Há 30 anos, Brasil chorou a morte do craque Dener
Cultuado por seus dribles, ídolo da Lusa morreu aos 23 anos, em acidente de carro no Rio, quando atuava pelo Vasco e negociava com clube alemão
Há quase 30 anos, no dia 19 de abril de 1994, o futebol brasileiro amanheceu com uma notícia devastadora. Dener, o craque-prodígio da Portuguesa, então emprestado ao Vasco, não resistiu a um acidente de carro na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, aos 23 anos. Ele estava dormindo no banco do passageiro e morreu enforcado pelo cinto de segurança, quando voltava de São Paulo, onde passara a folga com a família. Com passagens por Lusa, Grêmio, Vasco e seleção brasileira, Dener atraiu uma legião de fãs com seus dribles e além da saudade deixou a eterna dúvida: onde teria chegado não fosse esta tragédia?
Logo que surgiu, os torcedores mais entusiasmados logo o compararam ao rei Pelé. Hoje, seu estilo de jogo é constantemente confrontado ao de Neymar. Fato é que Dener foi um dos personagens marcantes do futebol nacional no início dos anos 90.
Dener Augusto da Silva nasceu em São Paulo, em 2 de abril de 1971, e cresceu na Vila Ede, na zona norte da capital paulista. Moldou seu estilo de jogo ousado nas quadras do futsal e, após chamar atenção pelo Colégio Bilac, teve a chance de treinar no campo por seu time do coração, o São Paulo – se dizia também que seu sonho mesmo era atuar pelo Corinthians, time do avô materno, seu Zé, que assumiu a figura paterna quando o pai de Dener faleceu precocemente.
A passagem pelo Morumbi durou pouco e Dener se consagrou mesmo no Canindé. Em 1991, brilhou pela Lusa na conquista da Copa São Paulo de Futebol Júnior. No mesmo ano, já na equipe profissional da Portuguesa, marcou seu gol mais antológico, enfileirando marcadores da Inter de Limeira pelo Paulistão. Aos 20 anos, já estava convocado para a seleção brasileira e chamava a atenção de grandes clubes do país.
Acabaria emprestado pela Portuguesa, primeiro ao Grêmio, onde foi campeão gaúcho, e depois ao Vasco, pelo qual também participaria da campanha vencedora do Estadual. Durante uma excursão do clube carioca pela Argentina, receberia elogios rasgados de ninguém menos que Diego Armando Maradona, após brilhar contra o “Pibe”, que atuava no Newell’s Old Boys.
Na época, a torcida vascaína lhe homenageou com a seguinte canção nas arquibancadas: “É, cafuné, é cafuné, o Dener é a mistura do Garrincha com o Pelé!”, conforme lembra a edição dos campeões de PLACAR daquele ano.
Dener fez sua último jogo em 17 de abril de 1994, um empate em 1 a 1 com o Fluminense, pelo quadrangular final do Campeonato Carioca. Foi expulso na partida e viajou para São Paulo, onde reviu os familiares e se encontrou com dirigentes da Lusa e do Sttutgart, da Alemanha, que estava perto de comprá-lo. Na volta, perto das 5h da madrugada, seu carro, um Mitsubishi Eclipse com a placa DNR 0010, chocou-se com uma árvore na Lagoa Rodrigo de Freitas. O motorista, seu amigo Otto Gomes Miranda, dormiu no volante e perdeu a direção.
Dener deixou a esposa Luciana Gambino e os três filhos do casal, Denis, então com 7 anos, Felipe, 5, e Dener Mateus, 3. Três anos e meio depois, na edição de setembro de 1997, o repórter Amauri Barnabé Segalla, entrevistou a viúva de Dener, que enfrentava uma verdadeira batalha nos tribunais por seus direitos. O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivas, reproduz o texto na íntegra, e homenageia o eterno ídolo da Lusa que nos deixou a três décadas.
A herança de Dener
Por Amauri Barnabé Segalla Foto Montagem de Pedro Rubens
O drama da viúva Luciana e dos três filhos não acabou no acidente que matou o craque da Portuguesa há três anos e meio. Sem receber o seguro do jogador, a família está longe de superar o trauma
A carreira do jovem Dener, craque com repentes de Pelé, foi cortada em abril de 1994 por um acidente de carro na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Jogador da Portuguesa emprestado ao Vasco, Dener morreu enforcado pelo cinto de segurança quando voltava de São Paulo para o Rio, depois de passar o dia com a família. Ele só tinha 23 anos. A tragédia mudou a vida da esposa, Luciana Gambino. Da noite para o dia, ela se viu sozinha, com três filhos pequenos: Denis, 7 anos, Felipe, 5, e Dener Mateus, 3. Obrigada a enfrentar o submundo da cartolagem, ela luta na Justiça para receber o dinheiro do seguro. Desempregada, Luciana já deve 20 000 reais só de condomínio.
PLACAR Como está o processo contra a Portuguesa? Os 3 milhões de reais do seguro do Dener vão sair?
LUCIANA O problema é o Vasco. Eles vão encrencar até o fim. Mas o meu processo é contra a Portuguesa. Já a Portuguesa move outro processo contra o Vasco. Mas a Portuguesa diz que não vai pagar porque não tem dinheiro no caixa. Eles dizem que precisam esperar o Vasco pagar.
P. Você e as crianças estão recebendo alguma pensão?
L. A pensão não saiu ainda. Não sei se sou muito ingênua. O meu advogado disse que o problema era o Vasco, que não passava a listagem dos pagamentos do Dener. Não tenho idéia do valor. Eles precisam fazer os cálculos.
P. Você está trabalhando?
L. Estou desempregada. O meu pai acha que eu não devo trabalhar fora, porque os meninos já não têm pai. Não dá para trabalhar com as crianças pequenas.
P. Como você faz para sobreviver?
L. Minha irmã Lucinéa, que mora comigo, trabalha como secretária. Ela recebe 250 reais por mês. O meu pai faz as compras de casa. Minha única renda é o aluguel da garagem do meu prédio. Dá uns 200 reais.
P. Quem paga o condomínio do apartamento?
L. O condomínio é de 350 reais, mas está atrasado há mais de dois anos. Não tenho como pagar. A dívida é de quase 20 000 reais. Está na Justiça.
P. Você não recebeu nada dos clubes, mas o Vasco quitou um apartamento para a mãe do Dener, certo?
L. É, o Vasco quitou. Esse apartamento era do Dener. Faltavam uns 50 000 reais para pagar. Depois minha sogra vendeu o apartamento para comprar uma casa na praia. Valia 150 000 reais.
P. Como é o seu relacionamento com a família dele?
L. Muito bom. As crianças passaram as férias na casa de praia da minha sogra. A dona Vera disse que se as crianças quiserem estudar em escola paga, elas têm que morar com ela. Mas eu quero que fiquem comigo. O Denis está fazendo a primeira série numa escola do Estado, não tem problema. Os outros não estudam ainda.
P. Você já encontrou o presidente da Portuguesa, Manuel Pacheco?
L. O presidente me recebeu, perguntou se estava tudo bem. Eu disse que ia levando a vida. Ele disse que se eu precisasse de alguma coisa, eles estariam lá.
P. Mas não querem saber de pagar os 3 milhões…
L. Já cheguei a ser barrada na Portuguesa. Uma vez, logo depois do acidente, fui ao clube e o guarda perguntou meu nome. Respondi que era a esposa do Dener. Ele me disse: “Ah, o Dener não joga mais aqui”.
P. As crianças perguntam muito do Dener?
L. No começo, perguntavam muito. Quem pergunta mais é o Denis, que é o mais velho. O Denis não quer falar com ninguém sobre o Dener. Ele chora quando falam. Os outros ainda são muito pequenos.
P. Você e o Dener ficaram juntos quanto tempo?
L. Ficamos juntos oito anos e três meses. Conheci o Dener em 1986. Tinha 13 anos e ele 15. Em 1989, fiquei grávida e fomos morar na casa da mãe dele.
P. Qual foi a reação dele quando soube que você estava grávida? Ele ficou bravo?
L. Que nada! O Dener era o maior sossegado. Só ficou preocupado por ter que falar com a minha mãe.
P. O Dener gostava de curtir a noite?
L. Ele ia em tudo que era gandaia. Com o tempo deixei de ir por causa das crianças. A gente brigava às vezes por isso. Eu pedia para ele voltar à meia-noite, mas ele voltava às três da manhã.
P. Você teve outro filho há pouco tempo?
L. Foi uma filha, a Bárbara, que hoje tem um ano e dois meses. Ela mora comigo.
P. Quem é o pai?
L. É um desconhecido. Ele não me ajuda, sou eu que sustento os meus filhos. Foi só um namoro. Ele é um jogador que atualmente está desempregado, está sem dinheiro. Tenho direito de namorar, ter uma vida normal.
P. O Dener morreu porque o motorista dormiu ao volante. Eles viajaram para o Rio de madrugada. Não teria sido mais prudente esperar o dia seguinte?
L. Eu avisei que era perigoso. Ele respondeu que o Oto (Oto Gomes de Miranda, que dirigia o carro no acidente, quebrou as duas pernas. Foi assassinado há dois anos por ter ligações com o tráfico de drogas) ia dirigir. O Dener me pediu para fazer o jantar, já que o Oto passaria em casa. Ele chegou e tomou banho. Enquanto isso, o Oto ficou dormindo no sofá.
P. Pelo jeito, o Oto estava pregado, não?
L. Falei para o Dener: “Olha, esse cara vai dormir, está morrendo de sono”. Eles jantaram lá pelas dez horas e saíram. O Dener deixou um cheque em branco assinado, que nem descontei. O Oto estava dormindo e pedi para eles ficarem. O Dener disse que ia embora porque o pessoal já falava que ele vivia na noite. Se não treinasse na manhã seguinte, metiam a boca nele.
P. Como você soube da notícia?
L. Alguém do Vasco me ligou às 6h30 da manhã. Disse que ele estava internado no hospital. Deixei o Mateus, que estava com quatro meses, com a vizinha, e corri para a casa da minha sogra. Entrei chorando no táxi com o Denis e o Felipe. O motorista perguntou o que tinha acontecido. Eu disse que meu marido tinha sofrido um acidente e estava no hospital, mas que eu não sabia se o estado dele era ruim. O taxista respondeu: “Ainda bem que ele está vivo. Pior é aquele jogador, o Dener, que morreu e deixou a mulher com três filhos”.
P. Sua sogra já sabia da notícia quando você chegou?
L. Sabia. A primeira pessoa que vi quando cheguei lá foi minha sogra. Ela estava sentada no chão, chorando na calçada. Depois vejo o Edinho (goleiro do Santos), encostado na garagem, também chorando. Aí vejo o Tico (atacante da Portuguesa) e vários outros amigos do Dener. Demorei para cair na real.
P. Um ano depois do acidente, o Oto foi assassinado. A polícia afirmou que ele tinha ligações com o tráfico de drogas. Como era a amizade dele com o Dener?
L. Vi o Oto pela primeira vez na véspera do acidente. Eles se conheceram no flat do Dener no Rio.
P. Você sabia das atividades suspeitas do Oto?
L. Eu não sabia. Acho que o Dener devia saber.
P. O Dener usava drogas?
L. Falavam que ele era drogado, bêbado, mas é tudo mentira. Ele só bebia Coca-Cola.
P. Foram oito anos de convivência. Depois de tanto tempo juntos, é possível esquecer a tragédia?
L. O Dener foi meu primeiro namorado. Quando ele aparece na televisão, as crianças choram. Meus filhos têm prazer de falar quem é o pai. Certa vez, uma mulher perguntou para o Felipe quem era o pai dele. Ele respondeu com orgulho: “Sou filho do Dener”.
“Quis entrar na Portuguesa e o guarda me falou que o Dener não jogava mais ali”
Justiça cega
Como as enrolações dos tribunais atrasam a vida de Luciana Gambino
Luciana x Lusa
As tábuas da lei ainda não foram capazes de assinalar o óbvio: Luciana e os três filhos são os donos da herança de Dener. Luciana quer da Portuguesa os 3 milhões de dólares do seguro de vida do jogador, valor equivalente ao preço do seu passe na época. Com os juros, essa quantia já valeria hoje 4,3 milhões de dólares. O processo que ela move contra a Lusa está parado no Tribunal Regional do Trabalho, de São Paulo.
Lusa x Vasco
A Portuguesa briga com o Vasco pelo seguro de Denner. A Justiça deu, em julho, uma sentença favorável ao time paulista. O veredicto bloqueou todas as receitas do Vasco para garantir o pagamento da indenização. Por isso, a Lusa acompanha as investigações da Polícia no roubo dos 70 000 reais da renda de Flamengo 0 x Vasco 1, em 27 de julho. O vice-presidente vascaíno Eurico Miranda alega ter sido assaltado por quatro homens quando levava o dinheiro para casa.
Para fazer parte da nossa comunidade, acompanhe a Placar nas mídias sociais.