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Os bastidores da misteriosa convulsão de Ronaldo na final de 1998

Um ano depois da derrota por 3 a 0 para a França, PLACAR esmiuçou as polêmicas envolvendo a condição física do maior craque do planeta

Vinte e quatro anos se passaram e até hoje ecoa o questionamento: o que realmente aconteceu com Ronaldo horas antes da final da Copa do Mundo de 1998? Ainda nos primórdios da internet, em uma época em que o termo fake news nem sequer existia, espalharam-se as mais delirantes teorias da conspiração “se vocês soubessem o que aconteceu, ficariam enojados”, era a brincadeira corrente. O que, de fato, ocorreu: o maior jogador do planeta na ocasião teve uma convulsão na concentração e, mesmo assim, apoiado por um laudo médico, entrou em campo na derrota para a anfitriã França por 3 a 0… e o resto é história. Uma história que PLACAR fez questão de detalhar um ano após o episódio, em sua edição de junho de 1999. 

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“A verdade”, estampou a revista na capa ilustrada por uma queda de Ronaldo no gramado do Stade de France. A reportagem especial escrita por Luís Estevam Pereira, com a colaboração de outros sete jornalistas no Brasil, na França e na Itália, destrinchou todo o caos vivido na concentração da seleção brasileira. Para além de Ronaldo (então chamado de Ronaldinho, antes do surgimento do xará gaúcho), ganham protagonismo o técnico Zagallo e, sobretudo, o médico Lídio Toledo.

Em clima de Copa do Mundo, a 10 dias da abertura no Catar, o blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um dos tesouros de nossos 52 anos de arquivo, transcreve a reportagem na íntegra, abaixo:

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Fim do mistério

Desde o final da Copa da França fica a pergunta: o que aconteceu com Ronaldinho e a Seleção naquele dia? PLACAR finalmente desvenda o segredo e revela os bastidores da derrota brasileira no Mundial

Por Luís Estevam Pereira; Colaboraram: Alexandre Baçallo, Celso Unzelte, José Alberto Andrade, Martha Esteves, Enzo Paladini (Milão), Ronaldo Soares (Paris) e Fernando Valeika de Barros (Paris)

O súbito mal-estar de Ronaldinho, ocorrido horas antes de o Brasil entrar em campo para disputar o pentacampeonato mundial, em dia 12 de julho de 1998, já foi motivo de choro. Atribuía-se ao fato a surra de 3 x 0 aplicada pelo Selecionado Francês sobre a desnorteada Seleção Brasileira. Depois, virou tema de chacota, com o menino Ronaldo desempenhando o injusto papel de judas em sábado de aleluia. Nos últimos tempos, porém, o caso vinha se transformando num mistério, tal qual a morte de PC Farias ou o ET de Varginha. Essa visão conspiratória não é exclusiva dos brasileiros. O jornal italiano Corriere dello Sport fala da “misteriosa pílula azul” tomada pelo Fenômeno depois da crise. O jogador francês Zidane, carrasco do Brasil na final, diz que “o mundo talvez só saiba de parte do que realmente aconteceu naquele dia”.

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Nos últimos meses, a equipe de PLACAR apurou tudo sobre aquele fatídico dia e seus desdobramentos. Foram entrevistados mais de duas dezenas de personagens, entre jogadores, membros da Comissão Técnica, adversários e médicos. Os resultados surpreendem. Ronaldo teve uma convulsão, sim. O problema tem o complicado nome de crise convulsiva tônico-clônica generalizada. Os sintomas apresentados pelo jogador indicavam que ele deveria ficar em repouso ” e não disputar uma Final de Copa do Mundo. Naquele dia, Zagallo só viu Ronaldo minutos antes de a partida começar. O técnico tomou a decisão incorreta de escalar o jogador por falta de informações mais detalhadas. O atleta correu o risco de sofrer outra convulsão durante a partida. A pílula azul era o potente calmante Valium, que teria minado ainda mais as condições do jogador entrar em campo. Os médicos Lídio Toledo e Joaquim da Mata erraram em liberar Ronaldo e, até hoje, se enrolam na hora de explicar a história. História que é contada nas oito páginas que se seguem.

Foi convulsão

Ronaldo após a derrota: todos os holofotes nele
Ronaldo após a derrota: todos os holofotes nele

Às 14 horas e 3 minutos (horário da França) do dia 12 de julho de 1998, o maior jogador do mundo apagou. Ronaldo Luís Nazário de Lima perdeu a consciência quando seu cérebro sofreu uma sobrecarga nos neurônios e o resto do corpo perdeu o controle. Por quase dois minutos, os jogadores que testemunharam a cena viram o amigo tremer com violência, enrijecer a musculatura das extremidades, respirar com dificuldade, ficar roxo, babar, se transfigurar (veja quadro O Grande Mal). Até hoje, as especulações sobre o distúrbio que atingiu Ronaldo sete horas antes da final da Copa falaram de convulsão, crise nervosa, síndrome do pânico etc. Chegou-se até mesmo a afastar a hipótese de convulsão, na verdade, a única correta.

Distúrbios como o que Ronaldo sofreu atingem 2% da população mundial mas raramente são presenciados pelos médicos. “O diagnóstico se baseia nas informações dadas pelas pessoas que presenciaram a convulsão”, explica o neurologista Milberto Scaff, professor-titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O doutor Scaff explica o quadro descrito: “Os sintomas são de uma crise convulsiva tônico-clônica generalizada”.

PLACAR consultou ainda outros três renomados neurologistas brasileiros. Todos cravaram o mesmo diagnóstico. “Não tenho dúvida de que esse foi o distúrbio sofrido por Ronaldinho”, afirma o neurologista Acary Souza Bulle Oliveira, professor da Escola Paulista de Medicina. “É uma das convulsões de mais fácil diagnóstico pois seus sintomas são os mais evidentes”, sustenta o neurocirugião Alex Caetano de Barros, professor-titular da Universidade Federal de Pernambuco. “Todos os sinais são de uma crise convulsiva generalizada”, diz o médico Marcelo Bezerra, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

A reconstituição da convulsão de Ronaldo
A linha do tempo da convulsão de Ronaldo

Medo de epilepsia

Se os sinais são tão claros, por que até agora ninguém havia apontado com certeza o distúrbio de Ronaldo? A resposta pode estar na Internazionale de Milão, a equipe na qual atua o brasileiro. Os dirigentes italianos fazem tudo para caracterizar a crise do Fenômeno como um mal-estar provocado pelo estresse. “Não deve haver interesse no clube em dizer que o jogador mais caro do mundo sofreu uma convulsão já que, se o problema voltar a se manifestar, se tratará então de epilepsia”, pondera o doutor Acary. Na definição médica, epilepsia é a recorrência de convulsões.

“Descarto a hipótese de convulsão”, diz Piero Volpi, o médico da Internazionale. “Todos os exames neurológicos apresentaram resultados normais.” A declaração de Volpi não bate com o diagnóstico do doutor Alex Caetano de Barros, encarregado pela Internazionale dos exames a que Ronaldo se submeteu no Rio de Janeiro, após o Mundial. “Foi uma crise convulsiva”, atesta Barros. Segundo o médico, que conversou demoradamente com Ronaldo e com seus pais, não há registros de casos semelhantes na família. Em meados de maio, Ronaldinho se submeteu novamente a testes neurológicos na Itália. Ficou 24 horas sem dormir para deixar o sistema nervoso mais sensibilizado e passou por um eletroencefalograma. “Os resultados voltaram a ser normais”, informa Reinaldo Pitta, um dos empresários de Ronaldo.

Outro fator que serviu para embaralhar ainda mais a verdade foi o comportamento dos médicos da Seleção. Logo depois da Copa, o ortopedista Lídio Toledo e o clínico Joaquim da Mata deram entrevistas levantando diversas hipóteses sobre o distúrbio de Ronaldo. Lídio mencionou distonia neurovegetativa (termo ultrapassado que define vagamente uma série de distúrbios de fundo nervoso); Joaquim falou de conversão (espécie de desmaio causado por tensão ou choque emocional). Curioso é que nos momentos que se seguiram ao mal-estar de Ronaldo, os dois falaram claramente em convulsão. “Quando fui ver Ronaldo, o doutor Joaquim me avisou que ele tinha tido uma convulsão”, diz Zico, então coordenador técnico do Brasil. “Vi que era convulsão na hora”, reforça Lídio, hoje. “Embora não seja neurologista, tenho muita experiência nesses casos porque trabalhei 39 anos no pronto-socorro do Hospital Miguel Couto.”

Médicos nervosos

Ao ver o estado de Ronaldinho, Lídio teria ligado na hora para o neurologista Aderbal Maia, do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro. Foi Aderbal quem teria recomendado que se levasse o jogador para fazer exames. Hoje, contudo, o neurologista se mostra extremamente nervoso ao comentar o fato. Procurado pelo repórter Alexandre Baçallo, Maia destemperou-se: “Não quero me envolver nessa porra. Me desculpa o palavrão, mas estou de saco cheio. Outra coisa, vê lá o que você vai publicar. Se tiver alguma coisa diferente do que eu falei, você toma cuidado. Muita gente passa na minha mão aqui no hospital e… Tá entendendo?”.

O que pode estar deixando alguns médicos à beira de um ataque de nervos é o fato de Ronaldinho ter disputado uma final de Copa do Mundo apenas sete horas depois de sofrer uma convulsão. “Foi um erro absoluto já que as 24 horas que se seguem a uma convulsão são as mais propícias para a recorrência do problema”, afirma o neurologista Barros. “Ronaldinho poderia ter sofrido outra convulsão na frente de dois bilhões de telespectadores.” O doutor Acary concorda: “Foi uma temeridade. Os médicos erraram em liberá-lo”.

Tudo leva a crer que Ronaldo ainda estava atordoado quando entrou em campo. Depois de sofrer uma crise convulsiva tônico-clônica generalizada, o paciente enfrenta o chamado “estado crepuscular”. Além de estar com a musculatura em pandarecos, fica sonolento, moroso, perde a relação tempo-espaço. Esse parece ter sido o caso de Ronaldo. Basta lembrar que ele disse se sentir como “se tivesse levado uma surra” após a crise. O encontrão com o goleiro Barthez também serviria para demonstrar que ele estava sem timing na final. “Quando vi Ronaldo na corrida, achei que ele ia parar, porque a bola estava mais para mim. Mas ele continuou e houve o choque”, relembra Barthez.

Outro motivo de estresse entre os médicos tem sido a misteriosa pílula azul tomada por Ronaldo. “Demos meio comprimido de Valium (5 miligramas) depois do jogo”, afirma o doutor Joaquim. “Já vi através da imprensa o doutor Lídio dizer que deu o medicamento antes do jogo, depois do jogo e até no avião de volta”, desconfia o médico Barros. “Alguém deve tê-lo alertado sobre o erro que cometera.” Na época, o próprio Ronaldo afirmou em entrevista à TV Globo que havia tomado a pílula azul antes do jogo. O principal efeito colateral do Valium é uma sonolência que pode durar até 24 horas. E talvez o craque brasileiro tenha enfrentado uma final de Copa do Mundo nesse estado.

Qualquer que tenha sido a hora, foi errado dar o medicamento para Ronaldo. O Valium é um ansiolítico, ou seja, um forte calmante que deve ser ministrado em pessoas com crise nervosa. “Não tem sentido dar um comprimido de Valium para quem teve uma convulsão há horas. A substância só serve para abortar uma crise na sua forma intravenosa (injeção)”, esclarece o doutor Acary. Se Lídio sabia o que Ronaldinho teve, por que deu um calmante que não tinha nenhuma ação sobre convulsões? Outra dúvida que permanece: quando o medicamento foi dado?

Promessa de gol

Lídio Toledo e Joaquim da Mata haviam barrado Ronaldo e só o liberaram depois dos resultados dos exames feitos na Clinique des Lilas. A clínica foi a única da região de Paris indicada pela Fifa e pelo Comitê Organizador da Copa para o atendimento de jogadores durante a competição. “O radioneurologista da Lilas achou que nós estávamos mentindo, porque nenhum dos exames acusou nada”, relembra o doutor Joaquim. Só que cerca de 20% dos pacientes que sofreram convulsões apresentam exames com resultados absolutamente normais. “Li o relatório da clínica Lilas. Em nenhum momento está escrito que o jogador podia jogar futebol”, conta o doutor Alex Caetano de Barros. “Não sabíamos dessa história de que Ronaldo não ia jogar”, revela Philippe Krief, diretor da Lilas. Portanto, a pergunta “Ronaldinho pode jogar a final?” não foi feita pelo médico brasileiro. E, se fosse, dificilmente a resposta seria dada. A responsabilidade, afinal, era de Joquim da Mata e Lídio Toledo.

E o que os dois deveriam ter feito? “Colocar o jogador em repouso, nunca deixar disputar um jogo de futebol”, responde o doutor Acary. O professor Scaff pondera que a decisão depende da avaliação dos médicos. Mas admite que, nos seus 33 anos de experiência, deu sempre uma só recomendação para pacientes que, depois de crises, apresentaram sinais como sonolência e dores no corpo: repouso.

Na clínica Lilas, Ronaldo começou a pressionar o doutor Joaquim. O médico ligou para Lídio: “Eles fizeram todos os exames e não encontraram nada. O Ronaldo quer jogar. Vamos ter problemas…”. O jogador estava tão confiante que até prometeu aos médicos franceses marcar um gol em homenagem a eles.

Quando Ronaldo encontrou o técnico Zagallo nos vestiários do estádio Saint-Denis, faltava menos de uma hora para o Brasil entrar em campo. Apesar de todos os acontecimentos, era a primeira vez que o Velho Lobo via o jogador naquele dia. Embora Lídio afirme que o treinador foi alertado 20 minutos depois do acontecido, Zagallo desmente o médico. “O Lídio só me avisou do problema três horas mais tarde”, lembra-se, irritado. E quando o supremo-comandante da Seleção soube da convulsão, Ronaldinho já tinha saído rumo à clínica Lilas. “Acho que esse foi o grande erro: na hora que aconteceu o problema, não avisaram nem o Zagallo, nem a mim, nada”, reclama Zico.

“Toda vez que olhávamos para o Ronaldo, o pensamento que vinha à mente era de que ele ia ter a crise de novo”, recorda o volante César Sampaio. “Ver ele todo roxo foi assustador. Ficamos o tempo todo temendo pela sua vida”, lembra o zagueiro Gonçalves. “Achei que ele ia morrer”, confirma o lateral Zé Carlos. Ao contrário dos seus atletas, Zagallo não tinha na cabeça a imagem aterradora da convulsão. Também não encontrara o atacante atordoado na hora do lanche. O Ronaldo que Zagallo encarava estava até com boa aparência. “O melhor jogador do mundo pede para jogar, os médicos liberam, vou fazer o quê?”, diz o técnico. “Escalei. Foi a decisão mais difícil da minha vida.”

Em campo, a presença de Ronaldo obrigou os jogadores a tomarem uma decisão correta, mas que se mostrou fatal no desenrolar da partida. Com medo de que cabeceasse, os brasileiros deixaram Ronaldo sem atribuições defensivas nos escanteios contra o Brasil. Normalmente, o atacante marcaria Zidane (1,85 m) que, como Ronaldo (1,83 m), era perigoso mas péssimo nas cabeçadas. No novo desenho tático, Júnior Baiano pegou o zagueiro Le Boeuf; Aldair, o atacante Guivarch; César Sampaio, o ala Thuram; e Leonardo (1,77 m), Zidane. Não deu certo e o francês marcou um dos primeiros gols de cabeça da sua carreira. “No momento do segundo gol, ouvi o Dunga (1,77 m) gritar que ele pegaria o Zidane”, recorda Leonardo. Também não funcionou: Zidane 2 x 0.

Procurado por PLACAR, Ronaldo se recusou a falar sobre o tema. Mas, na edição de abril da revista inglesa Four Four Two, há uma entrevista na qual o brasileiro aborda o Mundial. Ele diz que pediu a Zagallo para entrar pois se sentia bem. Também faz uma avaliação precisa do que foi a Seleção na Copa: “O Brasil não jogou bem quase todas as partidas e jogou muito mal a final, quando todos os jogadores atuaram mal. A França mereceu”.

O que aconteceu com Ronaldo na final de 1998
O que aconteceu com Ronaldo na final de 1998

Esquimó no Pólo Norte

Tomada minutos antes do início do jogo, a decisão de escalar Ronaldo surpreendeu. “Quando cheguei ao vestiário, Zagallo já tinha mandado Ronaldo se aquecer”, conta Zico. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, só foi comunicado da mudança mais tarde. “Quando soubemos, ficamos perplexos, vendo e ouvindo tudo, querendo entender o que se passava”, relembra o meia Leonardo. O que aconteceu foi que os médicos Lídio Toledo e Joaquim da Mata foram esmagados pela responsabilidade de barrar o melhor jogador do mundo numa final de Copa.

“Imagine a minha situação”, defende-se Lídio. “O Ronaldinho diz que está bom e o médico veta. E o time perde. No dia seguinte, o jogador declara que estava bem e que fulano-de-tal o barrou. Aí vou ter que mudar de país. Vou para o Pólo Norte. Vou virar esquimó.” O meia Leonardo resume a situação: “Se fosse qualquer outro, não jogaria e pronto”. Irônico: o azar de Ronaldo ” e do Brasil ” foi ser ele o melhor do mundo.

A taça é deles

O meia Zidane, o goleiro Barthez e o técnico Aimé Jacquet contam como a França massacrou o Brasil na final da Copa

Convulsões e confusões à parte, não há como contestar a vitória francesa na Copa de 1998. Além de sapecar 3 x 0 na Final contra o Brasil, a França do técnico Aimé Jacquet teve a defesa menos vazada (2 gols) e o ataque mais eficiente (15 gols) da competição. Se o time não mostrou nenhum atacante de respeito, ao menos teve craques como o goleiro Barthez, o zagueiro Desailly, o ala Thuram, o volante Petit e o cerebral meia Zidane. PLACAR conversou com Barthez, Zidane e Jacquet. Os três relembram o jogo contra o Brasil e reafirmam: venceu o melhor time.

Barthez

“Os jogadores brasileiros pareciam cansados”

Você notou algo de estranho com o Ronaldinho na Final da Copa?
Não mesmo. Aparentemente ele não tinha nada de mais. Se não estava conseguindo se sair muito bem é porque a França também estava sabendo se defender, não deixando espaços.

Os brasileiros pareciam apáticos?
Eles não pareciam diferentes, apenas um tanto cansados. Eles também não estavam conseguindo fazer o seu jogo. Mas isso porque nós fazíamos a bola circular e não dávamos espaços.

Os gols contra o Brasil nasceram de jogadas ensaiadas?
Sempre repetíamos essas jogadas nos treinos. Mas, é aquele negócio, o que você faz nos treinos nunca acontece da mesma forma nos jogos. Naquele dia, deu certo.

Estão menosprezando a França quando falam que a crise do Ronaldinho foi responsável pela derrota do Brasil?
Sim, e isso até me irrita um pouco. Uma equipe não se baseia num único jogador. São onze em campo, todos têm sua importância. Tanto é que o Brasil é forte mesmo sem Ronaldo. O Brasil poderia perfeitamente ganhar aquela partida, assim como pode ganhar qualquer outra, mesmo sem Ronaldo em campo.

Francamente, vocês podiam imaginar que seria tão fácil ganhar do Brasil?
Mas não foi fácil. Tanto que, quando o jogo estava 2 x 0, o Brasil pressionava muito. Se vocês tivessem marcado um gol, viriam com tudo para cima. Mas tínhamos muita confiança em nós mesmos, no nosso jogo, no que deveríamos fazer.

Zidane

“Nunca dei cabeçadas como as da final”

Quantos gols de cabeça você já tinha feito antes da Final da Copa?
Fiz quatro ou cinco em toda a carreira. Mas todos bem mais fáceis, por exemplo, cabeceando a bola a menos de um metro do gol. Cabeçadas como as da Final da Copa, eu não tinha dado nunca.

Seus gols contra o Brasil nasceram de jogadas ensaiadas?
Não. Todo mundo sabe que o jogo de cabeça não é a melhor coisa do meu futebol. Quando vi a bola no ar, falei para mim mesmo: “Zizou, pelo menos uma vez você tem que tentar”. Tentei e consegui. Ainda não sei como foi possível.

Não era você o encarregado de cobrar os escanteios? Por que houve a mudança?
Na primeira fase, sim. Mas, depois da minha expulsão contra a Arábia, o técnico Jacquet colocou o Petit para cobrar. Como ele cobrava bem, passei a entrar na área para aproveitar alguma bola perdida.

Você notou algo de estranho com Ronaldinho e os jogadores brasileiros?
Vocês imaginam a tensão dentro do vestiário antes de uma final da Copa do Mundo? Nós estávamos totalmente concentrados. Quando entrei em campo, só vi onze jogadores brasileiros concentrados, com muita vontade de ganhar.

Você acha que estão menosprezando a Seleção Francesa quando falam que a crise do Ronaldinho foi o fator responsável pela derrota brasileira?
Sim. Foi uma grande vitória da França. Uma vitória de um time que na opinião de muitos não tinha um grande centroavante, mas na minha opinião tinha 22 grandes jogadores e um grande técnico. E, sinceramente, não digo que foi o Mundial de Zidane: foi o Mundial de Thuram.

Como você acha que será o próximo encontro entre Brasil e França?
Pode ser a final da próxima Copa, quem sabe? Acho que será um jogão e espero que a França tenha o melhor de Zidane e o Brasil, o melhor de Ronaldo. Assim, se ganharmos, ninguém mais poderá dizer que a Copa de 1998 não foi merecida.

Aimé Jacquet:

“Não deu gosto ver o Brasil jogar na Copa”

A final foi o jogo mais difícil da França?
Não, considero a semifinal contra a Croácia o mais difícil. Os brasileiros são os melhores jogadores do mundo mas não fizeram um grande Mundial.

Os brasileiros foram arrogantes na final?
Nada disso. O que eu senti foi um Brasil enfraquecido e inquieto, que não estava seguro de si, ao contrário da França. Da nossa concentração até o estádio, milhares de pessoas acompanharam o ônibus, gritando e agitando bandeiras. Quando pisamos no gramado tínhamos uma vantagem psicológica imensa. O Brasil que entrou no campo não estava à altura do Brasil que se esperava.

O que aconteceu de errado com o Brasil?
Não deu gosto de ver a Seleção jogar na Copa de 1998. O time foi confuso e brilhou em poucos jogos, como contra Holanda. Os brasileiros pagaram por não se prepararem adequadamente para a Copa.

O Brasil esperou que Ronaldo ganhasse a Copa do Mundo sozinho?
Talvez. Na Copa, Ronaldo estava visivelmente longe da sua melhor forma. Sem falar da falta de Romário, um gênio que faz diferença em qualquer equipe no planeta. A defesa brasileira também falhava muito. A jogada que originou os gols do Zidane não nasceu do improviso. Ela tinha sido discutida exaustivamente por nós. O Brasil cometia falhas incríveis na marcação, principalmente em bolas paradas. Na preleção que fiz antes da decisão, chamei o Zidane e o alertei para esta situação. Mandei que ele aproveitasse a sua altura e subisse mais para a área em vez de ficar esperando o rebote. E assim Zidane marcou dois gols na Final.

Zidane da França, fazendo gol no Brasil, durante jogo entre França x Brasil, na final da Copa do Mundo 1998, no State de France
Zidane da França, fazendo gol no Brasil, durante jogo entre França x Brasil, na final da Copa do Mundo 1998, no State de France

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