Em 1999, PLACAR desvendou segredos dos gols de Rogério Ceni
Reportagem exaltou a "mania de grandeza" do ídolo tricolor e maior goleiro-artilheiro da história do futebol
Nenhum goleiro marcou tantos gols na carreira quanto Rogério Ceni. Foram 131 bolas na rede, 129 em jogos oficiais, em seus 25 anos atuando pelo São Paulo. Em junho de 1999, o goleiro ainda iniciava sua trajetória como artilheiro (tinha nove tentos) e topou mostrar sua técnica em reportagem de PLACAR sobre sua “mania de grandeza”.
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“O goleiro Rogério Ceni, do São Paulo, não mede esforços nem palavras para conseguir o que quer: ser o melhor”, dizia o texto escrito pelo repórter Amauri Segalla. Além de mostrar detalhes do método de Rogério para bater na bola, a matéria ouviu outras lendas da posição, como Gilmar dos Santos Neves e Oberdan Catani sobre o gesto revolucionário para a época – também na década de 1990, o paraguaio Chilavert, o colombiano Higuita e o mexicano Jorge Campos marcaram seus primeiros gols.
A entrevista com o hoje técnico do São Paulo aconteceu poucos meses depois de Rogério Ceni falhar feio em sua melhor oportunidade na seleção brasileira, o amistoso em comemoração em centenário do Barcelona, um empate em 2 a 2 no Camp Nou. O ídolo tricolor, no entanto, não demonstrou qualquer remorso. “Fora os gols, peguei tudo. Fazia tempo que um goleiro não era tão exigido na Seleção”. A personalidade forte atrapalhou sua carreira na seleção, pela qual nunca marcou um gol, mas proporcionou grandes momentos.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz a reportagem de junho de 1999 abaixo:
Mania de grandeza
O goleiro Rogério Ceni, do São Paulo, não mede esforços nem palavras para conseguir o que quer: ser o melhor
Por Amauri Barnabé Segalla
Se existe alguém no mundo capaz de dizer que fez a melhor partida de um goleiro do Brasil nos últimos tempos, mesmo depois de falhar em dois gols vestindo a camisa da Seleção, este alguém é Rogério Ceni. Foi o que ele fez para tirar o peso das costas ao tomar dois frangos no empate de 2 x 2 do Brasil contra o Barcelona. “Fora os gols, peguei tudo. Fazia tempo que um goleiro não era tão exigido na Seleção”, tenta explicar. O que Rogério quis dizer, na verdade, foi o seguinte: eu tenho personalidade, não vou ficar por aí falando dos meus erros, sou bom o suficiente para estar na Seleção e ninguém vai me queimar só por causa de dois gols bobos.
Rogério Ceni, 26 anos, é obstinado pelo sucesso. Ao marcar dois gols ” um de falta e outro de pênalti ” contra a Inter de Limeira pelo Campeonato Paulista, sofreu outra recaída da mania de grandeza. “Estou fazendo história”, afirmou. E não está mesmo? Tornou-se o primeiro goleiro brasileiro a marcar dois gols numa única partida, já fez nove gols na carreira (até 20/5/1999) e, apesar dos escorregões contra o Barcelona, ainda é um dos preferidos de Wanderley Luxemburgo para a sucessão de Taffarel na Seleção. “Sempre fui muito inteligente”, diz Rogério. “Sou um dos melhores goleiros do país e não é um amistoso num dia de chuva que vai me abater”.
A língua comprida demais já criou problemas no próprio Tricolor. Quase rebaixado no Brasileiro de 1998, o São Paulo era no ano passado um time com os nervos à flor da pele. Irritado com as derrotas seguidas, o goleiro explodiu. “Tem gente aqui que não está correndo como devia”, disse à época. O atacante Dodô entendeu o recado como crítica e vestiu a carapuça. Hoje, o problema já foi superado, mas os dois não fazem questão de ser amigos.
Necessidade de aparecer
Além da forte personalidade, as cobranças de falta contribuíram para torná-lo polêmico. “Essa história de bater faltas só mostra que o Rogério tem necessidade de aparecer”, afirma o ex-goleiro Waldir Peres, titular do São Paulo durante 10 anos. “O Rogério é muito imaturo”, diz Gilmar dos Santos Neves, bicampeão do Mundo nas Copas de 1958 e 1962. “Ele confia tanto no seu taco que, às vezes, vai relaxado para algumas bolas, como aconteceu no jogo contra o Barcelona.”
Justiça seja feita, Rogério não é apenas um marqueteiro que vai ao ataque para ser ovacionado pela torcida. Ele é, de fato, um ótimo cobrador. “Eu o respeito muito e torço para que não sobre nenhuma falta para ele bater “, diz o goleiro do Vasco e da Seleção Carlos Germano. “O Rogério treina exaustivamente as cobranças e é uma arma que não pode ser desprezada”, diz o técnico Nelsinho Baptista, que dirigiu o time do São Paulo em 1998.
Para o atual técnico do Tricolor, Paulo César Carpegiani, que já tem experiência com goleiros-artilheiros (treinou o Paraguai do matador Chilavert na Copa da França), o goleiro que bate faltas precisa ter uma liderança incontestável. “Caso contrário, os jogadores de linha ficariam enciumados e se rebelariam”, acredita. Gilmar dos Santos Neves, ex-goleiro da Seleção, concorda que o problema de ciúmes pode ocorrer. “Por isso, acho que não vale a pena o goleiro bater faltas.” O técnico Mário Sérgio, também não gosta da idéia, por isto proibiu Rogério de bater faltas quando treinou o time em 1998. “Imagine a confusão que ia dar se o Marcelinho Carioca jogasse no São Paulo”, diz.
Antes da chegada de Raí, o São Paulo não tinha nenhum grande cobrador destro, como Rogério. Os canhotos Serginho e Marcelinho davam jeito nas cobranças pelo setor direito do ataque ” Rogério prefere bater do lado esquerdo. Portanto, até Raí se recuperar da operação no joelho, não havia problemas. E agora? “Vamos revezar, pois o Rogério é uma ótima opção”, afirma Raí. Com o retorno aos gramados do maior ídolo tricolor, Rogério perde, além da braçadeira de capitão, um pouco da liderança que tinha na equipe.
Briga com grife
Rogério gosta de ser diferente. Tem orgulho de não ouvir pagode (prefere o rock de Van Halen) e faz questão de usar terno e gravata em programas de tevê. Contratado em agosto de 1997 pela Hugo Boss, usou as roupas da grife por apenas seis meses. “Ele pisou feio na bola com a gente”, diz Sandra Guzzo, do departamento de marketing da empresa. “Fotografou para outra marca enquanto tinha contrato assinado com a Hugo Boss”. Rogério justifica o acerto com a grife Colombo: “A Hugo Boss é ruim de marketing, não soube usar a minha imagem”.
Rogério é muito cioso da imagem que construiu na carreira, a do profissional sério e comportado. Jamais sai à noite, preferindo passar o tempo em casa com a namorada Sandra. Ligado à família, sofreu muito com a morte da mãe, em 1993, de câncer. Pensou até em voltar para Sinop (MT), onde o pai, Eurydes Ceni, possui uma fazenda com mil cabeças de gado. “Cheguei ao São Paulo em 1990, morei sozinho sem nunca ter saído de casa antes, fiquei quatro anos na reserva do Zetti, virei cobrador de faltas e goleiro de Seleção”, relata. “Tudo deu certo porque eu acredito em mim. Isso só é possível quando você realmente quer ser o melhor.”