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Eto’o, à PLACAR, em 2007: ‘Falta muito para se destruir o mal do racismo’

Na mesma entrevista, astro camaronês do Barcelona negou rixas com Ronaldinho Gaúcho e rasgou elogios ao Flamengo e a ídolos do Corinthians

Os novos insultos raciais sofridos por Vinicius Junior na Espanha reaqueceram o debate sobre o racismo no futebol nesta semana. O próprio astro brasileiro do Real Madrid fez questão de ressaltar que o preconceito nas arquibancadas espanholas não tiveram início agora, pelo contrário. O ex-atacante camaronês Samuel Eto’o, ídolo do Barcelona, viveu situação semelhante há quase duas décadas e detalhou o assunto em entrevista à edição de junho de 2007 de PLACAR.

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No papo com o repórter Paulo Passos, Eto’o recordou episódio ocorrido na temporada anterior, no qual ameaçou sair de campo em resposta a torcedores do Zaragoza que imitavam macaco a cada vez que o atleta africano tocava na bola. Na ocasião, o atacante brasileiro Ewerthon, do rival, se solidarizou e disse que também deixaria o gramado caso Eto’o assim o fizesse. À PLACAR, Eto’o disse que o caso, que ganhou grande repercussão na época, não alterou o cenário de preconceito.

“Sempre acontece algo quando não me reconhecem, quando não sabem que sou o jogador Eto”o, quando sou apenas mais um negro. Aí tem piadas racistas e outras coisas assim. Mas eu tento ir avançando. Mais que discutir, tento dialogar e encontrar uma saída. Acho que só assim mudaremos isso. Mas que existe, existe. E eu ainda sinto muito.”, disse.

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Acho que tudo o que se constrói se pode destruir. Acho que temos que tentar acabar. Por azar, eu vivi, ponto. Também não vou passar toda a minha vida em cima disso. Foi um momento ruim para o futebol e ainda falta muito para se destruir esse mal”, completou.

Na mesma entrevista, em tom mais descontraído, Eto’o declarou admiração pelo Flamengo. “Sim [conheço muitos times brasileiros]. Santos, Flamengo, Fluminense, Corinthians… Do Flamengo eu gosto muito. Comecei a acompanhar quando estive com o Sávio no Real Madrid”, contou. Ele se mostrou surpreso ao saber que a torcida rubro-negra, à época, entoava versos de que o atacante “Obina é melhor que Eto’o”. Talvez, hein? [risos] Não sabia, mas o Flamengo é um time do qual eu gosto bastante há algum tempo.”

Ele ainda surpreendeu ao elogiar Ricardinho, Edilson e Vampeta, a quem enfrentou no Mundial de Clubes de 2000 durante sua breve passagem pelo Real Madrid. “Eu gostava muito de um meio-campista do Corinthians. Ele é canhoto e tem o cabelo grisalho. (…) Falava-se muito que o Real queria contratá-lo na época do Luxemburgo. Seria uma boa contratação. Ele esteve na seleção, não? Eu o vi jogar no Mundial pelo Corinthians. Tinha ainda um negro pequeno, que também foi para a seleção, na Copa de 2002… Ele era muito rápido e habilidoso. E outro que me encantava ver jogar era o Vampeta. Não os conheci pessoalmente, mas vi jogando e gostei muito.”

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O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um dos tesouros de nossos 53 anos de história, transcreve a entrevista na íntegra:

Samuel Eto'o irá disputar sua quarta Copa do Mundo com Camarões
Samuel Eto’o em ação pela seleção de Camarões

Eto’o , um flamenguista

Em entrevista à Placar, o camaronês do Barcelona reclama do racismo na Espanha, diz que Ronaldinho é mais que um colega e, quem diria, revela-se torcedor do Mengão

Paulo Passos

Há muitos boatos de que você e o Ronaldinho não se dão bem. Qual a sua relação com ele?
Além de colega de trabalho, ele é meu amigo. Existe um interesse da imprensa daqui em dizer que nós não somos amigos. Não sei o objetivo, mas isso não é verdade. Quando houve algum mal-entendido, conversamos e resolvemos. Eu tive a sorte de conhecer o Brasil durante o Mundial de Clubes [em 2000, quando jogava pelo Real Madrid] e, apesar de ter ficado pouco, gostei muito. Sempre digo ao Ronnie que ele tem que organizar para mim uma viagem ao Brasil!

Após tentar o Ronaldinho, o Milan agora está atrás de você. Eles vão conseguir tirá-lo daqui?
Não posso falar de rumores. Deixo as pessoas falarem, mas só penso e falo sobre meu trabalho no Barça. Ainda tenho dois anos de contrato e espero continuar. Não tenho do que reclamar. O clima da cidade é bom e a equipe sempre disputa títulos. Mas tudo muda muito rápido: posso dizer qual é o meu desejo agora, mas não o que vai acontecer.

Depois de você ter ameaçado abandonar um jogo por causa de ofensas racistas da torcida do Zaragoza, os insultos pararam? Nas ruas, você já sentiu algo semelhante?
Sempre acontece algo quando não me reconhecem, quando não sabem que sou o jogador Eto”o, quando sou apenas mais um negro. Aí tem piadas racistas e outras coisas assim. Mas eu tento ir avançando. Mais que discutir, tento dialogar e encontrar uma saída. Acho que só assim mudaremos isso. Mas que existe, existe. E eu ainda sinto muito.

Você se sente um jogador distinto dos demais por tomar atitudes nesse sentido?
Não me sinto diferente. O que faço é responder com sinceridade. Quanto ao racismo, acho que tudo o que se constrói se pode destruir. Acho que temos que tentar acabar. Por azar, eu vivi, ponto. Também não vou passar toda a minha vida em cima disso. Foi um momento ruim para o futebol e ainda falta muito para se destruir esse mal.

Você conhece o futebol do Brasil e seus times? Sabe os nomes de alguns clubes?
Sim, muito. Santos, Flamengo, Fluminense, Corinthians… Do Flamengo eu gosto muito. Comecei a acompanhar quando estive com o Sávio no Real Madrid.

Sabia que o jogador mais querido do Flamengo, o Obina, é comparado a você? A torcida grita que “Obina é melhor que Eto”o”…
Talvez, hein? [risos] Não sabia, mas o Flamengo é um time do qual eu gosto bastante há algum tempo. Muito por causa do Sávio, que é um grande amigo da época do Real Madrid. E eu também me dava muito com o Rodrigo [Fabri]. Comecei a acompanhar o Flamengo naquela época.

Então você acompanha as coisas do Brasil?
Sim, outro dia eu li sobre essa história de um jogador que beijou um árbitro [o zagueiro Cleberson, da Cabofriense, que deu um beijo em Ubiraci Damásio na final da Taça Rio]. Também vi que o Luxemburgo ganhou uma das ligas que existem no Brasil [o Campeonato Paulista]. À parte o fato de eu ser jogador, acompanho muito futebol. Sou apaixonado por isso. E, quando se fala em futebol, fala-se em Brasil.

Os jogadores que atuam por lá você conhece?
Dos que estão jogando agora, não me lembro. Mas eu gostava muito de um meio-campista do Corinthians. Ele é canhoto e tem o cabelo grisalho. “Julinho”, acho que é o nome dele. Não… é algo com “inho” [risos]…

Ricardinho?
Sim, me encantava vê-lo jogar. Falava-se muito que o Real queria contratá-lo na época do Luxemburgo. Seria uma boa contratação. Ele esteve na seleção, não? Eu o vi jogar no Mundial pelo Corinthians. Tinha ainda um negro pequeno, que também foi para a seleção, na Copa de 2002…

O Edílson?
Sim, sim! Ele era muito rápido e habilidoso. E outro que me encantava ver jogar era o Vampeta. Não os conheci pessoalmente, mas vi jogando e gostei muito.

Você disse que, caso seu nome fosse Eto”ozinho, seria eleito o melhor do mundo. Por quê?
Não foi bem assim. Isso foi dito em um contexto e tirado dele para se publicar. Falei é que o Brasil tem muita importância no futebol, é sempre o melhor. E se você joga nesse time tem mais chances de ser eleito o melhor. Foi isso, ponto. Se eu tivesse nascido brasileiro, seria mais respeitado.

Vieira se naturalizou francês. Asamoah joga pela Alemanha. Se não tivesse atuado por Camarões, teria vontade de jogar pela Espanha?
Nunca pensei nisso. Respeito quem faz, mas não conseguiria. Devo muito a Camarões. Tive a oportunidade de estar em duas Copas do Mundo graças ao meu país.

Você pretende voltar ao seu país depois de largar o futebol?
Ainda não sei, é difícil dizer agora. Vivi quase metade da minha vida na Espanha e isso pesa. Vou pensar nisso na hora. Mas vai pesar muito a opinião da minha família.

E pensa em participar de política?
Não. Isso eu digo com certeza que não quero fazer.

Toda Copa surgem novas forças africanas, mas elas nunca chegam longe. Os bons jogadores do continente estão espalhados. O que falta para os africanos chegarem às semifinais da Copa?
Sinceramente, acho que falta seriedade. Parece que nós já ficamos contentes em nos classificar para a Copa do Mundo e fazemos uma grande festa por isso. Não deveria ser assim. Poderíamos disputar melhor, com espírito para ganhar.

Quem será o melhor jogador do mundo de 2007?
Para mim, Ronaldinho ainda é o melhor. Mas se o Kaká continuar assim também tem chance. Gosto muito de vê-lo atuar. Mas ainda falta tempo, muitas coisas pela frente.

E você?
Eu perdi parte da temporada por estar lesionado. Então, corro por fora [risos], mas tento chegar também.

Você já conheceu as estruturas de Real Madrid e Barcelona. Qual é a melhor? E entre as torcidas, qual ajuda mais a equipe?
A estrutura dos dois clubes é ótima. A pressão também é muito grande nos dois, porque são os maiores clubes da Espanha e talvez do mundo.

Você se sente melhor aqui do que lá?
Lá me trataram bem. E aqui, cada dia me encanto mais. Lá joguei pouco e aqui tive mais oportunidades, por isso consegui mostrar meu potencial. Mas não tenho mágoas.

Você esteve na seleção que ganhou do Brasil na Olimpíada de Sydney, em 2000. O Ronaldinho também. Vocês dois chegaram a conversar sobre esse jogo?
Sim, já falamos. Foi um jogo bem diferente, porque o Brasil perdeu mesmo com dois jogadores a mais. Para nós foi uma glória. Depois do jogo, nós, de Camarões, conversávamos e dizíamos que era como ter tocado no céu. Vencer o Brasil, e naquelas condições, foi incrível!

Você se acha um jogador polêmico?
Não. Mas no mundo do futebol tudo ganha uma repercussão grande, e eu sou sincero. Falo o que penso e só.

E aquela entrevista que você concedeu após ter se negado a se aquecer para entrar em um jogo? Você criticou colegas e disse que havia dois grupos no Barça. Você se arrependeu?
Aquilo foi uma reação. Eu estava bravo. Quem nunca ficou bravo com alguma coisa no trabalho? Todo mundo já teve uma experiência assim. Mas passou. Conversamos e resolvemos. O que acontece é que sou uma pessoa pública e isso tem repercussão.

E como você lida com isso? Você parece ser mais reservado que outros atletas quanto a suas relações pessoais. Por quê?
Não digo que não tenho amigos no futebol. Sou amigo da maioria dos jogadores com quem atuei, mas convivo mais com outras pessoas. Quase todos meus amigos são de Camarões, mas vivem aqui. Com eles divido meu tempo fora do trabalho. Cresci com eles e quando tive a chance os trouxe para cá. Eles me conhecem há mais tempo. Me viram começar e viveram comigo tudo o que já passou. Entre mim e eles não tem nada de dinheiro, de ser jogador de futebol etc. Para eles sou Samuel, só. A relação é mais sincera.

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