Botafogo 0 x 5 Santos: desta vez, não foi Golias x Golias
Comentarista do Futuro vai ao ‘maior jogo do mundo’, na final do Brasileiro de 1962, e leva notícias do futuro sobre melhores e piores times do mundo
Entre os meus muitos planos secretos está a ideia de ampliar a capacidade de passageiros da Máquina do Tempo e tornar possíveis confrontos entre os maiores times de todos os tempos, que infelizmente brilharam em momentos distintos da história do futebol. Se tudo der certo, penso em trazer do futuro, por exemplo, a Seleção Canarinho que teremos em 1970 – e esse será, garanto a vocês, caros leitores e leitoras de 1963, um Onze eterno – para medir forças com o escrete de 1958, com Pelé jogando um tempo pra cada lado. Divagando com este retrovisor em 2022 – de ‘quando’ venho –, me inebriam a cabeça embates fantásticos, como uma revolucionária equipe do Ajax (Holanda) que daqui a três anos começa a girar, como um carrossel, pelos campos do mundo diante de um Barcelona (Espanha) que todos ainda aplaudirão entre 2008 e 2012. Ou por frente à frente o esquadrão que o Milan (Itália) formará no final dos anos 80 com esse Real Madrid de Puskas e Di Stefano que recentemente foi pentacampeão na Liga da Europa. Quiseram os Deuses do Futebol que convivessem nesses anos 60, justo aqui, na ‘terrinha’, duas equipes que eternamente serão apontadas entre ‘as gigantes’: o Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha, adversários nesta final da Taça Brasil de 1962. O que ninguém esperava é que o tão aguardado jogo terminasse em constrangedora goleada, Santos 5 x 0 – placar que me desanima em meu projeto atemporal de ‘timaço x timaço’. É uma das verdades inapeláveis do futebol: até os ‘Botafogos’ da vida têm seus dias de São Cristóvão…
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Registre-se desde já minhas sinceras desculpas por usar o glorioso ‘Cadete’, Campeão Carioca de 1926, como referência de, digamos, ‘timeco’. Não o fiz por ignorar a inquestionável tradição do clube do Bairro Imperial do Rio e sim pela mística folclórica com que ele chegará aos anos 20 do próximo Século, batizando até um boteco no bairro da Vila Madalena, futuro reduto boêmio em São Paulo. Será no acanhado campinho do ‘São Cri-Cri’ que nascerá um dos mais importantes e diferenciados craques de futuro, um dentuço que ganhará o apelido de ‘Fenômeno’ e acabará rebatizando o estádio. Sem falar em Leônidas da Silva, ele mesmo, o ‘Diamante Negro’, que, se vocês não sabem, também surgiu para o futebol ali, no ‘Tóvão’. Sinto informar que o São Cristóvão chegará ao próximo milênio chafurdado nas terceira e segunda divisões do campeonato estadual e terá até ator de TV como técnico (anotem o nome: Nuno Leal Maia), mas nada que apague sua colaboração valiosa ao nosso futebol – em 2022 ainda vai figurar na 15ª posição entre os clubes brasileiros que mais cederam atletas à Seleção Brasileira – e outros feitos históricos. Além disso, minha citação deve-se ao fato de ninguém ‘aqui’ nesses idos de 1963 já conhecer a agremiação pernambucana que, a partir dos anos 80, após três temporadas seguidas sem uma vitória sequer, se tornará inconteste no título de ‘pior time do mundo’ – aguardem!
Quando o Íbis nasceu, em 1938, óbvio que nenhum dos fundadores – trabalhadores do setor de tecelagem e algodão – poderia supor futuro tão desabonador. Só o passar dos anos nos permite conhecer o sucesso ou o fracasso do que testemunhamos surgir no planeta. Exemplo: quem poderia prever o que viria depois do lançamento, ano passado, de ‘Please Please Me’, deste grupelho de Londres, o tal do ‘The Beatles’? E quem hoje é capaz de imaginar no que se transformará, daqui a 59 anos, este bucólico município que acaba de ser fundado juntinho a São Paulo. Como é mesmo o nome? Ah, sim… Osasco! Mas qualquer pessoa que ama o futebol poderia jurar que veríamos ontem, de fato, ‘o maior jogo do mundo’, como será batizado nos próximos dias, em texto na ‘Fatos & Fotos’ do cronista Ney Bianchi. Pudera…
Do lado paulista, estava o tricampeão estadual e atual detentor da Taça Brasil, de 1961, com sete dos seus titulares tendo participado da conquista do Mundial no Chile e, também ano passado, dos inéditos títulos na Libertadores da América e no Mundial de Clubes; pelo Rio, os atuais Bicampeões Cariocas (1961 e 1962), que contam em suas linhas com outros cinco que triunfaram na última Copa do Mundo. Para aumentar a pompa e circunstância desta partida, revelo a vocês, mas sem dar nomes, que ontem estavam no gramado outros atletas que defenderão a Canarinho daqui a três anos, no Mundial de 1966, na Inglaterra. Confesso que, diante do espetáculo, bateu uma ‘depressãozinha’ neste viajante do futuro que aqui escreve, pois em 2022 até os mais aguardados confrontos dos times mais fortes que então teremos acontecerão desprovidos de qualquer titular da Seleção Brasileira, formada basicamente por jogadores que estarão atuando em times estrangeiros. Tanto assim que, na tal lista dos clubes que mais cederam atletas pra Seleção em Copas, o Botafogo ainda será o líder, mas clubes como Roma, Real Madrid ou Barcelona já terão ultrapassado com folga agremiações nacionais. Como o nosso querido São Cristóvão.
O que mais impressionou e surpreendeu a todos no ‘placar elástico’ de ontem foi o poder de recuperação do alvinegro santista, que há apenas dois dias, na segunda partida da final, no mesmo Maracanã, e diante de mais de 100 mil pessoas, perdeu de 3 x 1, quando um empate lhe bastava para o título. Além de Nílton Santos, que conseguiu anular Pelé, contribuíram muito para a vitória as atuações de Amarildo e, claro, Garrincha, que, como se sabe, ficara fora do primeiro jogo (Santos 4 x 3) por suas reinvindicações ao clube por melhores condições de salário – sob incentivo e marcação cerrada da esposa, Elza Soares. Mas ontem o ‘Peixe’ não tomou conhecimento do time da Estrela Solitária, e obviamente graças a ‘Ele’, o Rei Pelé, certo? Não, desta vez o nome do jogo foi outro: Dorval!
Antes que comecem a dizer que em 2022 ninguém entenderá patavinas de futebol, esclareço que não sou cego a ponto de não ver o show de Pelé, em tarde inspiradíssima, participando em quatro dos cinco tentos, e assinalando dois (depois de ter passado ‘em branco’ nos dois primeiros confrontos). O Tempo revelará, porém, que a grande jogada tática do Santos ontem foi o treinador (com a ajuda dos companheiros) ter convencido Dorval a abandonar suas características ofensivas e ‘colar’ em Zagallo, protagonista dos ataques cariocas na partida anterior. E mesmo cumprindo à risca sua nova função, foi Dorval quem abriu o placar, o que deve tê-lo incentivado a seguir no esforço tático. E ainda no primeiro tempo, em canhão de Pepe, veio o segundo gol, em falha do arqueiro botafoguense. Pois é, outra das verdades inapeláveis do futebol: até os “Mangas’ da vida têm seus momentos de Rhuan Castilho – novas desculpas, pois jamais o vi atuando, mas em 2022 será o goleiro reserva do São Cristóvão.
Na segunda etapa, depois que o Fogão já tinha ‘perdido o rebolado’, construiu-se a goleada, com Pelé aprontando de tudo no Maraca, gol de cobertura, tabelinhas com Coutinho, dribles… Pelé ao melhor estilo Pelé! Ajudou bastante a contusão de Rildo aos 20’ de jogo, que obrigou o técnico Maninho Rodrigues a deslocar Nilton Santos pra lateral, formando-se então a zaga com Jadir e Zé Maria, que, com todo respeito, ontem não deveriam ter saído da cama. É bom que se diga que o passeio só não foi maior porque, tirando o frango do segundo, Manga fez defesas antológicas, impedindo mais gols do Santos. Era tamanha a expectativa pelo tira-teima que a TV transmitiu o jogo, fato raro em jogos interestaduais, permitindo que mais brasileiros assistissem ao espetáculo, mesmo que em preto-e-branco, como os uniforme dos rivais alvinegros.
Foi também uma goleada, 8 x 2, o placar do primeiro jogo entre os dois rivais alvinegros, com triunfo Santista em amistoso na Vila Belmiro, em 14 de abril de 1918. Mas teve volta: em 1935, em novo encontro ‘cordial’, agora no Estádio General Severiano, no Rio, vitória do Botafogo por 9 x 2, maior marca do confronto. Até abril de 2022, serão 113 jogos, com vantagem santista (45 vitórias, 191 gols); os botafoguenses somando 37 triunfos e 157 tentos. Empates serão 31. Disputaram sua primeira final há quatro anos, quando o Santos arrebatou o Troféu Teresa Herrera na Espanha, ao vencer o Botafogo por 4 a 1. Daqui a dois, anotem: novo embate, para decidir o Rio-São Paulo, ficará sem jogo decisivo, ambos sendo declarados campeões. O troco da derrota de ontem, revelo a vocês, virá em 1995, quando o Fogão conquistará o Campeonato Brasileiro ao empatar em 1 x 1 com o Peixe na segunda partida da final, graças a um gol polêmico que enriquecerá a história do confronto. Capítulo à parte e especial, os dois ídolos dos clubes, Pelé e Garrincha, vão encerrar suas carteiras tendo se enfrentado apenas 11 vezes, com 7 vitórias do Santos, contra apenas 3 do rival. Serão 10 gols do ‘Rei’, quase um por jogo, e somente um endiabrado ‘anjo de pernas tortas’.
Sinto informar, porém, que a rivalidade de história tão bonita estará esmaecida em 2022. A desorganização e a irresponsabilidade dos dirigentes do futebol brasileiro – os mesmos que conseguiram fazer a Taça Brasil de 1962 ser decidida em 1963 – levarão os dois clubes a viverem dias difíceis no próximo século, situação impensável para os que testemunharam o espetáculo de ontem à noite. Mais uma das verdades inapeláveis do futebol: até os “Brasis” da vida têm seus dias de República de San Marino. E desta vez não peço desculpas. Com todo o respeito àquele que é considerado o mais antigo Estado Nacional do mundo (fundado em 301 D.C), será este pequeno país (61km quadrados) que em 2022 estará na 211ª posição, último lugar no ranking da Fifa.
PARA VER LANCES DO JOGO
https://www.youtube.com/watch?v=nOjvJxFXZ9I&ab_channel=omaiordetodosostempos
PARA OUVIR UM DOS GOLS DO SANTOS NA VOZ DE WALDIR AMARAL
https://www.youtube.com/watch?v=NAIlV-di__w&ab_channel=EduCesar
FICHA TÉCNICA
BOTAFOGO 0 X 5 SANTOS
Competição: Taça Brasil 1962
Local: Maracanã, Rio de Janeiro (RJ)
Data: 02 de abril de 1963 (terça-feira)
Horário: 21h15
Público: 70.324 pagantes
Renda: Cr$ 26.911.763,00
Árbitro: Eunápio de Queiroz
Botafogo: Manga; Rildo (Joel), Zé Maria e Ivã (Jadir); Airton e Nilton Santos; Garrincha, Edson, Quarentinha, Amarildo e Zagallo (Jair)
Técnico: Marinho Rodrigues
Santos: Gylmar; Lima, Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Mengálvio; Dorval (Tite), Coutinho, Pelé e Pepe.
Técnico: Lula
Gols: Dorval aos 25’ e Pepe aos 40’ do 1ºT; Coutinho aos 8’, Pelé aos 29’ e 34’ do 2ºT
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