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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

Rivaldo, o gênio perna-de-pau em marketing

Indignado com pouco reconhecimento ao craque, cronista vai ao Brasil x Dinamarca de 1998, que assistira deixando UTI, após susto no seu coração de torcedor

Mais que o Passado e o Presente, acreditem, o Futuro é a dimensão do Tempo sobre a qual temos menos controle. O Amanhã nunca é exatamente como achávamos que ele ia ser. Prova disso é a quantidade de inventores que, com o correr dos anos, se arrependem de suas criações. Tipo Einstein, envergonhado pela colaboração à bomba atômica, e Alfred Nobel, que acreditava que a dinamite daria fim às guerras. Ou, exemplos mais ‘light’, Ethan Zuckerman, que pediu perdão pela praga dos anúncios ‘pop-up’, e John Sylvan, que há três anos inventou um café em cápsula, que todos em breve vão usar, menos ele, constrangido por ter criado uma vilã do meio-ambiente. Incluo na lista Theodor Adorno, Warhol, Beatles, ou quem quer que consideremos ‘pai’ da Cultura de Massa. É o crescimento desenfreado dessa engrenagem perversa que nos fará chegar a 2022, de ‘quando’ venho’, num mundo em que não importa ‘quem você é’ e sim ‘quem as pessoas acham que você é’. Na música, por exemplo, se surgissem nesse cenário os tímidos e bem-comportados compositores de MPB dos anos 60, estariam todos fadados ao anonimato. Sinto informar, caros leitores e leitoras de 1998, que cada vez mais só teremos arte com show-business. E no futebol não é diferente. O magrelo de pernas arqueadas que deu show ontem na épica vitória do Brasil (3 x 2) sobre a Dinamarca – falo de Rivaldo – vai cumprir à risca a vocação grandiloquente (por vezes megalômana) dos pernambucanos. Ano que vem, será ‘Melhor do Mundo’ pela Fifa e também ‘Bola de Ouro’ na França; depois, revelo, protagonista (embora não endeusado como) do futuro Penta que já-já conquistaremos; e encerrará a carreira sem deixar dúvidas: é um ‘fora-de-série’. Mas jamais terá badalação ou reconhecimento à altura de sua genialidade. Tudo por conta do temperamento introvertido, meio ‘caladão’, avesso a holofotes. No mundo ‘pop’ das aparências, pra brilhar na mídia, jogador de futebol precisa bancar o marrento, usar cabelo diferente ou ter amigos famosos… Não basta ser craque.

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Sorte de Pelé, Rivellino e Zico que as coisas não tinham chegado a este ponto na época em que brilharam nos gramados. Daqui a 24 anos, ainda serão eles os craques apontados como “os maiores Camisa 10 da história do futebol brasileiro”, sem qualquer alusão ao gênio Rivaldo. Culpa dele ou não? A falta de habilidade ou vocação do jogador para o chamado ‘Marketing Pessoal’ é latente, a começar por ser ele, entre os quatro, o único que não tem apelido ou epíteto ao nome. Tivemos o ‘Rei’ Pelé, o ‘Garoto do Parque’ ou ‘Patada Atômica’ Riva, o ‘Galinho de Quintino’ Zico e … Rivaldo. Só Rivaldo mesmo. Ronaldinho? É o ‘Fenômeno’! Romário, o ‘Baixinho’. Assim como já idolatramos o ‘Furacão’, o ‘Dadá Maravilha’, o ‘Chulapa” … Mas Rivaldo, como já disse, é só Rivaldo mesmo. Tipo “tá bom assim …”

Ouvirei de um amigo que trabalhou, ou melhor, no momento trabalha e viaja com a CBF testemunho interessante que reafirma o quanto Rivaldo é, digamos, ‘perna-de-pau em marketing’. No convívio com o elenco, cena comum é ver o grupo reunido ao redor de pandeiros e tambores, em animado pagode, no ônibus por exemplo, e observar Rivaldo afastado, sozinho, num canto, alheio à festa da rapaziada. Nesse ‘Mundo das Aparências’ que estamos consolidando, os manuais para obter sucesso e fama serão claros neste ponto:
‘Jamais menospreze ou deixe de utilizar uma das principais ferramentas na escalada ao topo: fazer bons contatos e manter boas relações com pessoas que já estão lá, ou ‘a caminho de’ …’

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É o que a literatura de autoajuda profissional vai, num anglicismo, consagrar como ‘networking’ – termo obviamente ignorado em Beberibe (PE), terra natal do craque Rivaldo, onde as pessoas se conhecem e se respeitam, mas fiéis a conceitos tidos já ultrapassados, como ‘cordialidade’ ou ‘boa vizinhança’.

Imagino que grande parte de vocês, caros leitores e leitoras de 1998, também ainda desconheçam o termo, visto que surgiu há apenas um ano, obra do site ‘sixdegrees.com’, aquele que, sobre as relações sociais, prega serem apenas seis os graus de distância (quantidades de contatos interligados) entre duas pessoas quaisquer, seja onde estiverem no mundo. Contrariando o mantra do conceito – “Quem tem contatos, tem tudo” –, Rivaldo Vitor Borba Ferreira não conhecia ninguém importante na infância e juventude vividas no Recife. Até se aproximava de muita gente, mas apenas para oferecer coxinhas, na praia, sua contribuição às contas da casa. Por insistência e sonho do pai, aos 12 anos foi treinar no Santa Cruz, já mostrando ser diferenciado. O fã número 1, infelizmente, faleceu antes de ver a arrancada do filho ao Olimpo da Bola. Há seis anos, suas jogadas e gols na Copa São Paulo de Juniores de 1992 o levaram ao Mogi Mirim e ao primeiro título, o Paulistão da Série A-2″. O depois vocês já sabem, mas vou resumir com detalhes e acrescentar alguns ‘spoilers’ do futuro: Corinthians (11 gols no Brasileiro de 1993, Bola de Prata da Placar); Palmeiras (Campeão Brasileiro 1994, 14 gols, três deles nas duas partidas finais contra seu ex-clube); ano passado, já no Desportivo La Coruña, 21 gols que o fizeram ser eleito melhor jogador estrangeiro da ‘La Liga’ espanhola; há poucos meses no Barcelona, já papou o “Campeonato Espanhol” e a “Copa do Rei”. E isso tudo é migalha perante feitos que ainda estão por vir. Anotem…

Ano que vem, novo título de ‘Campeão Espanhol’ e, já adiantei, dobradinha de prêmios, como ‘Melhor Jogador do Mundo pela FIFA’ e ‘Bola de Ouro’ da Revista France Football. Um dia será vendido ao Milan, conquistando uma ‘Liga dos Campeões’ da UEFA logo em sua primeira temporada na Itália – e depois a ‘Copa Itália’ e a ‘Supercopa da Europa’. Na Seleção Brasileira, serão 38 gols em um total de 78 jogos, quase um tento a cada duas partidas. Em breve, ganhará uma ‘Copa América’, recebendo os prêmios de ‘Melhor Jogador’ e ‘Artilheiro’. E ainda será protagonista e fundamental na tão esperada conquista do Penta, que, volto a dizer, não demora a chegar. E isso tudo sem jamais namorar uma atriz famosa ou aparecer na revista Caras. Só jogando bola.

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Rustu contra Rivaldo, na Copa de 2002
Rivaldo diante da Turquia na Copa de 2002 –

Deixei 2022 poucos dias após o aniversário de 50 anos do subestimado craque. A efeméride de meio século de vida até foi registrada pela mídia especializada, mas de forma protocolar. Para Rivaldo, não se derrama adjetivos magnânimos ou qualquer pieguice que demonstre a admiração eterna que ele merece. Fecho os olhos e é fácil lembrar momentos indescritíveis de sua carreira, muitos ainda a acontecer. Como um delirante gol de Bicicleta, pelo Barcelona, um petardo e um corta-luz genial que executará nos dois gols da conquista do Penta… Mas nada supera o dia de ontem, quando este canhoto altão (1,86m) e desengonçado matou no peito e ‘chamou a responsa’, isto é, mais do que nunca disse ao mundo: “Deixa comigo, que este jogo eu resolvo!”. Levar aquele gol da ‘Dinamáquina’ logo após o gongo inicial da partida nocauteou nossa equipe, só reanimada após o “choque-elétrico” que foram os dois gols de Rivaldo, na virada e no desempate final. De matar um do coração…

Tanto a metáfora como a hipérbole acima devem-se a atos-falhos deste cronista do futuro. Descarga elétrica foi o procedimento médico de que escapei na véspera do jogão, isto é, no dia também conhecido como ‘ontem’ – uma ziquizira no coração que me deixou duas noites na UTI de um hospital de São Paulo. Um susto que, suponho, deve ter acabado de acontecer, mas para o meu, digamos, ‘outro eu’. Lembro que voltei ao Rio a tempo de assistir, ainda com marcas dos eletros no peito, à eletrizante vitória brasileira. O mais impactante, porém, deu-se no primeiro dia do episódio, quando senti o incômodo batuque no peito. Já no táxi rumo ao trabalho, a teimosia dos machos contemporâneos me fazia ainda ter dúvidas de ir ou não à Emergência. Quem me convenceu foi o taxista, simpático bonachão que estava feliz da vida pela recente compra do carro novo, um ‘Corsinha’, o próprio, aliás. Três dias depois, o tal ‘ontem’, já com alta, arrumei mala e embarquei em outro táxi, do mesmo ponto do hotel, para o aeroporto. Puxei o tradicional papo com o motorista, claro, contando sobre a internação. E ouvi do falante condutor que na véspera morrera de enfarte um de seus colegas de Praça, ‘um cara muito bacana, amigo, que andava feliz porque tinha acabado de comprar um carro zero, um Corsa…” Sim, fora aquele mesmo da primeira corrida. E só agora, 24 anos depois, entendo que a história se conecta com minha viagem pelo tempo e a esta resenha sobre o jogo e pró-Rivaldo. Explico…

Sempre que a vida nos dá essas chacoalhadas, lembrando que não somos eternos, ressuscitamos os pensamentos de que, acima de tudo, o importante é ser feliz, dia após dia… Para construirmos um passado (ou existência) positiva, ‘toda felicidade é pra ontem!’. Por isso, ao voltar a 2022 repensarei minhas ponderações sobre o pouco reconhecimento dado ao atual Camisa 10 da Seleção. Se Rivaldo é e será feliz dessa forma, do jeitão dele, pouco importa a crueldade da indústria de consumo ou a inconsistência e superficialidade do tal mundo regido pelas aparências. E digo isso sem pretensões de virar texto de cartão de aniversário. Tenho muitos motivos para crer que Rivaldo chegará sim aos 50 anos realizado. Um deles: em 2022, nas listas publicadas sobre os jogadores brasileiros que mais amealharam fortunas, o Rivaldinho dos campinhos de terra de Beberibe – e das peladas em dias de maré baixa na orla de Recife – figura na 6ª posição, com patrimônio estimado em cerca de 400 milhões de dólares. E só jogando bola!

Para ver os melhores momentos do jogo:

Para ver os gols de Rivaldo pela seleção:

FICHA TÉCNICA
BRASIL 3 X 2 DINAMARCA

Competição:
Quartas-de-final da Copa do Mundo da França
Local: Stade de La Beaujoire, em Nantes (França).
Data: 3 de julho de 1998
Horário: 21h (local)
Público: 39.500 espectadores
Árbitro: Mohammed Ahmed Gamal Ghandour (Egito)
Assistentes: Mohamed Mansri (Tunísia) e Dramane Dante (Mali)

BRASIL: Taffarel, Cafu, Aldair, Júnior Baiano e Roberto Carlos; César Sampaio, Dunga, Leonardo (Emerson, aos 72’) e Rivaldo (Zé Roberto, aos 87’); Bebeto (Denílson, aos 64’) e Ronaldo Técnico: Zagallo

DINAMARCA: Schmeichel, Colding, Rieper, Högh e Heintze; Jörgensen, Helveg (Schjönberg, aos 87’), Michael Laudrup e Nielsen (Tofting, aos 46’); Möller (Sand, aos 66’) e Brian Laudrup. Técnico: Bo Johansson

Gols: Jörgensen, aos 2’; Bebeto, aos 11’; Rivaldo, aos 27’; Brian Laudrup, aos 50’; e Rivaldo, aos 61’
Cartões amarelos: Roberto Carlos, Nielsen e Cafu (Brasil); Moller e Tofting (Dinamarca)

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