Jurassic Sousa: em 1995, PLACAR conheceu o Dinossauro da Paraíba
Algoz do Cruzeiro na Copa do Brasil de 2024, time é o orgulho da cidade onde foram gravadas pegadas de dinossauro há milhões de anos
Em uma atuação memorável sob forte chuva, o Sousa eliminou o Cruzeiro, na última quarta-feira, 21, na primeira fase da Copa do Brasil. A vitória por 2 a 0 já garantiu a que é a melhor campanha da história do Dinossauro, como é apelidado por um motivo peculiar que PLACAR ajudou a contar há quase 30 anos.
Comandada por Danilo Bala, autor dos dois gols, a façanha levou o nome do time paraibano a destaque nacional. Naturalmente, o escudo do time, que carrega um dinossauro com o dedo polegar levantado, gerou curiosidade. A origem do animal presente no escudo – e que também é o mascote – é uma referência ao Vale dos Dinossauros, sítio paleontológico situado na cidade de Sousa, distante 430 km da capital João Pessoa e com cerca de 70.000 habitantes.
O local que conta com centenas de pegadas fossilizadas de dinossauros é uma das principais unidades de conservação do Brasil. Na edição de abril de 1995, a mesma da histórica capa em que Edmundo segura um ursinho de pelúcia, PLACAR foi conhecer o clube que conquistara seu primeiro título paraibano um ano antes. A reportagem de Sérgio Xavier Filho, com fotos de Ricardo Correa, é embalada pelo sucesso do filme Jurassic Park, dirigido por Steven Spielberg e lançado em 1992.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, aproveita dica da página Velho Futebol no Instagram e reproduz a reportagem abaixo:
Confira a matéria completa, presente na edição 1102 de PLACAR, publicada em abril de 1995:
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JURASSIC SOUSA
Um time de futebol faz
sucesso na cidade em que foram gravadas
pegadas de dinossauros há milhões de anos
Sérgio Xavier Filho
O CAMPO ERA UM LODO SÓ
Rápido como uma ave, o adversário escapa entre os corpulentos zagueiros e tenta ganhar a linha de fundo. Acontece que os dois becões, cada um com 2 metros de altura, são jovens e espertos. O atacante não passa e é devorado ali mesmo em poucos minutos. A jogada, disputada por dois filhotes de Tiranossauro Rex e provavelmente um primo distante dos pássaros, aconteceu há cerca de 110 milhões de anos no interior da Paraíba e só foi reconstituída por paleontólogos nesse século graças a um desses caprichos da natureza que gravou as pegadas na lama. O cenário, abençoado pelo acaso, foi de certa forma amaldiçoado pelo designos geopolíticos.
Centenas de pegadas de Tiranossauros, Estegossauros e Iguanodontes se espalham no município de Sousa, a 430 quilômetros de João Pessoa e a léguas do que se pode chamar de prosperidade econômica. De uns tempos para cá, no entanto, a cidade-que já é um importante ponto no mapa científico mundial escreveu seu nome na galeria do futebol brasileiro. Apenas três anos depois de criado, o Sousa Esporte Clube desafiou a lógica e desbancou os “grandes da Paraíba”. Foi o primeiro clube a vencer o campeonato estadual fora do eixo João Pessoa/Campina Grande. Com o título, o dinossauro verde, como é chamado pela torcida, ganhou o privilégio de disputar a primeira fase da Copa Brasil e ser desclassificado pelo Flamengo de Romário. “Desde que colocamos o dinossauro no emblema do clube, entramos numa grande fase”, diz Aldeone Abrantes, presidente do clube.
O amuleto verde pode não vencer partidas, mas o certo é que o limitado time do Sousa entrou no campeonato estadual do ano passado com um orçamento acanhado e jogadores desconhecidos. A folha de pagamento mensal de toda equipe gira em torno de 3.000 reais. Representa a décima parte do salário de um único astro do futebol paulista como o palmeirense Edmundo. “Não é fácil o futebol por aqui”, reconhece o atacante Caçote.
As dificuldades vividas pela Sousa esportiva são compartilhadas pela Sousa científica. O Rio do Peixe, lugar onde foram descobertas as pegadas, virou uma ameaça ao maior patrimônio da cidade. Não é preciso muita chuva para o rio subir, cobrir as marcas dos lagartões e desgastá-las. “A solução perfeita seria mudar o curso do rio”, afirma Robson Marques, o Indiana Jones local. Funcionário da prefeitura, Marques é um paleontólogo amador que escava a região a procura de novas pegadas e informa os raros turistas que visitam a cidade.
Sousa ainda não conseguiu montar uma estrutura turística. O vale dos dinossauros tem acesso difícil, carece de um lugar onde se encontrem informações ou mesmo um refrigerante no calor de 40 graus. A cidade não fica muito atrás. Há um único hotel habitável, dois restaurantes regulares e o jeito de chegar a cidade é atravessando de carro os 430 quilômetros que a separam de João Pessoa. A eleição de Antônio Mariz para o governo da Paraíba pode mudar esse quadro. Ele nasceu em Sousa e o estádio de 15 000 lugares leva o seu nome.
A falta de investimentos dos governos no impressionante sítio de Sousa contrasta com a descoberta do dinossauro como peça de marketing. Depois que Steven Spielberg lançou seu Parque dos Dinossauros, no início de 1992, uma dinomania tomou conta da cidade. Mesmo sem ter répteis se arrastando na tela grande – Sousa não tem cinemas -, a marca se revelou campeã de vendas. Há uma casa noturna, a Rocksauro; uma indústria de fundo de quintal que fabrica bicicletas, a Bikesaur; e até um motel que assegura a seus hóspedes “noites animais”. Quando o filme de Spielberg desembarclu na única locadora de vídeo da cidade, foi um corre-corre só. A proprietária da Veja Vídeo, Socorro Maia, teve que fazer quinze cópias piratas para evitar comoção no sertão.
Quem realmente enxergou nos dinossauros uma fonte de lucros foi o empresário Francisco de Sousa, o Tico Cora. No princípio, era uma rádio FM que tinha nos répteis o seu principal apelo. Na hora de escolher o nome do novo negócio da família, uma papelaria, não houve indecisão: Papyrosauro. Para garantir o apelo, Tico Cora jogou pesado. Colocou na papelaria uma réplica de 2 metros e 200 quilos do Tiranossauro Rex feita de resina e gesso.
Em Sousa, o responsável pela cenografia também leva a cidade no sobrenome. Francisco Wellington de Sousa, 24 anos, fez réplicas de dinossauros com uma precisão nos detalhes e nas proporções que espantou paleontólogos. A obra prima de Francisco tem 8 metros e é um T-Rex cinza hoje jogado numa usina de algodão. O escultor participou também da conquista do título estadual do Sousa. Francisco foi lateral do Sousa em 1991 quando o time venceu a segunda divisão. Apesar do fascínio por feras de dentes pontiagudos, o jogador garante que seu estilo não era o de beque carniçeiro. “Só não dava para jogar e receber um salário-mínimo”, diz Francisco, que pendurou as chuteiras para a felicidade da ciência sousense.
A TRILHA DAS FERAS
As pesquisas e vestígios deixam poucas dúvidas. Há milhões de anos, o Brasil era um parque dos dinos- sauros. De norte a sul do País, há rastros de passagem dos répteis gigantes. No Rio Grande do Sul, foi encontrado o esqueleto completo do Staurikossauro, um vovô da espécie com seus 220 milhões de anos. Em Pernambuco, apareceram ossos de Pteurossauros, animais alados que viraram aviões de carreira nos desenhos dos Flintstones.
No interior de Minas Gerais, existem fósseis e ovos petrificados de Titanossauros, gigantes de 18 metros. Mas um dos sítios paleontológicos mais apreciados pelos pesquisadores é Sousa, com as mais nítidas pegadas de dinossauros já encontradas na América Latina. Descobertas em 1897, as pegadas foram batizadas de “rastro do boi e da ema”.
Trinta anos mais tarde é que se constatou que o boi e a ema eram dinossauros de verdade. As pegadas surgiram por um desses milagres da natureza. Logo depois dos animais pisarem na lama, um longo período de insolação e seca gravou as marcas. Camadas de areia protegeram as pegadas por milhões de anos até as águas do rio retirarem essa terra toda, revelando a humanidade informações sobre os dinossauros.
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