trajetória que merece atenção mundo afora.

Em 17 participações, os estadounidenses alcançaram a semifinal apenas em 1989 e, desde então, nunca passaram das quartas.  No entanto, em 2015, 2017 e em 2019 a seleção ficou entre os oito melhores do mundo na categoria, o que reforça sua força em meio a potências como Brasil, Argentina e seleções europeias.

Publicidade
Seleção dos EUA ainda não foi vazada na Copa sub-20
Seleção dos EUA ainda não foi vazada na Copa sub-20

Nesta edição, o time tem quatro vitórias em quatro jogos. Contra Equador, Ilhas Fiji e Eslovênia no grupo e Nova Zelândia nas oitavas, os atletas treinados por Mikey Varas fizeram dez gols e não sofreram nenhum. Os maiores destaques individuais vão para o atacante Cade Cowell, que já balançou a rede três vezes, o meia Diego Luna, autor de três assistências e o goleiro Gabriel Slonina, ainda não vazado.

Para entender melhor os resultados positivos dos Estados Unidos no futebol, esporte pouco popular no país, PLACAR conversou com profissionais da área e especialistas no esporte americano.

Cultura do esporte

Apesar do futebol nos Estados Unidos não ter um apelo sequer parecido com a realidade do Brasil, a cultura do esporte em geral é mais que enraizada. Desde o colégio até as universidades, há incentivo para a prática de diversas modalidades entre meninos e meninas.

Publicidade

Quem confirma isso com propriedade é o scout profissional Thomaz Freitas, que concluiu sua formação e foi jogador na Notre Dame College, de Ohio. “Nos Estados Unidos, o ensino até a faculdade é geralmente grátis. E a universidade é muito cara, também muito valorizada. Então, as bolsas esportivas sempre foram muito incentivadas, os pais sempre estimularam os filhos a praticar. Por isso, o cognitivo desses atletas é bastante desenvolvido e muitos praticam com qualidade mais de uma modalidade.”

Cade Cowell é o artilheiro americano
Cade Cowell é o artilheiro americano

O grande apreço por outras modalidades também faz com que o futebol seja algo colocado em segundo plano. Procurado pela reportagem como uma das fontes locais, o jornalista Doug McIntyre, da Fox Sports, ponderou a empolgação.

“O futebol vem crescendo aqui sim, mas não tanto. Não há nada muito novo na seleção alcançar mais uma vez as quartas de final, inclusive estou curioso para ver como atuarão contra o Uruguai. Novos jogadores vêm surgindo e a liga evoluindo, mas ainda não igual a outros países da América. Ainda há um longo caminho para esse esporte se tornar cultural aqui, para se comparar com NBA e NFL”, explicou o profissional da imprensa.

Ainda que exista esse abismo nos interesses, é cada vez mais comum ver brasileiros tomando o caminho da América do Norte para jogar futebol. Um desses casos é de Henrique Buccini, jogador de futebol e aluno da Carolina University. O atleta recém-chegado ao time da NCCAA (National Christian College Athletic Association), uma das ligas universitárias do país, no entanto, admite que o assunto ainda é pequeno entre seu grupo de amigos locais.

“Alguns poucos amigos meus falam sobre a Copa do Mundo sub-20, mas não vejo quase ninguém tocando no assunto. Aí no Brasil é muito mais comum discutir sobre a própria seleção dos Estados Unidos do que aqui”, disse Henrique.

Formação de atletas

Diretor de futebol do FC Dallas, André Zanotta respondeu à reportagem sobre sua experiência no país e motivações dos melhores resultados da seleção americana. Questionado sobre o processo de captação de atletas jovens, o profissional com passagens por Grêmio, Sport e Santos detalhou estratégias.

Diretor de futebol brasileiro, André Zanotta se destaca no Dallas
Diretor de futebol brasileiro, André Zanotta se destaca no Dallas

“Para a nossa base, muitos jogadores são das nossas escolinhas, que muitos clubes têm. Na captação temos algumas restrições de território pela MLS. Por exemplo, até os 15 anos, não posso ir em Los Angeles para buscar jogadores, porque o território é dos times de lá. Não posso ir em Orlando, porque o território é dos times de lá. Assim como ninguém pode vir aqui no Norte do Texas. Ainda existem territórios livres, tipo o Alabama, que não tem time na liga”, afirmou.

Thomaz Freitas, no entanto, levantou um alerta sobre um dilema entre a cultura dos Estados Unidos e a lógica mundial. “O futebol na universidade sempre vai crescer, mas não da mesma forma que na NFL, NBA e MLB. Muito por conta da idade, tendo em visto que os 21 anos já é algo tardio para virar profissional. Claro que acontece e ainda vai acontecer, mas não como no futebol americano, que não existe concorrência para praticar o esporte em alto nível em outros lugares.”

O profissional da área continua, enfatizando que acredita em cada vez mais frutos da formação de atletas no país. “Estados Unidos e Canadá vão revelar muito jogador. São 300 milhões de habitantes, muitas crianças que praticam esportes e o futebol está se popularizando. Existe uma geração de país que pegaram a Copa do Mundo de 1994 e vão passar o esporte para os filhos. Já fui em muito jogo lá em que os pais das crianças não sabiam o que era impedimento. Isso vai evoluir, junto à padronização do sistema de formação dos treinadores. Até os profissionais medianos e semi-amadores têm uma noção muito grande do que passar aos seus jogadores.”

Diego Luna, camisa 10 dos EUA
Diego Luna, camisa 10 dos EUA

Na mesma linha, Zanotta cita os dilemas da competição entre categorias de base e esporte acadêmico. “Aqui o esporte no nível educacional é muito forte. Assim, chega um momento quando o menino termina a High School (ensino médio), ele tem várias opções. Muitas grandes universidades oferecem bolsas, então acaba se tornando uma competição. O garoto tem que optar entre jogar futebol acadêmico, ter um diploma e depois voltar para o draft (processo de recrutamento tradicional nos esportes dos EUA), ou assinar um contrato profissional. Só que quando você assina o contrato, perde direito de jogar pela universidade.”

“É uma decisão muito importante para toda a família. Os maiores talentos acabam assinando contrato muito novo, até porque aqui não tem limite, tem jogador que já assinou contrato com 13 anos”, completou.

Em breve entrevista a PLACAR, o americano Jordan Julien, 19 anos, da Carolina University, que escolheu passar pelo período acadêmico e depois buscar uma oportunidade no draft, contou sobre seus primeiros contatos com o esporte e sonhos para o futuro. O camisa 10 do time marcou quatro gols e deu três assistências em 11 partidas da temporada de 2022.

“Meu primeiro contato foi aos três anos, quando meu pai me levou para jogar. Desde lá, eu amo. Hoje eu ainda sonho em ser jogador profissional, sigo tentando viver isso.”, relatou o atleta que cursa simultaneamente administração de empresas.

Jordan Julien é um dos principais jogadores de seu time
Jordan Julien é um dos principais jogadores de seu time

Henrique, companheiro de time de Julien, também cita particularidades da prática do futebol local e exalta a oportunidade de brasileiros atuarem no país. “Eu joguei futebol desde sempre, por influência dos meus pais e familiares. Sempre sonhei em ser profissional e por diversas particularidades do Brasil, enxerguei me mudar como uma ótima oportunidade. Aqui, além de garantir um estudo de qualidade e um diploma em Engenharia de Computação, espero conseguir me destacar. Cheguei para a off-season e espero me adaptar tão logo. A estrutura é boa e o trabalho também.”

O crescimento

Artilheiro dos Estados Unidos na Copa do Mundo sub-20, o atacante Cade Cowell é um dos nomes que expressa a evolução do “soccer”. Jogador do San Jose Earthquakes, da MLS, já atuou pela seleção principal de seu país e pode chamar a atenção da Europa, como Slonina, goleiro ex-Chicago Fire que chega ao Chelsea para a próxima temporada.

No mesmo sentido, Zanotta diz: “Um dos motivos para o crescimento do futebol aqui, que casa com o investimento nas categorias de base, é essa presença de muitos jogadores em grandes ligas. Hoje temos nomes nos maiores centros do mundo.” Weston McKennie, meio-campista do Leeds United e ex-Juventus, é um desses nomes formados pelo FC Dallas.

McKennie jogou Mundial do Catar
McKennie jogou Mundial do Catar

“Outro fator determinante é a migração cada vez maior de jovens do futebol americano para o futebol. Muitos pais têm medo das causas da prática do futebol americano desde cedo, pela incidência de problemas no cérebro. E pensando nesse perfil de atleta, por exemplo, os wide receivers, que são muito fortes e velozes são estilos que encaixam no nosso esporte. Cada vez mais vemos essa mudança”, continuou Andre.

Thomaz Freitas também aponta para a evolução da liga norte-americana, que anda junto aos resultados da seleção nacional. “A MLS vem crescendo de maneira sustentável, com um passo de cada vez. Acontecerá em breve uma renovação nos direitos de transmissão que vai mudar o nível o financeiro da liga. Vai aumentar o nível, sim. Mas em termos de organização e estrutura já está muito evoluído. Isso vai, obviamente, fazer crescer o nível da seleção”

O time nacional é o atual tricampeão consecutivos do Campeonato Sub-20 da Concacaf. Vencedores de 2022, 2018 e 2017, a seleção vem demonstrando a nova fase em campo, especialmente ao bater o México, país do mesmo continente e com mais tradição histórica no esporte.

Cada vez mais dominante “dentro de casa”, com prospecção de revelar talentosos nomes e em aumento – ainda que breve – do consumo do futebol pela população, os Estados Unidos prometem brigar por voos maiores. No fim das contas, então, o “soccer” deseja expandir seu campo de atuação e tomar lugar de muito “football”.

Publicidade