O golaço dos golaços
Prêmio Puskas 2021 inspira Comentarista a ir a 1976 ver o seu preferido, ‘lençol’ e voleio de Roberto Dinamite, e dar ‘spoilers’ sobre ‘pinturas’ do futuro
‘Saudades da Guanabara’ é um samba lindo que vocês, caros leitores e leitoras de 1976, ainda vão ter que esperar 13 anos pra ouvir. Os versos (Aldir Blanc, que muitos já devem conhecer na voz de Elis, com o ‘jovem veterano’ Paulo César Pinheiro) e a melodia (de um novo ‘bamba do samba’, Moacyr Luz, aguardem!) ainda soarão atuais em 2022, de ‘quando’ venho. Serão líricas as saudades que sentiremos daqui a quase 50 anos, mesmo que não venhamos a saber exatamente o que estará nos fazendo falta. Acho que encontrei parte da resposta ontem, ao chegar do futuro para assistir a este Vasco x Botafogo histórico, em que deu-se aquele que, para mim, será sempre o maior golaço que vi no futebol. Assim como a matada no peito, o lençol e o voleio de Roberto Dinamite, viver no Brasil de agora tem algo de simples e autêntico. Faz apenas um ano e pouco da fusão que criou o Estado do Rio, mas adianto que as dores virão. Saudades teremos até do Maracanã, assim como ele ainda é, de suas rampas, dos ambulantes… Jamais haverá tardes de domingo no Maraca como essas dos anos 70, posso garantir, nem testemunharemos tamanho golaço. E jamais existirá de novo uma ‘Guanabara.’
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Deixei o próximo século dias após a eleição do gol mais bonito da temporada de 2021 (teremos isso, a partir de 2009), concedido a um argentino, Erik Lamela (Tottenham Hotspur). Um arremate interessante (chute de letra de dentro da área, em meio a defensores adversários) mas que não pode sequer ser comparado ao de Dinamite. “Jogada de ‘pelada’”, dirão alguns, pelo tanto de conciso, elementar, fundamental e primordial é o lance. Num curto espaço, quase na pequena área, o atacante vascaíno foi capaz de amortecer a pelota ‘na caixa’, dar um ‘totozinho’ nela encobrindo o zagueiro Osmar e, antes que ela pensasse em descer ao gramado, emendar de voleio para as redes de Wendell. “Quê quié isso??!!??”, foi só o que todos pudemos exclamar diante da obra-prima. E que delícia voltar a sentir aquele zunido no peito, ouvir a uníssona interjeição de espanto e admiração da galera… Pois é. Jamais existirá de novo uma ‘Guanabara.’
Junte-se a isso o fato do gol ter saído aos 45 do segundo tempo, sacramentando a virada do Vasco, que fora para o intervalo derrotado (1 x 0), e mantendo, a duas rodadas do final, suas mínimas chances de ganhar o primeiro turno do Campeonato Carioca, eternamente chamado de Taça Guanabara. Alerta de ‘spoiler’: vai dar Vasco! Quem assistiu à performance de Dinamite ontem deve estar desconfiado disso. Foi dele também o primeiro tento cruzmaltino, feito ‘com vontade’, o artilheiro chutando duas vezes ao gol. A bravura e o ímpeto do atacante ficaram nítidos no minuto derradeiro, pois foi Roberto que tentou um passe a Dé, rebatido, recuperou a bola, tocou a Zanata e esperou que ele girasse o corpo, quase na quina da área, e a erguesse no bafafá. Bastou ‘matar’, dar o toquinho e pimba! “Nostalgia não paga entrada”, dirá um dos versos do samba.
Artilheiro no Brasileiro conquistado pelo Vasco há dois anos, Roberto Dinamite ainda terá muito a explodir e detonar no futebol. Este carioca de Caxias, forjado nas divisões de base de São Januário, chegará ao fim da carreira com 708 gols marcados em 1110 jogos pelo clube, sua casa em 21 dos 22 anos em que atuará nos gramados. Vai disputar duas Copas do Mundo (a primeira dentro de dois anos), mas injustiçado pela reserva. Em 2022, de ‘quando’ venho, ainda será o maior artilheiro da história do campeonato nacional, com 190 gols, e do Campeonato Carioca, com 279. Tentará se adaptar a outras cores, aqui e no exterior, mas, derrotado, voltará a vestir a Cruz de Malta, de forma épica, marcando cinco gols na reestreia. Vai se arriscar na política, como vereador e deputado, e ‘cometer’ mandatos como Presidente do Vasco da Gama. Deixei o futuro dias após ele fazer um comunicado informando ter diagnosticado sérios problemas de saúde, que, com sua garra e o coração, certamente superará – como faz com zagueiros na área.
Uma curiosidade sobre o gol é que no futuro seremos levados a repassá-lo em nossa memória sempre em ‘câmera lenta’. É como se tamanha plasticidade só fôssemos capazes de guardar e relembrar ‘quadro a quadro’. A propósito, recomendo que sempre usem o slow motion para esclarecer não qualidade de arbitragem, mas técnica. No Século 21, por exemplo, muito se debaterá sobre quem será então o melhor do mundo: um português obstinado e de eficiência mecânica; ou um arisco e veloz argentino. E para terem a resposta bastará ralentar as imagens de ambos em campo. Craque é craque em qualquer velocidade.
No ‘padrão Dinamite’ de qualidade, claro que, de hoje a 2022, teremos dezenas de gols arrematando uma jogada maravilhosa – como esta cidade ainda insiste em ser. Podem anotar, caso queiram, alguns golaços do futuro que me ocorreram flanando pela Tijuca após a peleja e antes de iniciar a batucar esta resenha:
- Em 1996, um atacante formado pelo Flamengo, mas que se converterá como ídolo e torcedor do Corinthians, dará um ‘lençol’ (por trás, com o calcanhar) na entrada da área, e completará para o gol ‘de primeira’. Marcelinho será o nome do ‘carioca’;
- Em 1999, um futuro ídolo do Vasco, baixinho, atuando pelo rival Flamengo, vai dar um ‘drible do elástico’ (tal qual Riva, há dois anos) desconcertante em defensor corintiano, já dentro na área, pela esquerda, e depois, de bico, encobrir o arqueiro;
- Em 2009, pouco antes da criação do tal Prêmio Puskás, um futuro meia habilidoso, então no Palmeiras, vai invadir a área do rival São Paulo dando dois ‘lençóis’ (ou ‘chapéus’) de ‘puxeta’, em um zagueiro e no goleiro, entrando com bola e tudo. Nome do ‘cara’: Alex, anotem!;
- Em 2013, outro meia, do Cruzeiro, vai surpreender a todos com um balãozinho seguido de bate-pronto contra o Flamengo, que depois será seu clube. Outro nome pra registrar: Éverton Ribeiro!
Teremos ainda arrancadas fantásticas de craques que ainda vão despontar no gramados, como Ronaldinho Fenômeno (pela Inter de Milão), Nilmar (Internacional), Denner (Portuguesa-SP) – que em 2022 será nome de ‘gol mais bonito’ num torneio de aspirantes – Neymar (Santos) e da promessa argentina, Maradona – em lance que acabará eleito pela Fifa como “O Gol do Século”, o mais bonito marcado em Copas do Mundo. Sem falar em vários que concretizarão a eterna e bem mais importante tentativa de Pelé, o ‘não-gol’, ao chutar do meio-campo para surpreender o goleiro adiantado. Do passado, que vocês já tiveram o prazer de ver, como não elencar o já citado ‘elástico’ de Rivelino (Fluminense, ano passado) ou o mítico “gol de placa” com que o Rei criou a expressão em 1961, mas do qual jamais teremos imagens.
Mesmo com tantas ‘pinturas’, e estou me limitando às do nosso futebol, chegarei a 2022 ainda remetendo a este lance de Roberto Dinamite quando falarem em golaço. Matar a bola no peito, dar um totó + balão no zagueiro e meter ‘pra dentro’ sempre foi aquela encenação de criança que a gente faz quando se imagina marcando um gol pelo time do coração. Era essa jogada que eu fingia executar nas minhas fantasias infantis, mesmo antes de vê-la se materializar pelos pés do Dinamite. É mais que um gol. É um sonho de menino. E infância é como a Guanabara: todo mundo tem saudade…
FICHA TÉCNICA
VASCO 2 x 1 BOTAFOGO
Data: 9 de maio de 1976 (domingo)
Estádio: Maracanã, Rio de Janeiro (RJ)
Competição: Campeonato Carioca (1º Turno – Taça Guanabara – 13ª Rodada)
Árbitro: Armando Marques.
Público: 39.232 pagantes.
VASCO: Mazarópi; Gaúcho, Abel, Renê e Marco Antônio; Zanata, Zé Mário e Luís Carlos; Luís Fumanchu, Roberto Dinamite e Dé. Técnico: Paulo Emílio
BOTAFOGO: Wendell; Miranda, Osmar, Nílson e Marinho; Luisinho, Ademir e Mendonça; Mazinho (Rogério), Manfrini (Antônio Carlos) e Mário Sérgio. Técnico: Telê Satana
Gols: Ademir 43/1º (BOT), Roberto Dinamite 18/2º (VAS) e Roberto Dinamite 45/2º (VAS)
PARA VER IMAGENS DO JOGO E O GOL DE ROBERTO DINAMITE
https://globoplay.globo.com/v/1215494/
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