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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

‘Preparar, apontar, luzes… Ação!’

Viajante deixa 2022 em meio ao conflito na Ucrânia e vai a 1914, em plena I Guerra, ver 1º jogo noturno no Brasil, em Vila Isabel, terra de samba e poesia

Quem viu, viu! Quem não viu, não precisa ir urgentemente ao oculista. Quis a ironia do destino que um clube apelidado de ‘Raio de Sol’, o Villa Isabel Football Club, fosse o vitorioso na primeira partida de futebol do Brasil realizada à noite, como pudemos ver (acredito que a maioria sim) ontem, nos 4 x 0 aplicados na Seleção da Liga Campista. Ô, vida boa… Nada como viver num país que se declarou neutro no embate em curso na Europa e, enquanto o mundo se mata na chamada Primeira Guerra, poder esticar as pernas no campo do Jardim Zoológico, no Rio, para, com a ajuda de 12 lâmpadas de 3.000 velas, assistir futebol. Sinto informar a vocês, caros leitores e leitoras de 1914, que em 2022 de ‘quando’ venho estaremos em meio a um novo confronto bélico iniciado na mesma região e vivendo sob o risco de um terceiro conflito mundial. Xiii, escapou… Sim, daqui até lá teremos uma Segunda Guerra. No Futebol, o pioneiríssimo clube alvinegro da Zona Norte do Rio não existirá mais. O bairro de mesmo nome, por sua vez, já terá se consagrado com terra de poetas, músicos, artistas e do samba. Existe luz no fim do túnel…

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Essa última frase talvez também tenha sido dita ontem, claro, por algum jogador preparando-se para entrar em campo. Os muitos ‘gatos pingados’ gatos adoram a noite presentes no ‘match’ puderam testemunhar não apenas um marco nacional, pois o jogo será considerado o primeiro em horário noturno em toda a América Latina. E isso não é pouca ‘lanterna’ não! Tanto que, no futuro, outros clubes, estádios e até cidades vão insistir em chamar pra si o pioneirismo. Como os paulistanos da Sociedade Esportiva Linhas e Cabos, formada por funcionários da companhia de energia elétrica Light & Power, que vão levar 20 bondes e acender todos os faróis sobre o seu campo, na Várzea do Glicério, em confronto contra o Associação Atlética República, que triunfará em 2 x 0 isso somente daqui a 9 anos, anotem, em 23 de junho de 1923. Mas fiquem tranquilos: ninguém vai pegar em armas pra resolver a discórdia.

Este alaranjado do couro da bola jogou contra os que se esforçavam pra enxergar a partida ontem. Desde já deixo aqui a ideia de que, em próximos confrontos noturnos, ela seja pintada com tinta branca e aposto que lá na Rua Glicério alguém vai se lembrar disso. E marcar a partida para uma noite de Lua Cheia, claro. No futuro, posso revelar, os campos terão arquibancadas mais robustas e potentes sistemas de iluminação, com o uso de lâmpadas gigantes, que chamaremos de ‘refletores’. Num estádio, nesses moldes, só viremos a ter um jogo noturno em 1928, em São Januário. Na oportunidade, o Vasco da Gama vencerá o Wanderers, do Uruguai, por 1 x 0. Será noite de um 31 de março e os cruzmaltinos, após instalar e ligar 65 dos tais ‘refletores’, também gostarão de se gabar do pioneirismo, mas esquecendo-se de que América e São Cristóvão já terão empatado em 1×1, em jogo da Preliminar. 

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Equipe de Vila Isabel de 1913
Equipe de Vila Isabel de 1913

Até Guaxupé, município de Minas Gerais, um dia se arvorará pelo título de ‘primeiro jogo noturno do país’, defendendo um certo XV de Novembro 2 x 1 Academia de Comércio, que se dará na passagem de 1921 para 1922, num campo do Seminário São Luiz Gonzaga. Como se vê, ser o pioneiro em qualquer coisa que envolva luz elétrica dá uma briga danada. Daqui a 108 anos, em 2022, de ‘quando’ venho, ainda estaremos discutindo se foi o americano Thomas Edison ou o austro-húngaro Nikolas Tesla quem criou ou fez isso ou aquilo primeiro, no que chamaremos de “Guerra das Correntes’ ‘alternada’ ou ‘contínua’. ALERTA DE ‘SPOILER’: em outra disputa ferrenha entre geniais inventores, lamento informar que chegaremos a 2022 com o nosso querido e ilustre Santos Dumont, que há 8 anos voou com o seu ’14-Bis’, já quase derrotado pelos seus adversários na disputa pela primazia na conquista do céu: os irmãos Wright. Como se vê, ser o pioneiro em qualquer coisa tendo nascido nos Estados Unidos dá uma vantagem danada.

Mas voltemos ao jogo. O Selecionado visitante, que veio de Campos dos Goitacazes (RJ), hospedou-se no Hotel de France, o mesmo que gentilmente me cedeu uma máquina para escrever esta resenha. Fiz questão de subir ao magnífico terraço panorâmico do prédio, junto à Praça XV, onde a História diz ter acontecido o primeiro Baile de Carnaval do Rio, em 1835, quando aqui ainda funcionava o Hotel de l´Empire. Outros bons tempos, amigos, época em que ainda chamávamos a via na outra extremidade da construção de Rua Direita e que rebatizamos em 1875 como ‘Primeiro de Março’, em homenagem ao fim, cinco anos antes, dela… Sempre ela… a Guerra no caso, do Paraguai.

Não conseguir avistar, em meio ao público de ontem, uma pessoa sequer vestindo a bonita camisa branca do simpático ‘Club do Boulevard’, o alvinegro Villa Isabel. Acreditem, no futuro essa será a vestimenta comum nas plateias dos ‘matchs’ e não os respeitáveis fraques e cartolas de hoje. Praqueles que já tenham desenvolvido certo amor pelo time da Zona Norte da cidade, trago boas e más notícias do Amanhã. Fundado recentemente, em 2 de maio de 2012, o ‘Raio de Sol’ (apelido que ganhou por causas dos raios negros saindo de uma bola em seu uniforme) jogará aqui no campo do Jardim Zoológico, e não na Praça Sete (desde 1908 rebatizada como Barão de Drummond, nome que ainda não ‘pegou’), as mais importantes partidas de sua história. Conquistará vitórias e títulos nas chamadas Divisões de Elite do futebol na Capital Federal, mas infelizmente será extinto. Agora o copo cheio: o time, de origem operária, vai participar na fundação, em 1946, de outra importante e, no futuro, consagrada, agremiação popular, não de futebol, mas de samba ritmo musical que vocês ainda vão esperar dois anos pra conhecer. E para os campos da bola, as ruas do bairro nos darão um atacante decisivo para a conquista de um Campeonato Mundial, de nome Amarildo, podem anotar.

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Como muitos sabem, outro filhote de Vila Isabel que teve grande sucesso foi o Jogo do Bicho, proibido por lei desde 1895. No próximo século, podem apostar, ele ainda estará ‘Vivinho da Silva’. Mas adivinhem? Grupos ligados a atividades realmente criminosas vão se apoderar desta loteria, de inofensiva origem popular, fazendo o noticiário passar a registrar mortes e ataques de mais uma Guerra no caso, entre ‘bicheiros’ rivais. Já no mundo das Artes, de Vila Isabel virão nomes eternos como um certo Noel Rosa (já com quatro aninhos, engatinhando por aí) Braguinha, Francisco Alves, Nássara, Guilherme de Brito, Haroldo Barbosa, Aldir Blanc, Martinho, Nei Lopes… Todos craques que vão jogar no Time da Paz & Amor. 

‘Stop War!”E falo das duas!

FICHA TÉCNICA

VILLA ISABEL F. C. 4 x 0 SELEÇÃO DA LIGA CAMPISTA

Data: 05 de setembro de 1914

Local: Rio de Janeiro (RJ)

Horário: 21hs

Estádio: Campo do Jd. Zoológico, em Villa Isabel

Competição: Amistoso

Árbitro: Desconhecido

Público e renda: Desconhecidos 

Gols: não registrados

VILLA ISABEL: Heitor, Flores e Rocco; Plaisant II, Carvalhosa e VillasBoas; Amaral, Moreira, Décio, Edgard e Plaisant I

URUGUAI: Magiano, Cretello e Santos; Luiz, Nélson Póvoa

e Rocini; Mário, Heitor, Campos, José e Barreto

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