De metrô com PLACAR: o ‘quase famoso’ Renato Augusto
Em 2007, então uma revelação do Flamengo, ídolo do Corinthians insistia em encarar o transporte público do Rio
Renato Augusto está na boca do povo. Ídolo do Corinthians, o meia foi o grande destaque do jogo de ida da semifinal da Copa do Brasil com dois gols diante do São Paulo, em Itaquera. Aos 35 anos, com experiência na Europa e em Copa do Mundo com a seleção brasileira, é um jogador consagrado, respeitado até por atletas e torcedores rivais, e certamente não pode mais andar pelas ruas sem ser alvo de assédio. Bem diferente do que ocorreu há 16 anos, em uma de suas primeiras aparições nas páginas de PLACAR, como grande revelação do Flamengo.
Na edição de abril de 2007, que tinha na capa Romário perseguindo os recordes de Pelé, Renato Augusto foi apresentado como o “quase famoso” craque formado na Gávea. Na época, aos 19 anos, o meia nascido no bairro da Tijuca já era figura constante na equipe profissional, mas ainda fazia questão de andar de ônibus e metrô. E foi em frente a um dos vagões que Renato topou posar para as lentes do fotógrafo Daryan Dornelles e contar sobre seus hábitos ao repórter Eduardo Terra.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos 53 anos de arquivos, transcreve abaixo, na íntegra, a reportagem:
Quase famoso
Na contramão da maioria ávida pela fama, o meia do Flamengo Renato Augusto curte seus últimos momentos de gente comum
Eduardo Terra
Em um universo de extremos como o futebol, jogador que chega aos profissionais deixa de lado a simplicidade com a mesma rapidez com que troca de carro. A julgar pelos últimos nove meses, período em que a carreira de Renato Augusto ganhou um impulso meteórico, pode-se dizer que o apoiador do Flamengo é exceção. Na contramão dos modismos boleiros, sua onda parece ser curtir os momentos derradeiros de cidadão comum que o anonimato ainda lhe reserva. Só isso explica por que o camisa 10 da Gávea, em meio à popularidade crescente, ainda se arrisca a andar de ônibus, pegar metrô e passar alguns de seus poucos momentos de lazer fazendo a alegria da molecada no playground do prédio onde mora.
Aos 19 anos, Renato Augusto assimila o estrelato em doses homeopáticas, a ponto de circular pelas ruas do Rio de Janeiro como um simples mortal ” se é que isso é possível para quem defende as cores de uma paixão de milhões. Foi assim dias antes da estreia do time na Copa Libertadores, contra o Real Potosí, na Bolívia.
Com o passaporte vencido, ele não pensou duas vezes em driblar o estressante trânsito carioca pegando o metrô na estação Afonso Pena, no coração da Tijuca, para ir até a sede da Polícia Federal, na praça Mauá, no centro. No vagão, percebeu que era alvo de conversas ao pé do ouvido. Quando se preparava para descer, conta que presenciou uma discussão hilária entre dois meninos – que seus risos deixam como mistério no ar – sobre se ele era mesmo o mais novo projeto de craque rubro-negro: “É claro que não é o Renato Augusto. Jogador de futebol só desfila de carrão, você acha que o cara estaria andando de metrô?”, teria dito um deles, encerrando a conversa.
É preciso ter coragem para enfrentar a massa de peito aberto. Renato Augusto não se intimida, põe só um bonezinho para não transformar as horas livres num programa de índio. Foi assim, dia desses, quando entrou com Léo, lateral-esquerdo dos juniores do Flamengo, num ônibus em plena praça Saens Pena, outro ponto movimentadíssimo da Tijuca, bairro onde mora com a mãe Salete, para ir até a casa do amigo. No trajeto, sentiu que tinha sido reconhecido, virou-se para a janela para disfarçar e seguiu viagem. “O táxi ia dar 5 reais para cada um, mas eu não andava de ônibus havia muito tempo. Eu procuro aproveitar ao máximo esses momentos, tudo o que sempre fiz. Eu vim da arquibancada”, diz.
De fato, em maio do ano passado, há menos de um ano, Renato Augusto era mais um em meio à multidão que se espremia no Maracanã para apoiar o Flamengo no segundo jogo da semifinal da Copa do Brasil, contra o Ipatinga. Classificação garantida, nos dias seguintes ele foi comunicado de que, com a paralisação para a Copa do Mundo, embarcaria com o time profissional para uma excursão rumo ao Norte e Nordeste.
Renato Augusto viajou, jogou e voltou ao Rio como titular do time de Ney Franco, fato que o obrigou a passar para a frente o ingresso que havia comprado para a primeira partida da decisão contra o Vasco, contra quem, dias depois, conquistaria seu primeiro título nacional como profissional. “O mais importante nessa hora é ter cabeça boa, e isso vem da base familiar. De repente, você deixa de ser um desconhecido, mas eu trato isso com tranquilidade. Os exemplos bons e ruins estão aí, basta identificá-los”, diz.
O futebol sempre foi uma atividade paralela para Renato Augusto, que completou o segundo grau e não descarta, um dia, cursar educação física. Os primeiros chutes, deu no futsal do Grajaú Country, em 1994: “Cresci vendo o Romário, eu tinha 7 anos, era ano de Copa e ele era o cara”. Esteve também no Grajaú Tênis, Tio Sam e Fluminense. Desde 2001, quando chegou como mirim na Gávea, foram cinco anos até se tornar profissional. Nesse período, passou por todas as seleções de base e, em 2005, foi vice-campeão mundial sub-20 no Peru. Completou os estudos graças à marcação cerrada da mãe. “Ela sempre me cobrou isso. A gente não sabe o que vem por aí”, diz.
Renato Augusto parece predestinado a se tornar ídolo da torcida do Flamengo. “O cara não precisa dar show, tem que correr, vibrar. Eu estava ali há pouco tempo, sei o que o torcedor quer”, diz, sobre seu estilo. “O melhor exemplo aconteceu no Brasileiro do ano passado. Perdemos para o Vasco por 3 x 1, a torcida viu que a gente brigou e nos aplaudiu. Aquilo me marcou muito.” Com o futebol de gente grande que exibe e a naturalidade com que lida com as mudanças que se sucedem na carreira, o cara tem mesmo pinta de craque. Um craque da simplicidade.
Me segura que eu gosto
Na noite em que o Flamengo conquistou a Copa do Brasil, Renato Augusto foi comer uma pizza para comemorar o título com seu empresário, Carlos Leite. Para espanto deste, o local escolhido foi a pizzaria Guanabara, no Leblon, um dos redutos mais famosos da boemia carioca ” e conseqüentemente rubro-negra. “Você está maluco?”, disse Leite, ensandecido. “Pode ficar tranqüilo, ninguém me conhece”, afirmou o jogador. Renato tinha razão.
Difícil seria jantar em paz dois dias depois, quando os jornais alardearam a decisão do Flamengo, que, no temor de perder sua mais nova “galinha dos ovos de ouro”, reviu o contrato de Renato e estipulou multa rescisória de 30 milhões de euros. “É um número fora da realidade, foi uma opção do Flamengo para me valorizar e me segurar”, diz Renato, que garante não ter pressa de jogar no exterior.
“Tenho curiosidade de saber como é a vida lá fora, mas acho que tenho muito a aprender ainda. Sou profissional há apenas oito meses”, diz. “Quero amadurecer aqui. Jogo num clube em que a exposição é enorme. Por enquanto, como diz o Zeca (Pagodinho), deixa a vida me levar”.