Publicidade
Publicidade

Time de elite? A história por trás do São Paulo e o slogan de ‘O Mais Popular’

PLACAR analisou elementos históricos, escutou especialistas e explicou o processo de abandono da fama de 'elitista' pelo Tricolor Paulista

Quem assistiu recentemente a jogos do São Paulo no Morumbi certamente se deparou com a imensa frase “O Mais Popular”. Posicionada cobrindo quase toda a lateral de uma das arquibancadas inferiores do estádio, a faixa faz parte de uma nova fase são-paulina de ingressos mais baratos, indo na contramão dos maiores rivais. No entanto, o slogan não se trata apenas de uma questão momentânea, mas da tentativa de resgatar a origem do clube.

Publicidade

Nascido em 1930, o São Paulo foi formado a partir de uma fusão entre uma ala do Club Athletico Paulistano e a Associação Atlética das Palmeiras. Oriundo de clubes sociais compostos por pessoas endinheiradas da cidade, o Tricolor contou com fatores do contexto da época para se tornar querido por diversas classes.

Anos depois, a torcida tricolor passou a ser vinculada à elite paulistana, levando em conta fatores da localização do estádio e postura de dirigentes. Fama que perdura até hoje entre rivais, mas busca ser combatida por torcedores e até em meio institucional.

Publicidade

Com o intuito de traçar um panorama histórico do clube e do perfil da torcida, PLACAR estudou o contexto da época, consultou o pesquisador Lucas Bueno, que divulga em seu perfil no Twitter (@LucasBuenoA) informações históricas sobre o São Paulo, e conversou com Bi Goes, influente torcedora das redes sociais (@biigoes).

Da elite, mas brasileiro

Atualmente casa de mais de 11 milhões de pessoas, São Paulo é uma das cidades mais populosas do mundo. O recorte de hoje, no entanto, não funciona para entendimento das origens do clube que leva o nome da capital paulista, da mesma forma que não configura uma leitura para compreensão do surgimento de Palmeiras e Corinthians, maiores rivais tricolores.

Abordando inicialmente essa questão, Lucas Bueno pontua: “Para entender a fundação dos clubes do trio de ferro, temos que primeiramente entender que a São Paulo da virada do século era muito diferente da atual. A cidade da virada do século XIX para o século XX tinha aproximadamente 240 mil habitantes, sendo que, destes, uma grande parte, talvez até maioria, era de estrangeiros.”

Publicidade
Cidade do São Paulo no início do século XX - Prefeitura de São Paulo
Cidade do São Paulo no início do século XX – Prefeitura de São Paulo

Nesse cenário, então, o futebol passou a ser difundido, o que explica prontamente a origem dos principais clubes da época e a criação da LPF, a Liga Paulista de Football, em 1902. Tendo em vista a forte influência estrangeira no local, quatro dos cinco clubes fundadores do Campeonato Paulista eram de origem não-brasileira: o Germânia, da colônia alemã, o SPAC, da colônia inglesa, o Internacional, fundado por alemães, e o Mackenzie, de estudantes da Escola Americana. O único de origem exclusivamente brasileira, então, foi o Club Athletico Paulistano, grande motor do início do São Paulo Futebol Clube.

“O Paulistano, até a fundação do São Paulo, era o clube mais bem sucedido do país (11 campeonatos paulistas, o primeiro campeão nacional, em 1920, e o primeiro time brasileiro a excursionar para a Europa) e que, ao que tudo indica, possuía a maior torcida da cidade. Isso acontece pois, mesmo o Paulistano sendo um clube de origem elitizada, fundado pelos filhos das tradicionais famílias cafeicultoras e tendo em seu clube social sócios e dirigentes membros das classes mais abastadas, o fato de ter sido um representante genuinamente brasileiro em um cenário em que o futebol era dominando por clubes ‘estrangeiros’, fez com o alvirrubro fosse abraçado pelos paulistas de todas as classes sociais, pois o grande fator determinante da identidade e sua torcida era o fato de ser o clube da cidade”, conta Bueno.

Paulistano foi um dos grandes motores da fundação são-paulina - Acervo Histórico do São Paulo
Paulistano foi um dos grandes motores da fundação são-paulina – Acervo Histórico do São Paulo

Segundo o pesquisador, que se inspira em relatos dos jornalistas Thomas Mazzoni e Sathiel Campos, os torcedores do Paulistano, em maioria, migraram e passaram a apoiar o São Paulo. Assim, o Tricolor se tornou a maior e mais popular torcida da cidade, sendo ultrapassado em quantidade apenas em 1950, pela do Corinthians.

Enfático sobre a identidade, Lucas Bueno cita que a ligação do clube com os aspectos paulistas e paulistanos (como a Revolução Constitucionalista de 1932 e a presença de escudos são-paulinos em protestos contra Getúlio Vargas) foi fator determinante para a construção de uma torcida popular.

“Novamente aqui temos um exemplo de como as questões de identidade nacional superavam as questões de classes sociais no sentido econômico: enquanto o São Paulo agregava dos ricos membros da elite cafeicultora até as camadas mais populares da cidade, tendo até como seu primeiro mascote um negro (Dotô Canindé), o Palestra agregou desde o italiano mais rico da história (Conde Matarazzo) até os imigrantes italianos menos abastados. Este sentimento de Brasil x Estrangeiros era muito comum durante as primeiras décadas do futebol paulista”, explica o pesquisador, citando a relação da rivalidade que persiste até os dias atuais com o Palmeiras.

O fator Morumbi

Nos anos 70, Morumbi ainda contava com poucas moradias - Acervo Histórico do São Paulo
Nos anos 70, Morumbi ainda contava com poucas moradias – Acervo Histórico do São Paulo

Depois de utilizar o Estádio da Floresta, o Campo da Mooca e o Pacaembu, o São Paulo decidiu construir uma casa própria. Assim, em 1952, a área escolhida no Morumbi, região de poucas habitações na época, passou a receber as primeiras estruturas, marcando o início das obras do clube presidido à época por Cícero Pompeu de Toledo, homenageado com o nome oficial do estádio inaugurado parcialmente em 1960, um ano após a sua morte.

Início das obras do Morumbi, em 1952 - Acervo Histórico do São Paulo
Início das obras do Morumbi, em 1952 – Acervo Histórico do São Paulo

Durante a construção da casa tricolor, o bairro também passou a receber as obras do Palácio dos Bandeirantes, à época um projeto da Família Matarazzo e atual sede do Governo do Estado. Assim, a região da cidade teve uma forte crescente populacional e consequentemente o enobrecimento do local, com a construção de mansões e condomínios fechados de luxo por parte da elite paulistana.

Na mesma moeda, o Morumbi também está ao lado de um dos menos abastados locais da capital: Paraisópolis. O bairro, dissidente da grande ocupação de um loteamento nos anos 50, justamente período das grandes obras no atual setor nobre, foi forjado e ocupado por trabalhadores que buscavam moradias mais próximas aos locais em que eram mão-de-obra.

Contraste entre o Morumbi e Paraisópolis - Jorge Maruta / USP Imagens
Contraste entre o Morumbi e Paraisópolis – Jorge Maruta/USP Imagens

Assim, o Morumbi foi formado no século passado como de um local de difícil acesso, o que isolava as luxuosas mansões e o estádio do restante da cidade. Somando a questão da localização a declarações classistas de dirigentes, como Carlos Miguel Aidar, que em 2014 disse que queria repatriar Kaká pelo ex-meia ser “alfabetizado, ser bonito e ter todos os dentes na boca”, o Tricolor adquiriu uma fama de elitizado.

Bi Goes, torcedora tricolor com mais de 600.000 seguidores nas redes sociais, pontuou em tom crítico: “É complicado, o clube São Paulo é elitizado. Só quem tem grana consegue ser sócio do clube social e tem poder de decidir quem também comanda o futebol. E esses acharam por muito tempo que era bonito desmerecer as classes populares e soltar frases vexatórias, como aquela do Aidar.”

“É a nossa casa”

Como exemplifica o pesquisador Lucas Bueno, o distanciamento do Morumbi também ajuda a entender como o São Paulo foi afetado por médias de público mais baixas. A situação, entretanto, tem mudado recentemente em razão de obras de expansão do transporte público.

“Podemos perceber aumentos relevantes da média de publico com a chegada da estação Butantã (2011) e da São Paulo – Morumbi (2018). O Morumbi, durante décadas, foi o estádio com o acesso mais complicado da cidade. Atualmente, podemos observar as mudanças causadas pela chegada do metrô, mas também podemos voltar no passado e pensar no impacto das construções das pontes que ligam os dois lados do Rio Pinheiros. Inaugurado totalmente em 1970, o Morumbi só foi ter um acesso adequado ao seu tamanho em 2018”, disse o especialista.

Corroborando com a análise de Bueno, as estatísticas mostram que o São Paulo contou com médias de público girando na casa dos 30.000 torcedores desde 2017. Vale pontuar que essas temporadas contaram com campanhas ruins, decepções em momentos de decisão e nenhum título de relevância nacional ou continental.

Também nesse contexto, ações institucionais buscaram mudar o discurso, a fim de abandonar um “excesso de confiança” que tomou o clube pelos gloriosos anos 90 e 2000. Com ingressos mais baratos do que os rivais da capital, que atualmente contam com modernas e operacionalmente caras arenas, o São Paulo voltou a encher sua casa e permitir a presença de um público mais popular, que representa grande fatia da torcida, o que contradiz a ideia da total elitização do são-paulino.

Estação São Paulo - Morumbi tem peso na melhora de média de públicos do estádio - Divulgação / Governo do Estado de São Paulo
Estação São Paulo – Morumbi tem peso na melhora de média de públicos do estádio – Governo do Estado de São Paulo/Divulgação

Segundo a pesquisa DNA Paulistano, do instituto Datafolha, de 2008 (ano de alta do clube em campo e antes das inaugurações metroviárias no Morumbi), existe uma forte presença são-paulina em periferias. Inclusive, o estudo mostra que Parelheiros, bairro do extremo-sul considerado um dos mais pobres da cidade, tem a maioria de torcedores tricolores, marcando 27%, contra 22% do Corinthians e 13% do Palmeiras.

O mais popular?

Em um período de baixa há mais de uma década, o São Paulo se aproximou mais da torcida, contrariando expectativas. Simultaneamente, o atual momento da mobilidade urbana e o barateamento dos ingressos levou ao Morumbi um perfil de público diferente.

Questionada sobre uma mudança no clima do estádio com entradas mais baratas, Bi Goes concordou que a atual situação é benéfica. “Eu sempre falo muito que o futebol é do povo e que são essas pessoas que sabem fazer a festa acontecer. O estádio ferve hoje em dia, empurra o time jogo após jogo. A popularização dos ingressos não aumentou só o público, como também trouxe aquele torcedor mais apaixonado, mais fervoroso de volta ao Morumbi. Isso faz total diferença em todos os jogos.”

A influenciadora ainda comentou sobre a popularização ter sido iniciada em busca de atrair mais público, mas que se consolidou como um aspecto do perfil do clube. “No princípio acredito que se deu pela necessidade de levar a torcida do estádio, principalmente para empurrar o clube em campanhas pífias no Brasileiro, mas hoje não é só isso. Passou a ser uma marca do São Paulo Futebol Clube ter ingressos a preços acessíveis para a grande maioria da população. Não acho que em algum momento foi por questão ideológica, mas hoje se tornou a nossa identidade.”

Neste ano, ainda que o clube tenha sido eliminado precocemente no Campeonato Paulista, caído na Copa Sul-Americana e não tenha grandes pretensões no Brasileirão, a fidelidade do torcedor tem um fator especial: a euforia por um título inédito.

São Paulo cresce em casa nas últimas decisões - Nilton Fukuda / São Paulo
São Paulo cresce em casa nas últimas decisões – Nilton Fukuda/São Paulo FC

Neste domingo, 24, o São Paulo recebe a volta da final da Copa do Brasil, após vender a ida, por 1 a 0. As expectativas do clube são de mais um jogo com o Morumbi lotado, ultrapassando os 62.000 presentes. Assim, o Tricolor chegará a 13 partidas na temporada com mais de 50.000 torcedores, um marco inédito.

Por outro lado, o manejo de preços da final fugiu da lógica são-paulina nos últimos anos. Tabeladas em valores (inteira) que variam entre 200 e 1.500 reais, as entradas representaram grande aumento em relação ao que vinha sendo praticado, o que foi reconhecido e balanceado pelo presidente Julio Casares, em entrevista ao programa Roda Viva: “Tem o valor de 200. É pouco? Não, ainda é muito, mas é uma forma de você tentar equilibrar as contas de um clube que chega na final como protagonista.”

Para fazer parte da nossa comunidade, acompanhe a Placar nas mídias sociais.

Publicidade