Do Santa Cruz para a seleção: Givanildo Oliveira nas páginas da PLACAR
Aniversariante deste 8 de agosto foi, antes do treinador "Rei do Acesso", uma das lendas do futebol nordestino na década de 70; relembre reportagens e entrevistas de Givanildo
Um dos personagens mais ricos do futebol brasileiro comemora aniversário neste 8 de agosto. Givanildo de Oliveira, histórico treinador e ex-jogador, ídolo do Santa Cruz e de diversas outras torcidas, completa 76 anos. Aposentado desde 2021, o pernambucano ganhou fama entre os torcedores mais jovens como o irreverente e vitorioso treinador nas últimas décadas, mas foi também um grande atleta, com passagem pela seleção brasileira — e diversas reportagens publicadas na revista PLACAR.
Givanildo José de Oliveira nasceu em Olinda e é considerado um dos maiores ídolos da história do Santa Cruz. Como meio-campista, conquistou o pentacampeonato pernambucano entre 1969 e 1973 – e conquistaria mais duas taças estaduais pelo Tricolor, em 1978 e 1978, depois de sua passagem também vitoriosa pelo Corinthians (estava no time que saiu da fila com o título paulista de 1977).
Um dos feitos mais marcantes da carreira de Givanildo foi ter sido convocado à seleção brasileira atuando por um clube pernambucano, em 1976 (antes dele, apenas o atacante Nado, do Náutico, havia obtido o feito em 1966). Reportagem de PLACAR de 30 de janeiro de 1976 celebrava a boa fase dos clubes de Pernambuco e destacava que a primeira convocação de Givanildo chegara após dois anos de espera de uma ligação do técnico Oswaldo Brandão.
“Dessa vez não chegou a ser surpresa, pois já havia alguma coisa no ar. Mas sinceramente não esperava. Acho que fiz um bom Brasileiro, joguei bem nos jogos assistidos pelo Brandão. começaram a falar de novo em meu nome. Aí, passei a confiar desconfiando“, contou Givanildo. “A convocação de Givanildo foi ou parece que sim. o fim de um tabu: o de que jogador pernambucano, para chegar à Seleção, teria de fazer um estágio no Rio ou em São Paulo”, dizia o texto escrito por Lenivaldo Aragão.
Givanildo no Corinthians e as saudades de casa
Naquele ano, o volante, conquistou o Torneio Bicentenário dos Estados Unidos com a seleção brasileira, deixando ninguém menos que Paulo Roberto Falcão no banco. Foram 13 jogos com a Amerelinha, tendo inclusive iniciado o ciclo para a Copa de 1978, mas acabaria perdendo espaço após Brandão dar lugar ao técnico Claudio Coutinho.
Ainda em 1976, Givanildo acabaria também vendido ao Corinthians e participaria de um jogo histórico, a “invasão corintiana” na semifinal do Brasileiro, uma vitória nos pênaltis sobre o Fluminense, no Maracanã. Derrotado pelo Inter na final, o Timão só encerraria o fim do jejum de 23 anos sem taça no ano seguinte, no Paulistão de 1977, contra a Ponte Preta. O volante apelidado de “cabeça de navio” por seu corte de cabelo participou da campanha em seus últimos dias no Parque São Jorge.
A passagem pelo Corinthians foi curta em razão das saudades de Givanildo da terra natal e frustrações n carreira, conforme mostrou reportagem de PLACAR de 6 de maio 1977. Ainda como jogador do Timão, admitia vontade de voltar para o Nordeste. Leia um longo trecho, com as grafias originais da época:
EM BUSCA DO NORTE PERDIDO
Um pouco de saudade, um pouco de frustração, muito de desilusão. E a mesma torcida que um dia fez festa na sua chegada e o aplaudia na Seleção, hoje o condena e o crítica. Givanildo. bom nordestino. até pensa em voltar.
Por: Carlos Maranhão
“Vladimir e Givanildo: o Coríntians precisa mais de vocês do que vocês precisam da Seleção Brasileira.” (De uma faixa colocada nas arquibancadas do Pacaembu durante o jogo Coríntians O x Juventus 1, quando ambos voltaram ao time depois de cortados por Cláudio Coutinho da relação dos 22.)
— O Givanildo está abatido. Não sei o que anda se passando com ele — matutava há alguns dias o técnico Osvaldo Brandão, numa conversa informal com alguns repórteres.
De fato, o que teria acontecido? Em agosto do ano passado, com seu passe comprado por mais de 2 milhões de cruzeiros, foi festivamente recebido por uma multidão no Aeroporto de Congonhas. Quatro meses depois, quando a equipe chegou às finais do Campeonato Brasileiro, tornou-se um dos heróis da torcida — o bravo cangaceiro que, de peito aberto, enfrentara Rivelino no Maracanã, vingando a honra ferida na trágica derrota para o Palmeiras a 22 de dezembro de 1974. Sua saída da Seleção, em março, juntamente com as de Vladimir e Valdir Peres, representou uma ofensa ao orgulho do futebol paulista.
Na última quarta-feira, embora o Coríntians derrotasse o América de Rio Preto por 3 a O, conquistando três pontos, ele deixou tranquilo o estádio, saindo quase despercebido. Críticos e torcedores mais exigentes passaram a defini-lo de uma forma seca, dura:
— É um medíocre. Um burocrata.
Sai jogando da defesa, ultrapassa a intermediária e livra-se da bola. Apanha-a no ataque e erra o passe.
— Não sou Pelé, que apesar de tudo recebia umas críticas, mas essas coisas aí, que falam de mim, eu também não sou. Medíocre? Burocrata? Engraçado. Não falavam, durante à excursão da Seleção aos Estados Unidos, que eu arrumara a equipe, tocando e saindo, deslocando-me e procurando os espaços vazios? Será que desaprendi?
Em entrevista ao Coojornal, de Porto Alegre. Paulo César “Caju” afirma sem meias palavras:
— Givanildo também reclamou. Mas reclamou de quê? Será que ele acha mesmo que está no nível do Carlos Alberto Pintinho e do Toninho Cerezzo?
Lê duas vezes e o rosto, normalmente sereno, vai ficando tenso. E por pouco não perde a paciência.
— O Paulo César é um grande jogador, não posso discutir. É esperto, realmente muito esperto. Mas dar declarações como essa é uma falta de respeito.
Givanildo José de Oliveira, hoje com 28 anos, casado, pai de duas filhas, parece um pernambucano calmo que leva lá a sua vida e não se mete com ninguém. Mas convém não provocá-lo. Reage de pronto, torna-se agressivo. Recentemente, o Coração, semanário dirigido à torcida do Coríntians, publicou uma matéria com o título “Givanildo vs. Brandão”. Contava, entre outras coisas,
que, ao ser advertido num coletivo pelo seu ex-técnico Duque — de quem, dizia-se, era apadrinhado —, abandonou o habitual controle e respondeu-lhe irritado.
Lembranças do Recife
E então, o que teria acontecido? À dúvida não o intriga. Antes de tentar esclarecê-la, porém, ele procura recuar no tempo. Volta a 1968, no Recife. Com quase 20 anos, era auxiliar
de escritório numa agência de publicidade.
— Eu não acreditava que pudesse jogar futebol profissional. Disputava minhas peladas com o pessoal da firma, aos sábados, e só. Nunca passara por um clube. Foi nessa época que meu patrão, o Paulo Duarte, resolveu me levar para o juvenil do Santa Cruz, onde era diretor. Passei a treinar de manhã e a trabalhar à tarde. Depois de dois meses de treinos, vi que aquilo não era para mim. Já havia desistido, quando um diretor telefonou para a agência, pedindo que eu voltasse para ganhar 70 cruzeiros por mês. Mas logo fiz 20 anos, estourei a idade de juvenil e fiquei entre os profissionais. Nem entrava em coletivo. O treinador, seu Gradim, me pedia paciência e no dia 31 de março de 1969 — como esquecer? — lançou-me desde o início num amistoso com o Bahia — na ponta-esquerda.
Ganhamos de 5 a 2 — 5 a O no primeiro tempo — e só saí quando vim pro Coríntians. Ninguém entendeu, porque não me conheciam. Eu era uma figura misteriosa até para os jornais da cidade. Quem é esse Givanildo? — perguntavam. Que nome é esse? Fácil: sou o mais velho dos sete filhos de uma família com nomes que começam com a letra gê. Tem a Gessé, o Genival, a Girlene, o Gervásio, o Gilberto e a Gedolva. Afinal, em 71, com as contusões do Zito e do Osvaldo, o Duque me puxou para a posição em que estou ainda hoje.
Ele recorda-se desses acontecimentos recostado no sofá da sala de visitas. Fala devagar, pausado, como se quisesse saborear melhor o passado.
— Como nunca imaginara um negócio desses, ficava pensando. Precisava agarrar a oportunidade com unhas e dentes. No futebol. os jogadores vêm de famílias humildes, sem conforto, da classe média para baixo, não é? Então, era a minha chance na vida. Como iria perdê-la? Levei o negócio muito a sério. Tinha que ganhar dinheiro, construir meu patrimônio. No começo, queria ficar por lá. Vir para o Sul era coisa fora de meus planos. Passei a ter vontade por volta de 74 para poder chegar à Seleção. E depois pela idade, pela rotina do clube, pela vontade de aparecer num centro maior e, não nego, pelos 15% da transferência.
[…]
As saudades de casa
Evidentemente, tem saudades de seu belo apartamento de Olinda, a 100 metros do mar, com varanda e uma sala de música. Em São Paulo, o equipamento de som — amplificador, duas caixas e três gravadores — foi ajeitado na estante, ao lado do televisor a cores, dos cinzeiros e do troféu “Gandula”, único prêmio que ganhou desde que veio para o Corintians. Ficaram no Recife os outros troféus, os discos, os álbuns de recortes, as fotografias e seus dois posters emoldurados.
— Sinto muita falta disso tudo.
E por que não manda buscar? Pensa um pouco, corre os olhos pelas paredes vazias, pelos móveis funcionais que comprou às pressas, e esclarece:
— Estou aqui de passagem. Pode ser curta, pode ser demorada, não sei bem, mas é uma passagem. Quando tudo terminar, eu volto. Minha família é de lá, meus negócios são lá, a minha vida está lá.
Investe todo dinheiro no Recife, onde tem uma casa e quatro apartamentos. Comprou, em São Paulo, apenas o telefone e o Chevette, usa-o raramente, com medo de se perder (mas vai treinar de carro, embora o clube fique a 500 metros de distância). Sai pouquíssimo e, desde a mudança, levou a mulher uma única vez ao cinema. Não lê jornais, não escuta programas esportivos de rádio. Quando assiste a um e outro vídeo-tape, toma o cuidado de tirar o som do televisor. Sem ter formado novas amizades, dificilmente faz visitas — nem sequer aos seus companheiros de clube, incluindo Tobias, que mora na porta à esquerda. Na semana passada, alegando não vê-lo há dias, não sabia informar se o goleiro havia melhorado da contusão.
Alterou alguns hábitos, até mesmo dentro de campo. No Santa Cruz, lembra-se sem dificuldade, sofria uma suspensão automática a cada dois meses, em média, por causa dos cartões amarelos. No Coríntians, levou apenas um este ano: chegou à conclusão de que não vale a pena discutir com os juízes, reclamar durante os jogos.
O que não o impede de, nos bons ou maus períodos, lutar com as forças de que dispõe para superar seus erros na busca da vitória e, consequentemente, dos bichos. Pois afinal— comenta com um sorriso, enquanto leva a mão aos cabelos sempre bem penteados, exibindo a unha do mindinho, crescida um centímetro a mais do que as outras — uma passagem de ida e volta para o Recife está custando 4 600 cruzeiros.
De volta ao Santa Cruz e a excursão ao Kuwait
A PLACAR de 19 de agosto de 1977 destacou a volta do “Santo Caseiro”. “Em quase um ano de Coríntians, seu passe desvalorizou 25% — sem contar esta tremenda inflação. Mas em Pernambuco seu prestígio de grande ídolo da massa tricolor não foi abalado. Voltou por cima”, destacou a reportagem.
Já na edição de 16 de março de 1979, PLACAR narrou uma divertida passagem do Tricolor pelo Oriente Médio. “Sem bebida e sem mulheres, Santa Cruz sofre no deserto”, era o título da reportagem, que acompanhou a goleada da Cobra Coral por 5 a 1, com um gol de Givanildo, sobre a seleção do Kuwait, então dirigida pelo técnico brasileiro Carlos Alberto Parreira.
“O texto ressaltou o estranhamento dos atletas em um país em que bebida alcóolica é proibida e não se via mulheres nas ruas:
“Os jogadores tiveram livres todas as noites. Mas nem Evaristo nem José Nivaldo de Castro, chefe da delegação, se preocuparam em dar o alvará. Pelo contrário: os atletas é que ficaram griladíssimos. A religião islâmica proíbe a venda de bebidas alcoólicas e o funcionamento de boates ou de simples bares. Houve, portanto, uma abstinência forçada que, mal ou bem, repercutiu no desempenho da equipe.”
A reportagem ainda destacou o gol de honra do ponta de lança kuwaitiano Feisal, de 21 anos, tratado pelo goleiro João Mendes como o “Zico do Oriente Médio.”
Craque pé-quente: os títulos de Givanildo como jogador
Givanildo ainda vestiria a camisa do Fluminense, em 1980 (também foi campeão estadual no Rio), antes de encerrar a carreira no antigo rival Sport, com mais três títulos pernambucanos, entre 198o e 1982. “Para Givanildo José de Oliveira, 1982 foi um ano normal”, escreveu PLACAR em sua edição 658, de 31 de dezembro daquele ano. Dos jogadores em atividade no país, o “craque pé-quente”, só perdia em taças para o goleiro Raul, do Flamengo, 15 vezes campeão.
Após pendurar as chuteiras, Givanildo celebrou ainda mais títulos e façanhas como clubes de diversas regiões do país, como Paysandu, América-MG, Remo, Náutico, Fortaleza, Ceará e o próprio Santa Cruz, onde se despediu do futebol em 2021 como diretor técnico. Ficou conhecido como o Rei do Acesso, pelas seis vezes que conseguiu fazer seus times subir de divisão (cinco da Série B para a Série A e uma da Série C para a Série B). É uma das lendas do futebol brasileiro (e da PLACAR).