Publicidade
#TBT Placar ícone blog #TBT Placar Toda quinta-feira, um tesouro dos arquivos de nossas cinco décadas de história

Como PLACAR cobriu a ida de Reinaldo do Galo para o Cruzeiro

Maior ídolo da história do Atlético Mineiro concedeu entrevista à revista em 1986 e culpou a diretoria alvinegra pela polêmica transferência ao maior rival

Reinaldo e Atlético Mineiro. A relação entre o lendário atacante e o Galo é tão forte que muitos torcedores nem sequer sabem ou se lembram que o Rei chegou a vestir a camisa do maior rival, o Cruzeiro. A transferência que abalou Belo Horizonte aconteceu há 38 anos, em agosto de 1986, e naturalmente recebeu extensa cobertura da revista PLACAR. 

Publicidade

À época, atormentado pelas lesões e dores no joelho aos 29 anos, Reinaldo vivia em constante conflito com a diretoria atleticana, então comandada por Elias Kalil (pai de Alexandre Kalil, que também se tornaria presidente do Galo e depois prefeito de BH). Em 1985, o maior artilheiro da história do Atlético se viu ainda mais pressionado após a eliminação no Campeonato Brasileiro para o Coritiba, que se sagraria campeão.

Depois de anos tentando se desligar do Galo (chegou a receber uma proposta tentadora do Paris Saint-Germain, conforme contou à PLACAR), Reinaldo conseguiu ser emprestado ao Palmeiras. A badalada contratação, no entanto, durou apenas três meses, sem nenhum gol marcado. De volta ao Atlético, acabaria novamente negociado, desta vez à contragosto, com o Rio Negro, do Amazonas, pelo qual fez apenas 5 jogos, com 2 gols no Estadual.

Publicidade
Em 25/8/1986, PLACAR anunciou a transferência de Reinaldo
Em 25/8/1986, PLACAR anunciou a transferência de Reinaldo

Deu-se, então, a venda da discórdia. Um ex-dirigente do Atlético até se esforçou para evitar a ida ao inimigo. “Ivo Mello, que não é sequer diretor do Atlético, me procurou em casa, dizendo que eu não poderia ir para o Cruzeiro, que eu era a imagem do Atlético. Ligou para o Benito Masci, presidente cruzeirense, afirmou que eu não iria mais e fez um cheque num valor maior do que ganharia até dezembro. Ligou, em seguida, ao Atlético dizendo que pagaria meus salários. Mesmo assim, eles não me quiseram. Então, ele renovou a proposta só para eu ficar em casa. Achei seu gesto bonito, mas respondi que era profissional“, contou Reinaldo à PLACAR em setembro de 1986 (ler íntegra abaixo). 

Como foi a passagem de Reinaldo no Cruzeiro

O que parecia impossível realmente aconteceu. Reinaldo José de Lima, o Rei do Galo, vestiu a camisa azul do Cruzeiro. “Por mais que Kalil e Campos tenham me prejudicado, jamais vou esquecer o Galo e sua torcida. Já estou dando autógrafo para cruzeirense, mas tenho uma imagem preta e branca gravada dentro de mim. […] Minha ida para o Cruzeiro foi excelente. Agora, tomei uma injeção de entusiasmo“, contou Reinaldo.

Jamais houve química, no entanto, com o lado azul de BH. A estreia foi contra o Rio Branco-ES, no Mineirão, em 27 de setembro de 1986, diante de mais 30.000 torcedores. Reinaldo saiu no início do segundo tempo, em branco. Uma semana depois, contra o Bahia, jogou a partida inteiramente, mas novamente não marcou. A aventura durou dois jogos. A ausência do atacante nos treinos seguintes irritou a diretoria celeste, que optou por suspender o contrato em novembro.

Publicidade
PLACAR de 1/9/1986
Reinaldo na PLACAR de 1/9/1986

Reinaldo ainda atuaria pelo BK Häcken, da Suécia, e pelo Telstar, da Holanda, antes de encerrar a carreira em 1988, com apenas 31 anos. Em entrevistas, o maior ídolo atleticano costuma pregar respeito e diz não se arrepender de ter vestido a camisa azul. Mas, conforme mostra a entrevista concedida ao repórter Zinho Siqueira em 1º de setembro de 1986, jamais deixou de lado seu amor pelo clube que defendeu por quase 15 anos – e sua mágoa com a diretoria da época.

O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz o texto na íntegra.

‘É HORA DE A TORCIDA SABER O QUE ACONTECEU’

O novo centroavante do Cruzeiro abre o coração e, pela primeira vez, fala com franqueza das contusões e dos motivos que o levaram a deixar o Atlético

Zinho Siqueira

Com 29 anos, de idade, casado e pai de dois filhos, José Reinaldo de Lima quer começar de novo. Há duas semanas, sua transferência para o Cruzeiro, após 15 anos no grande rival Atlético, sacudiu Minas Gerais. Para alguns de seus amigos íntimos, no entanto, não foi surpresa. Afinal, ele sempre causou impacto, dentro ou fora de campo.

Ainda durante o governo do presidente Emesto Geisel, Reinaldo deu uma célebre, polêmica e corajosa entrevista ao jornal Movimento, pedindo à volta da democracia ao mesmo tempo que continuava fazendo mágicos gols no Mineirão. No início deste ano, voltou de viagem fascinado pela Cuba socialista. Mas pensa em votar no conservador Murilo Badaró — tio de sua mulher Jeanine —, do PDS, para governador de Minas.

O ‘baby-craque’

Às vésperas de sua estreia com a camisa do Cruzeiro na Copa Brasil, Reinaldo falou por mais de 3 horas ao repórter Zinho Siqueira, de PLACAR. Definiu-se como “anarquista construtivo” — expressão criada por ele — na conversa numa mesa do Bar Mangueiras, na Pampulha, depois de um treino de seu novo time, na terça-feira da semana passada, Eis seu depoimento:

“Cheguei ao Atlético em 1971. Ti- nha 14 anos. Menino do interior, criado em Ponte Nova, na Zona da Mata, fiquei assustado. Eu nem conhecia Belô. Uma semana depois, no entanto, já estava jogando no dente-de-leite. Foi algo incrível: na primeira partida, o juiz deu a saída e eu arranquei do meio de campo até o gol adversário. Nesse campeonato, marquei 38 gols. Logo, Roberto Drummond, jornalista e escritor, passou a me chanar de “Baby Craque: em sua coluna no jornal Estado de Minas.

“A escalada foi rápida. Dois anos depois, eu já estava entre os profissionais. Lembro-me direitinho da estréia contra o Valeriodoce, no Mineirão. Ganhamos por 5 x 2. Fiz três gols. Fui arrebentando tanto até o dia que arrebentaram comigo. Passei a sentir dores no joelho esquerdo. O dr. Abdo Arges, à época responsável pelo departamento médico do clube, decidiu que eu deveria operar o menisco interno. Eu tinha 16 anos. Era um menino do interior na cidade grande. Fiquei acuado e com muito medo. Enfim, aceitei a cirurgia. Tinha medo de hospitais — e ainda tenho — e minha mãe foi comigo.

Sem acupuntura — “Vinte dias depois da operação, meu joelho continuava inchado. Eu ignorava tudo sobre medicina. O dr. Abdo nem ia
me ver. Ao contrário: eu tinha de ir o centro de Belo Horizonte procurá-lo em seu consultório. Como a dor não parava, o médico começou a fazer infiltrações diariamente. E era uma injeção enorme e extremamente dolorida.

“As condições do joelho continuavam precárias. Um dia, o jogador Bibi — filho do Mestre Didi —, que jogava no Atlético naquela época, sugeriu um tratamento à base de acupuntura, Estava dando certo para ele. Eu já me sentia em desespero. Pronto para fazer qualquer coisa e acabar com as dores, Resolvi falar com o dr. Abdo sobre a idéia. Mas ele, em vez de me ajudar, fez uma ameaça: não cuidaria mais de mim, caso procurasse um acupunturista.

“Aí, aproveitando a situação, ele me disse: ‘A solução é operar o outro menisco”, Três meses depois, em novembro de 1973, eu estava entrando na faca de novo. Naquela altura, eu já questionava: por que ele não operou os dois meniscos de uma só vez? A reação da torcida foi incrível. Estava perplexa. Eu havia surgido como um vulcão e, de repente, o impacto das cirurgias caiu sobre meu ombro.

Reinaldo, ídolo do Galo, com a camisa do Cruzeiro - PLACAR
Reinaldo, ídolo do Galo, com a camisa do Cruzeiro – PLACAR

Dez anos de remédio

“Concluída a operação, o processo teve sequência. Era infiltração diária de cortisona e outros medicamentos. Aquela agulha enorme ainda me perseguia. Quando era retirada, trazia pedaços de cartiagem. Acho que vinham até lascas de 0ss0: Uma agressão diária ao organismo. Mesmo assim voltei a jogar, mas com o joelho doente. Na verdade, passei dez anos de minha vida tomando remédio. Era cortisona e o diabo.”

“Minha sorte só veio a mudar em 1975. Foi quando o dr. Neylor Lasmar chegou para o Atlético. Lembro-me muito bem de nosso primeiro encontro. Era um sábado e o time já estava concentrado para o jogo com o Danúbio, de Montevidéu. Ele olhou meu joelho, que persistia inchado, e disse: “Você não vai jogar, não. Antes, eu só jogava assim, com o joelho parecendo uma bola”

“Às vezes, penso que o dr. Neylor ficava doente com a gente. Ele era de uma dedicação integral. Começou à fazer cobaltoterapia, que é coisa pesada, para canceroso. Apesar de perder os pêlos do joelho, eu me recuperei bem. Mas, por causa dos corticóides, eu ficava muito inchado, deformado mesmo. Tomei o remédio diariamente. durante: dois ou três anos.

Desculpas médicas e proposta do PSG

“Em 1976, estourou o outro joelho. O dr. Neylor fez à cirurgia. Não tenho nada nele. Foi como arrancar um dente. Em 1977, entretanto, o joelho esquerdo voltou a inchar. Passei o ano com o local enfaixado. Fazia um treino ou jogo e era o bastante. Logo tinha decolocar gelo para inibir o derrame. Foi bem doloroso. Este processo se estendeu até a Copa do Mundo de 1978, na Argentina. Em seguida, fui levado às pressas para os Estados Unidos. Operei o joelho esquerdo para corrigir os erros anteriores. Tiraram as membranas, que tinham ficado endurecidas de tanta injeção.

“Na volta, o Dr. Abdo, hoje falecido, veio me procurar e pedir desculpas. Tudo bem, mas o mal já estava feito. Após nove meses em recuperação, marcaram um jogo para mim. Era contra o Santos, no Mineirão. Três dias antes, senti uma distensão na perna direita. Como eu era o homenageado, não houve outra solução: fizeram infiltração para eu jogar.”

“Em 1980, na gestão do presidente Elias Kalil, julguei que tinha dado minha contribuição para tornar o Atlético um time ainda mais glorioso. Estava na hora de sair. Queria ir embora: Apareceu à possibilidade de jogar no Flamengo. O próprio Kalil concordou, achou que eu estava certo. Prometeu que aceitaria minha venda, caso surgisse proposta.”

“Aí, na excursão à Europa em 1981, ‘fomos campeões do Torneio de Paris. Fiz gols e fui capitão do time. O Paris Saint-Germain me procurou, oferecendo 1 milhão de dólares para o clube e a mesma quantia para mim. Era jogo rápido. A proposta foi feita num sábado e na segunda feira se encerravam as inscrições para à Copa da UEFA. Demorei 5 horas no telefone para localizar Kalil em Belo Horizonte. Estabelecido o contato, contei-lhe o que se passava. Ele mandou chamar Ivo Mello, então diretor de futebol. E, falando com Ivo, deu para trás. Disse que o clube não poderia ganhar a mesma coisa que o jogador. Então, não resisti. Tomei o telefone da mão de Ivo e lembrei-o da promessa, Insisti que aquele dinheiro representava minha independência financeira.” ‘Não tenho essa política de vender’, ele me respondeu. Quis saber o preço de meu passe. Kalil disse que eram 2,5 milhões de dólares, só de maldade. Juro que estava disposto a entrar até com um pouco do que ganharia, Os homens do time francês estavam me esperando com um jatinho. À gente sairia na mesma hora e iria ao Brasil, buscar à documentação. Então, não aguentei e disse-lhe vários palavrões antes de desligar.

“Hoje, acho que me comportei de forma errada. Deveria ter colocado minha mãe colada no pé de Kalil em Minas Gerais. Tenho certeza de que assim ele me venderia para a França. A partir desse episódio, confesso que desanimei. Entrei em baixo estral é pensei: “Não faço mais nada para esses f…”. À torcida, claro, não entendia. Exigia minha presença no time é muitos gols. Ironia: quando voltei da excursão, eles me deram um aumento de 2 400 cruzados. Nada mau para quem tinha visto de perto um milhão de dólares, não é?

Ainda pior é que aquela diretoria gostava de mordomias. Esbanjava dinheiro do Atlético. O time só está duro para os jogadores. Fui tocando sem motivação até 1985. Meu contrato iria vencer e avisei que não jogaria sem renovação. Em resposta a meu pedido, simplesmente alegaram falta de dinheiro. Aí, perguntei à Kalil: “Cadê a fortuna da venda de Toninho Cerezo? Onde vocês enfiaram 2 milhões de dólares? Isso eles nunca me responderam.

Bom dia, presidente

“Acabei fazendo um acordo provisório. Receberia uma das parcelas das luvas na excursão à Europa, depois do Campeonato Brasileiro. Viajamos. Kalil, no entanto, não me procurou para acertar o que fora combinado antes de perdermos a classificação para o Coritiba. Só enrolava, evitava conversar comigo. Ele gostava mesmo era de acordar e ver um buquê de flores com um cartão e uma mensagem: ‘Bom dia, presidente'”

“Certo dia, no salão de um hotel europeu, consegui cobrá-lo. Ele insistia que não tinha dinheiro. Não tinha para mim, mas para às farras que patrocinava abria os cofres. Basta lembrar que, numa noite, eles farrearam tanto que tiveram de produzir uma nota discriminando o consumo de 800 Coca-Colas. Não beberiam tudo isso nem que fosse em cerveja. Kalil apreciava era uísque e canapé de camarão, até pela manhã. Desperdiçavam numa noite o que gastavam com os jogadores durante toda à excursão.

Desanimei definitivamente. Joguei minha última partida contra o Ajax. Falei que estava sentindo a velha contusão e saí no primeiro tempo. Na volta para Belo Horizonte, pintou o Palmeiras. Kalil prometeu 25 000 cruzados dos 250 000 cobrados pelo empréstimo. E ainda anunciou, publicamente, que oferecia passagens para minha mãe viajar à Europa. Não cumpriu nada disso. Em São Paulo, fiz algumas partidas. Não quis ficar no banco e retomei a Minas.

Quarenta urubus

“Minha volta foi estranha. Ninguém falava comig0. Procurei o novo presidente NéIson Campos. Solicitei passe livre, ele concordou. Depois voltou atrás. “Um encontro com o ex-presidente do clube José Cabral foi minha salvação. Ele soube tudo o que acontecia e ganhei o passe em três dias.

Fu obrigado à me submeter à humilhação de ir para o Rio Negro, de Manaus. Respeito o clube e à cidade, mas lá é outro mundo. No dia de meu primeiro treino, havia 40 umbus passeando pelo campo. Foi um pesadelo de três meses. Agora estou em outra. Na véspera de minha assinatura de contrato com o Cruzeiro, Ivo Mello, que não é sequer diretor atualmente, me procurou em casa, já era quase madrugada. Ele disse: “Reinaldo, você não pode ir para o Cruzeiro. Você é a imagem do Atlético”. Então, ele pegou o telefone e ligou para Benito Masci, presidente cruzeirense. Afirmou que eu não iria mais e fez um cheque num valor maior do que aquele que vou ganhar até dezembro.

Ligou, em seguida, ao Atlético dizendo que pagava meus salários. E, mesmo assim, eles não me quiseram. Então, ele renovou à proposta do cheque, só para eu ficar em casa. Achei seu gesto bonito, dizendo que eu deveria voltar ao Galo, mas respondi que era profissional. Agora pergunto: quem deu mais ao Atlético, eu ou esses dirigentes aí?

Por mais que Kalil e Campos tenham me prejudicado, jamais vou esquecer o Galo e sua torcida. Já estou dando autógrafo para cruzeirense, mas tenho uma imagem preta e branca gravada dentro de mim. Defendi essa camisa com suor e dor. Fiz 306 gols, fui o maior artilheiro da história do Atlético e ajudei o clube a interromper a hegemonia do Cruzeiro no Mineirão, Fui nove vezes campeão mineiro — 1976, 78, 79,80, 81, 82, 83, 84 e 85. Por isso acho que 2 torcida tem de participar da direção das equipes. É o único jeito de acabar com a roubalheira. Quem é que controla os gastos dos cartolas?

Minha ida para o Cruzeiro foi excelente. Agora, tomei uma injeção de entusiasmo. Quero conquistar meu novo time, depois Minas Gerais. E completar meu ciclo no futebol.

 

Publicidade