Brasil, velho freguês da ‘Nação’
Comentarista do Futuro vai até 1976, quando torcedores ainda festejavam a convocação de craques do seu time, e vê segunda derrota da seleção pro Flamengo
Um Maracanã de gente contra o Brasil! Foi o que vimos ontem, caros leitores de 1976, na vitória do Flamengo (2 a 0) sobre a seleção brasileira. Eram mais de 140 mil bocas praguejando contra o escrete tricampeão. Pois saibam que em 2021, de “quando” venho, já teremos alcançado outros dois triunfos mundiais, mas o prestígio do Onze Canarinho, aí sim, vai estar poleiro abaixo. Neste amistoso, foram apenas manifestações espontâneas e circunstanciais da “Nação rubro-negra”, compreensíveis diante de um desafio desse porte – mais ainda tratando-se de homenagem ao falecido Geraldo ‘Assoviador’, prata da Gávea. No futuro, a questão será real. Torcedores vão trocar orgulho por irritação quando jogadores de seus times forem convocados, desfalcando-os nas competições nacionais e continentais. Dentro de campo, com a ‘amarelinha’, estarão atletas sem identificação com as muitas ‘nações’ do país, quase todos atuando lá fora e alguns sem jamais terem brilhado por aqui. Ontem não! Dos 22 que entraram (o interino Travaglini não deixou ninguém de fora), só Pelé (do NY Cosmos) não disputa o Campeonato Brasileiro. E deu Mengão! De novo! Em 1958, muitos devem se lembrar, num jogo-treino para a Copa da Suécia, derrota do selecionado por 1 a 0. Situação chata… Tanto assim que (alerta de ‘spoiler’!) será esta a última vez que o Brasil enfrentará um clube nacional. Quanto menos se misturar, melhor! Será?
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Não é todo dia que você senta a bunda num estádio de futebol e assiste a uma partida que reúne em campo Pelé, Rivellino e Zico. Não mesmo! Este encontro de ontem entre os três foi o primeiro e último – nunca mais vai acontecer. E se destaco isso, caros leitores de 1976, é porque o ‘Galinho de Quintino’ ainda não mostrou 10% do que fará no mundo da bola. Nos próximos anos, levando o Flamengo a conquistas eternas e brilhando na Seleção, se juntará aos outros dois como os três maiores “Camisas 10” da história do futebol brasileiro,- até porque Zizinho e Didi vestiam a 8, antes mais prestigiada. Mesmo que amistosa, a reunião dessa trinca de ouro foi, portanto, um momento histórico. Mas revelo a vocês que, no próximo século, será preciso acrescentar ao grupo dos “Maiores 10 de todos os tempos” um nome: Marta, atacante para quem o futuro reserva seis eleições de melhor do mundo. Mas isso no Futebol Feminino, melhor não misturar… Será?
Geraldo – grande Geraldo! – era 8. Lá de cima, deve ter gostado do que viu ontem: um jogo solto, alegre, bem ao estilo brasileiro – outro que, se deixarem, vai morrer também. Ano passado, o ‘Assoviador’ esteve entre os convocados por Brandão, jogou a Copa América e a Copa Roca, mas levou um inesperado drible das amígdalas, em cirurgia que o levou, aos 22 anos, a uma parada cardíaca. Sou obrigado a ‘mandar’ mais um “pois saibam”: no futuro, acreditem, por orientação da ciência, ninguém mais vai tirar as amígdalas. Assim como não serão extraídos do time brasileiro, até a Copa da Argentina (1978), Riva e Leão. Os demais tricampeões ontem no gramado – Clodoaldo, Jairzinho, Marco Antônio, Zé Maria , P.C. Caju, Piazza, Carlos Alberto e Félix – não terão lugar nesta “boca”. Mas sem grandes traumas ou choques anafiláticos. Zico será figurinha carimbada nos próximos três mundiais. Este grupo rubro-negro que venceu o Brasil tem jovens – além de Zico, Andrade, Rondinelli, Júnior, Júlio César e Adílio – que formarão, a partir de 1978, o melhor time da história do clube. Em outro patamar! Será?
Maior até do que a nas arquibancadas, farra boa foi a das tribunas sociais, onde o presidente Geisel confraternizava – com toda aquela simpatia que lhe é característica – com o ex Eurico Gaspar Dutra, o Governador do Rio Faria Lima, o chefe da Casa Civil Hugo de Abreu e os presidentes da Câmara dos Deputados, Célio Borja, e do Congresso, Magalhães Pinto. E, claro, o presidente da CBD, almirante Heleno Nunes. Em 2021, sinto informar, o Flamengo ainda terá essa relação íntima com governos autoritários. Corrigindo: alguns dirigentes, a instituição não. Nem os craques. Vou usar uma frase corriqueira no meu tempo futuro: se a Seleção não desfalcasse o time “rubro-negro”, a história seria outra! Será?
Em 1958 desfalcou. Quatro titulares estavam do outro lado do campo naquele domingão de maio, no mesmo Maraca, faltando 28 dias pra Copa da Suécia. Mesmo assim, desfalcado, derrotou a Seleção. E não importa que era jogo-treino e o escrete brasileiro tenha jogado com reservas no primeiro tempo. Fala, Waldir (Amaral, Rádio Globo): “Indivíduo competente o Manoelzinho’, autor do gol no Flamengo 1 x 0 Brasil. Como muitos de vocês sabem, queridos leitores, nosso primeiro título mundial tinha quatro jogadores do rubro-negro – Joel, Moacir, Dida e Zagallo. Botafogo, Santos, São Paulo e Vasco cederam três. Talvez porque a partida entre Nação x Seleção aconteceu faltando três dias da definição da lista de convocados. Evaristo de Macedo, estrela do Flamengo até 1957, já estava jogando na Europa e seu novo time, o Barcelona, da Espanha, não o liberou para se juntar ao grupo do técnico Feola. O futebol não muda… Será?
Voltando aos nossos anos 70, apesar da euforia da galera, ontem não foi dia de festa para o elenco rubro-negro, abalado pela perda do companheiro de clube. Os calções eram negros, que até aqui são usados apenas em sinal de luto (no porvir, isso vai banalizar). Revelo a todos que, neste Flamengo de 1976, não apenas os jovens craques escreverão seu nome na história na Seleção. O Capitão Claudio Coutinho, treinador que há um mês surgiu, substituindo Carlos Froner, será – acreditem! – o comandante do escrete já no próximo Mundial, e não em algum “ponto futuro” das Copas. Foi impossível me aproximar o suficiente pra ouvir, mas suspeito que isso tenha sido tramado ontem, naquele regabofe de militares nas Tribunas. Será?
A taça Geraldo Cleofas Dias Alves – sim, teve isso – ficou em boas mãos. Anotem aí: até 2021, o Flamengo terá realizado 45 confrontos contra seleções nacionais, com retrospecto curioso: 22 vitórias, 12 empates e apenas 11 derrotas. Alguns adversários serão “babas”? Sim, mas nem todos. Há 10 anos, muitos flamenguistas sabem, arrancou um empate (1 x 1) com a Argentina em plena Buenos Aires. Em 1995, para comemorar a chegada de um futuro craque, Romário (guardem este nome!), vai empatar também (1 x 1) com o Uruguai, num amistoso em Goiânia. E, claro, virão por aí as Jamaicas da vida… No futuro teremos até um intitulado “Flamengo x Resto do Mundo”, mas não merece destaque. O certo é que o Flamengo gosta e sempre vai gostar deste negócio de enfrentar Seleções – talvez pelo complexo de se autointitular “Nação”. Será?
Já o Brasil, chegará a 2021 pouco confortável nessa história de enfrentar times. O curioso é que o primeiro jogo oficial da Seleção foi justamente contra um clube, o inglês Exeter City, em 1914, que passou por aqui e fez questão de levar um 2 a 0. Desde então, o escrete carrega nas costas, além do Flamengo, outras quatro derrotas: para o Dublin, do Uruguai, em 1918; Santa Cruz, em 1934; Arsenal, da Inglaterra, em 1965; e Atlético Mineiro, em 1969. Em 1970, todo mundo sabe, às vésperas do embarque pro México, teve aquele 1 x 1 com o Bangu que ajudou o Médici a dispensar o João Saldanha. Mas não vai aprender a lição. Em 1998, alerto a todos, teremos um elenco considerado imbatível e, para aumentar o moral do grupo, será marcado um amistoso contra uma equipe da ‘quinquionésima’ divisão da Espanha. Empate em 1 x 1 – empate que depois será apontado como premonição de um, sem “meias” palavras, desastre anunciado na Copa do mesmo ano, na França. No próximo século, de “quando’ venho, por uma série de motivos, o Brasil não conseguirá datas para enfrentar seleções de alto nível antes do Mundial de 2022, cogitando-se então a possibilidade de marcar jogos contra grandes clubes.
Será?
FICHAS DOS JOGOS
FLAMENGO 2 X 0 BRASIL
Data: 6 de outubro de 1976
Estádio: Maracanã (Rio de Janeiro)
Juiz: Armando Marques (BRA)
Público: 142.494 pagantes
Renda: Cr$ 2.801.636,00 (renda destinada à família do jogador Geraldo)
Flamengo: Cantarele, Dequinha, Rondinelli (depois Paolino), Jayme (depois Andrade) e Júnior; Merica (depois Zé Roberto) e Thadeu Ricci (depois Dendê); Paulinho (depois Adílio), Zico (depois Júnior Brasília), Luizinho Lemos (depois Marciano) e Luís Paulo (depois Júlio César). Técnico: Cláudio Coutinho
Brasil: Félix [Fluminense] (depois Leão, do Palmeiras); Carlos Alberto Torres [Fluminense] (depois Wladimir, do Corinthians), Marinho Peres [Internacional] (depois Zé Maria, do Corinthians), Piazza [Cruzeiro] (depois Beto Fuscão, do Grêmio) e Marco Antônio [Vasco] (depois Rodrigues Neto, do Fluminense); Clodoaldo [Santos] (depois Givanildo, do Santa Cruz), Rivellino [Fluminense] (depois Ademir da Guia, Palmeiras) e Pelé [NY Cosmos] (depois Dada Maravilha, do Internacional); Jairzinho [Cruzeiro] (depois Gil, do Fluminense), Paulo César Caju [Fluminense] (depois Neca, do Corinthians) e Edu Bala [Palmeiras] (depois Valdomiro, do Internacional)
Técnico: Mário Travaglini (substituiu Oswaldo Brandão, que se recuperava de uma cirurgia)
Gols: Paulinho, 4’; Luís Paulo, 11’ do (1º tempo)
FLAMENGO 1 X 0 BRASIL
Data: 11 de maio de 1958
Estádio: Maracanã (Rio, Distrito Federal)
Juiz: Alberto Monard da Gama Malcher, com os auxiliares Frederico Lopes e José Gomes Sobrinho
Público: 142.494 pagantes
Renda: Cr$ 2.801.636,00
Flamengo: Fernando, Joubert, Milton Copolillo, Jadir (depois Tomires) e Jordan; Dequinha (depois Carlinhos) e Duca (depois Adalberto); Babá, Henrique (depois Manoelzinho), Luiz Carlos (depois Roberto Rodrigues) e Alfredinho. Técnico: Manuel Agustín Fleitas Solich
Brasil/Primeiro tempo (reservas): Castilho, Djalma Santos, Mauro Ramos, Orlando Peçanha e Oreco; Roberto Belangero e Pelé; Garrincha, Mazzola, Canhoteiro e Pepe
Brasil/Segundo tempo (titulares): Gilmar, De Sordi. Bellini (depois Mauro Ramos), Zózimo e Nilton Santos; Dino Sani (depois Zito) e Moacir; Joel, Vavá, Dida e Zagallo. Técnico: Vicente Feola
Gols: Manoelzinho (51’)
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