O primeiro brasileiro a ser campeão do Mundo
Única atuação de Amphilóquio Guarisi, o ‘Filó’, defendendo a Itália em Copa leva cronista a 1934 e a antecipar ‘legiões estrangeiras’, John Lennon e o Grupo Wagner
“Imagine there’s no countries” será verso de uma futura canção pacifista – com sucesso intergaláctico – que será lançada dentro de 37 anos, mais precisamente em setembro (o ‘disco’, ou ‘LP’, que terá 33 ‘rotações por minuto’ e não mais 78) e outubro (o ‘compacto’, que um dia rebatizaremos de ‘single’) de 1971, por um cantor muito diferente do estilo solene, ‘almofadinha’ e bem comportado de Mário Reis, por exemplo, ídolo mor de vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1934. Como sou um ‘Viajante do Tempo’, vindo do próximo século, creiam-me, posso garantir, com bastante pesar, que daqui a 89 anos, em 2023, de ‘quando’ vim, eles ainda existirão – os países, as fronteiras… Deu pra entender, né? E pior, pasmem: ainda estarão fazendo guerras entre si, mesmo que de forma, digamos, ‘estranha’, pois teremos notícias de um país em batalha sangrenta e ao mesmo tempo seguindo normalmente com o calendário de jogos de sua seleção (Nota da Redação da Placar em 2023: Ucrânia, atualmente em conflito armado contra a Rússia e disputando as Eliminatórias da UEFA Euro). Esse confronto (real, com sangue) revelará ao mundo (ou ao menos à maioria dos que vivem nele) a existência de um ‘exército profissional’ robusto, o ‘Grupo Wagner’, com combatentes de diversas nacionalidades prontos para defenderem as cores do país que pagar mais e melhor.
Nisso, o Futebol é menos beligerante, mercenário e assustador. Saibam que o selecionado italiano que estreou ontem na segunda Copa do Mundo, em Roma, batendo os EUA por 7 x 1, teve em suas fileiras o atacante ‘Filó’, nascido em São Paulo, capital, há 29 anos. Revelo que a anfitriã Itália vai se sagrar campeã no certame em curso e, mais importante, o paulistano Amphilóquio Guarisi Marques, o ‘Filó’, mesmo não vindo mais a entrar em campo, se tornará, assim, o primeiro brasileiro campeão mundial de Futebol. O que isso tem a ver com o tal grupo de guerrilheiros que defenderão qualquer pátria? Talvez nada… Mas me deu vontade de viajar até aqui. E certo orgulho. Por mais incoerente que pareça.
As torcidas de Portuguesa, Paulistano e Corinthians devem se lembrar bem de ‘Filó’, ponta-direita ligeiro e habilidoso que há 10 anos assinalou 5 (cinco) tentos numa única partida, em empate de 5 x 5 entre a ‘Lusa’ e a gloriosa equipe do Brás. E que no ano seguinte, defendeu nossa Pátria Amada na Copa América de 1925, vice após derrota na final com a Argentina. Esquecido na convocação da Copa de 1930, Anfilogino ‘Guarisi’ – assim é conhecido na Itália – aproveitou o fato de ter mãe italiana e pai português para naturalizar-se e ir atuar pela Lazio, formando, com outros brasileiros expatriados (De Maria, Del Debbio, Rato Castelli, Fantoni I, Fantoni II, Rizzetti, Serafini e Tedesco) o que se passou a chamar de ‘La Brasilazio’. Sua contratação foi respaldada pelas belíssimas temporadas no Corinthians, entre 1929 e 1931, clube pelo qual conquistou dois campeonatos paulistas (29-31) e a Copa dos Campeões. A notícia boa é que ‘Guarisi’ voltará a ser o ‘Filó’ do Corinthians em 1937, quando retornará para a segunda e derradeira temporada no alvinegro paulistano, pelo qual marcará 41 gols em 72 jogos. Mas também o ‘Filó’ do Palestra Itália (Nota da Redação da Placar em 2023: futuro Palmeiras), de 1938 a 1940. Mas Seleção Brasileira… Never more! (Inglês! Na próxima década se consolidará como idioma universal, ou ‘terceiro idioma’, substituindo o Francês; pena que após uma nova Grande Guerra…).
Na Seleção Italiana, ‘Filó’ (ou ‘Guarisi’) marcou gol já na sua estreia, há dois anos, em vitória sobre a Grécia nas Eliminatórias, e neste Mundial vai sofrer as mesmas pressões do ditador Benito Mussolini que qualquer companheiro italiano de nascença – e sendo ele um ‘oriundi’, filho de italianos, condição rejeitada pelos simpatizantes do Fascismo. Mas ganhar a Copa é fundamental para a propaganda de Mussolini, mesmo tendo que ir contra suas ideias racistas. “Ou vocês ganham, ou terão que arcar com as consequências”, terá dito o déspota em algum momento ao elenco, antes de cantarem o hino sobre “vitória ou morte”. A propósito: dentro de 1 mês teremos nova Constituição (a terceira da República) e se dará a reeleição (indireta) de Getúlio Vargas: abram o olho com o ‘Gê-Gê’!
Hora de cantar o refrão da futura música: You may say I’m a dreamer (Você pode dizer que eu sou um sonhador) / But I’m not the only one (Mas eu não sou o único) / I hope someday you’ll join us (Espero que um dia você junte-se a nós) / And the world will be as one (E o mundo será como um só) (John Lennon, 1971).
(Continua na semana que vem)
PARA VER LANCES DO ÚNICO JOGO DO BRASILEIRO NA CONQUISTA ITALIANA
PARA SABER MAIS SOBRE A COPA DE 1934
PARA VER O CLIPE OFICIAL DE ‘IMAGINE’, COM JOHN LENNON
PARA OUVIR CINCO CANÇÕES DE SUCESSO NO BRASIL EM 1934
FICHA TÉCNICA
ITÁLIA 7 x 1 ESTADOS UNIDOS
Competição: Copa do Mundo de 1934 (primeira rodada)
Data: 27 de maio de 1934 (primeiro dia do Mundial)
Estádio: Estádio Nacional do Partido Fascista
Local: Roma (Itália)
Árbitro: René Mercet (Suíça)
ITÁLIA: Combi; Rosetta, Allemandi; Pizziolo, Monti, Bertolini; Guarisi, Meazza, Schiavio, Ferrari e Orsi
Técnico: Vittorio Pozzo
ESTADOS UNIDOS: Hjulian; Czerkiewicz, Moorhouse; Pietras, Gonsalves, Florie; Ryan, Nilsen, Donelli, Dick e McLean
Técnico: David Gould
Gols: Primeiro Tempo: Schiavio, aos 18’ e aos 29’; Orsi, aos 20′; Segundo Tempo: Donelli, aos 12’; Ferrari, aos 18′; Schiavio, aos 19′; Orsi, aos 24′; e Meazza, aos 45′